Depois de uma noite de insônia, poucas horas de sono, e aquela sensação de resfriado chato querendo derrubar, acordei quase rouca, com voz estranha, que sumia em poucas palavras. Quase desmarquei a entrevista, mas não desisti: salto alto, camisa, meia fina e saia executiva. Sapato fino, de tom bordô em couro aveludado, cujo salto enganchava nas malditas calçadas de pedras soltas. E eu penso… Por quê dificultamos tanto? Tudo poderia ser mais simples. Eu me irritei com minha meia-calça. Passei em uma loja no meio do caminho, comprei outra, entrei no banheiro do estabelecimento e troquei minha neura por outra neura… Fiquei com medo de rasgar a meia de fio 15 em lycra, fato que realmente aconteceu, mas foi no portão de casa, quando a coroa do abacaxi que eu comprei encostou-se a minha meia. Quando fui trocar as sacolas de braço, escutei o barulho desesperador de fios rasgando. Olhei, dei risada. Pedreiros na espreita… Um naco de minha coxa branquela debaixo do rasgo seria normal e mais divertido se fosse à hora de um bom sexo, aquela coisa de desespero. Melhor uma meia rasgada em cima da cama pelas mãos de um homem do que pela coroa de abacaxi pérola comprado na promoção que estava azedo. Nada que um açúcar resolva. Devorei três fatias com requintes de crueldade e sadismo, sentada em minha cama, marcando trechos de “Cartas de um Escritor Solitário”, de Sam Savage. Joguei fora a meia, fiquei em mangas de camisa e adormeci. Não passei na entrevista, recebi um e-mail frustrante, mas sou forte, paciência! Terei outros momentos para rasgar meias por aí e dar risada de meu próprio medo. Pelo menos tenho algo divertido com tons de tragicomédia para contar. Adormeci esparramada na cama e sonhei com teus braços com veias e tendões aparentes de tua pele branca e combinando com meus tons embaixo de minha meia rasgada…
a ironia de trocar uma neura por outra… e ver no que deu.
Quem já não teve um ou mais dias de merda!?… Normal. Mas o texto tá bem legal. Aliás, escritor que se preza tem que saber se acostumar com o fracasso. Não desistir, ir em frente, é muito revelador, criativo. A busca da felicidade é mais interessante que suportá-la.