A imoralidade mora no céu…E no coração dos homens.

Este texto é a coisa mais imoral que eu já escrevi. Eu sou humana, fraca, eu tento resistir à tentação, mas ela é mais forte do eu. Eu não sou um eco de ninguém, apenas permito-me escrever um fluxo de pensamentos, um fluxo de coisas que fazem parte da minha tão simples vida. Sim , eu escrevo sobre a vida, eu adoro metáforas, eu acho a sutileza algo extremamente elegante. Eu demorei muito para escrever essa metáfora sobre o Sol e a Lua, entre outras coisas da Terra, eu terminei de escrevê-lo eram três horas da manhã. Fiquei por minutos, pensando se valia a pena publicá-lo ou não. Publiquei primeiramente no meu outro blog, que um grupo de escritores e ilustradores. E por que, você se pergunta, que eu fiquei por tempos pensando se publicava ou não? Porque este texto pode ser considerado muito, mas muito, absurdamente imoral. Mas este texto tem alma própria, é bonito, sensível, e se eu pensei em alguém pra escrever isso, não é porque não tenho idéias próprias, mas a partir do momento que algo entra em nossas vidas a ponto de refletirmos sobre nossas atitudes, razões, emoções, que nos traz um sorriso mais largo, enfim, não creio que seja imoral. Pode ser um tentação irresistível, claro, pode mesmo, e o que nos resta, como seres humanos, é quando não podemos vencer nossas convicções, nos entregamos ao pecado. E teria outro jeito? Renunciar, talvez, eu sou teimosa, odeio renúncias, sou uma eterna errante, eu não nego e não renúncio, eu luto até o fim. Não sou de renunciar sentimentos, já machuquei-me muito por ser assim, mas creio que tudo nesta vida vale a pena, tudo nós levamos como uma lição, e não devemos deixar de correr riscos. Sigo por aí, traindo minhas convicções, pecando, mas não deixo de ser única, ter virtudes reais, sentimentos intensos, ideias e pensamentos que voam como uma folha na fúria de um vento. Se deixo-me inspirar, é porque permito-me olhar o que há de Belo nesta vida, e eu não falo só de lindos olhos azuis e um sorriso. Existem muitas coisas além disso,  muitas coisas além do que os nossos olhos enxergam. Somente a Beleza não me basta, é preciso que toque meu coração e que me tire completamente da toca. São bem poucos, não passa nem de uma mão, se eu contar nos dedos, as pessoas que me fizeram crer que nem tudo está perdido. Sou uma eterna errante, tal como Dom Quixote, estou sempre em busca de causas perdidas.

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Este texto que vem logo abaixo é um conceito. Deve ser lido como uma fantasia, um sonho, uma metáfora. O Sol, a Lua, como dois apaixonados, trocando mensagens entre si.  Quem sabe, você, querido (a) leitor (a), leia este texto pensando na pessoa amada, mesmo que ele (a) não esteja anos luz de distância, mas sempre, ao amanhecer, no pôr do sol ou numa noite de lua cheia, quando olhar para o céu, é o sorriso desconcertante do ser amado que lhe surge  na memória. O amanhecer e os primeiros raios da manhã que nos aquece, o entardecer e os raios alaranjados do Soberano Sol, a Lua com suas fases…Todas esses fatores “astronômicos”, influenciam não só o movimento das marés do oceano, mas também os sentimentos e pensamentos dos homens e mulheres na Terra. Já dizia Lord Henry, em “O Retrato de Dorian Gray”, livro de Oscar Wilde:

– Não existe boa influência – respondeu Lord Henry. – Toda influência é imoral – imoral do ponto de vista científico -, porque influenciar uma pessoa é dar-lhe sua própria alma. Ela já não pensa com seus próprios pensamentos nem sente suas próprias paixões. Suas virtudes não são reais para ela. Seus pecados, se existem tais coisas, são emprestados. Torna-se um eco da música de outra pessoa. O objetivo da vida é o autodesenvolvimento. Cumprir a própria natureza perfeitamente – essa é a razão por que estamos aqui. As pessoas têm medo de si mesmas, hoje em dia. Esqueceram-se de seu principal dever. Claro que são caridosas: alimentam os famintos, vestem os mendigos. Mas suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. O terror da sociedade, que é a base da moral, e o terror de Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam. Mas eu acredito que se um homem vivesse sua vida completamente, desse forma a todo sentimento, expressão a todo pensamento, a realidade a cada sonho, acredito que o mundo ganharia um impulso novo de alegria. Mas o mais corajoso dos homens tem medo de si mesmo. Cada impulso que lutamos para estrangular aninha-se na mente e nos envenena. O corpo peca uma vez e não tem nada mais a ver com o pecado, pois a ação é um modo de purificação. Nada permanece, a não ser a lembrança de um prazer ou desgosto. A única maneira de se livrar de uma tentação é entregar-se a ela…

Quando o Sol ou a Lua não aparecem, é porque estão cansados de ser a inspiração e influência amorosa dos seres da Terra. Eles se entristecem de tal forma, que se escondem por trás de nuvens. Por vezes, a lua fica minguante, ela quer mostrar apenas uma parte da sua saudade, mas ela é amada mesmo assim. Nós, humanos, entregamos todas as nossas tentações e pecados embaixo do calor de uma estrela imponente, e fazemos declarações sob o Luar.

Espero que gostem, e que ao terminarem de ler este texto, pensem na pessoa amada, mandem uma mensagem dizendo “Eu te amo”, ou dizer que está com saudades, e agradeça, de alguma forma, por essa pessoa ter surgido em sua vida e iluminado seu sorriso e razão de viver. E se você, querido (a) leitor (a), que ama alguém, e a pessoa não saiba disso, meu amigo (a), eu digo-lhe que a vida é muito curta para não tentar. Não se vive sem correr riscos, lembrem-se disso. Obrigada e boa leitura!

Prólogo.

– No começo existia apenas a escuridão. Então surgiu o sol, seu nome é Guaraci. Um dia ele ficou muito cansado e precisou dormir. Quando Guaraci fechou os olhos, tudo escureceu. Então, para iluminar a escuridão deixada por ele, enquanto ele fechava os olhos por longo período de tempo, ele criou a lua, e lhe deu Jaci, de alcunha. Ele Guaraci, criou uma Lua tão bonita que imediatamente apaixonou-se por ela. Encantou-se de uma forma tão intensa, que o seu brilho a ofuscava, como se ela estivesse assustada perante tal intensidade de seus raios de sol. Ela, Jaci, era uma menina desajeitada perante o brilho inebriante do Sol, e este, um menino desajeitado perante a intensidade da Lua. A Lua desaparecia tímida, quando o Sol aparecia. Guaraci criou, então, o Amor, deu-lhe o nome de Rudá, e este era seu porta-voz. O Amor até então, a única coisa que ele conhecia, era a Luz ou as Trevas. Não importando as estações do ano, a passagem do tempo, o momento, não importava nada… Rudá sempre podia dizer a Jaci o quanto Guaraci, o rei soberano, era apaixonado por ela. Vendo que a Lua estava sempre sozinha, Guaraci criou também companheiras para ela. Deu-lhe o nome de Estrelas, elas tornaram-se então, suas irmãs. O rei soberano, enquanto dormia, não queria que sua amada ficasse sozinha. Os dois se amavam, apesar de toda distância. Guaraci ama tanto a Jaci, que lhe deu seu brilho e calor enquanto dormia.
De tempos em tempos, os amantes se tocam… E quando eles transformam-se em seres únicos, mesmo na efemeridade deste encontro, visto à unidade de tempo do nosso universo, o Amor, a maneira de como um toca o outro, se torna única. E foi assim, segundo os indígenas, que tudo o que existe quando olhamos o céu, é fruto do Amor de Guaraci e Jaci.

Cartas ao meu Rei Soberano

Esta noite eu me lembrei de você. Não sei por que exatamente escrevo-lhe “Esta noite”, pois você sabe que todas as noites, aqui no nosso céu, você sabe que eu penso em você e que eu posso sentir seus raios me aquecendo mesmo em noites de inverno, mesmo quando as nuvens me encobrem, quando eu me sinto cansada da contemplação dos seres humanos, quando o uivo dos lobos, e o miado dos gatos que namoram nos telhados ou em árvores, enfim, estes sons me enlouquecem e por momentos, meu Amor, eu quero ficar surda. Quero apenas que me toque, e que me aqueça ainda mais. Quero que olhem nosso Amor, e fiquem todos cegos. Alguns humanos, eu percebi, ficam acanhados perante um casal que se ama, os que estão solitários, olham pra mim e me pedem uma paixão, um Amor, alguns, sofrem, platonicamente, e me pedem que lhe trague o ser amado ao qual amam à distância. Eu posso ver o amor platônico deles rolando numa cama iluminada pela minha luz, mas nesta Terra, os humanos acreditam em algo que eles chamam de Esperança. Eu também, todas as noites, eu tenho algo bem semelhante a este sentimento dos terráqueos, seria também, Esperança? Amor, meu rei soberano, queria que o Universo adiantasse nosso encontro. Eu sinto muitas saudades, mesmo você deixando em mim todo o teu calor, eu sinto uma saudade extrema do momento efêmero de deitar-me em teu peito.

Esta noite, quando olhei lá embaixo, num bairro de subúrbio qualquer, eu encontrei uma flor chamada Girassol, dizem por aí que ele é UM flor, e não UMA flor. Ele é lindo, imponente, de uma beleza que o nosso amigo Tempo me contou que é como um verbo que não se conjuga. Alguns humanos se calam perante a Beleza do Girassol, outros dizem, o quanto é belo, tão belo quanto tu. Outros humanos, dizem que seus amados possuem a mesma beleza e sentimentos do Girassol. Um lobo me contou, que o Girassol, em dias chuvosos, murcha e coloca-se a olhar para os pés, tímido, como se estivesse acuado, ou se a chuva trouxesse a ele todos os tons de cinza que ela carrega. Ele, Girassol, agradece pelas gotas de chuva que caem aos pés, se sente pleno com a água escorrendo nas pétalas, mas ele sente falta do teu brilho, sente falta do teu calor aquecendo-lhe as pétalas. Quando você o aquece e ilumina, ele fica altivo e contente.

O lobo contou-me também, que o Girassol também gosta do silêncio. Ele pede para aqueles que pousam em seu ombro, que respeitem seu Silêncio. O Girassol é de poucas palavras, o Silêncio que ele carrega, é como um belo poema. O Girassol se fosse um ser humano, como os homens que caminham na Terra, ele amaria com olhos.

Alguns pássaros pousam nele e comem as sementes que saltam de seu miolo. E ele não esbraveja, sente-se feliz, e um dia, ele finalmente morre. Mas alguns pássaros, distraídos, deixam algumas sementes caírem ao chão.  Depois de alguns dias de chuva, outros dias iluminados com tua Força, Beleza e Calor, outro Girassol surge, mas, todos os Girassóis, me disse o Lobo, ficam extasiantes diante de ti. Eu confesso meu Amor, eu senti uma ponta de ciúme desta flor, pois ela está lá, sempre lhe contemplando, isso me perturba um pouco, pois sou eu, a sua Dama, aquela que lhe espera, sempre nova, para poder me aconchegar-me no teu peito, encher-lhe de beijos, e sussurrar meu êxtase nos teus ouvidos. Mas eu percebo, que da mesma maneira que aparentemente o Girassol lhe contempla, ele também me observa nas noites de minha estação nova ou cheia. Ele me olha, nos olhos, parece que quer me dizer algo, mas não consegue. É como se o Silêncio que ele carrega timidamente, fosse uma forma de aplauso. A Beleza do Girassol me deixa extasiada, por lembrar tanto você, as pétalas do Girassol, lembram-me teus raios, que me envolvem naquele momento que eu tão espero.

Eu te amo meu Amor, eu sei que já lhe escrevi isso, durante toda a nossa existência. As nuvens me dizem que você também sente saudades, que quando fecha os seus olhos e eu abro os meus, é comigo com quem sonha. Peço-lhe meu querido, toda a calma do universo. Eu, sempre mais expressiva, talvez porque os humanos, uma espécie de humano que eles chamam de “Poetas”, dizem que eu tenho alma feminina, que sou como as mulheres na Terra, porque elas, assim como eu, são cheias de fases, mas todas elas querem um abraço, o calor de um homem, que neste caso, dizem por aí, estes mesmos “Poetas”, que você, meu Sol soberano, é como o Homem, pois é de poucas palavras. Você gosta do Silêncio, eu sou verborrágica. Rudá entrega-lhe minhas mensagens em muitas linhas, você é tão calado que sinceramente eu lhe digo que teu silêncio por vezes me corrói. Eu me preocupo contigo, eu sei que estás aí, brilhando alto e imponente, que às vezes, como o Girassol, se esconde encolhendo-se em dias de chuva. Mas você não é sempre assim. Uma coruja buraqueira contou-me, que um dia, estava chovendo, e ela estava tomando um banho no toco de uma cerca na beira da estrada. E você apareceu, no meio da chuva, e fez uma coisa que os humanos chamam de arco-íris. Mas, ela disse-me que você chora toda vez que faz isso, ao entardecer. E você, em seu silêncio, nunca me contou.

Enfim, saiba meu Amado, que enquanto você estiver vivo, radiando seu calor, em Silêncio, eu sei que está por perto, pois eu sinto teu calor toda vez que eu acordo, e ele me lembra do dia em que eu me deitei em teu peito. Fique bem, pois aonde quer que esteja o meu pensamento eu levo junto a ti. 

Cartas do Rei Soberano para sua Rainha.

Olá, tudo bem? Andei muito ocupado. Alguns humanos estão construindo centros que captam minha energia. Chamam isso de Energia Solar, inserido num contexto que eles chamam de sustentabilidade. Eles me sufocam, e eu também os sufoco com o meu calor. Mas eles estão me sufocando tanto, que qualquer hora vai ter daquelas minhas tempestades solares. Ando muito cansado. Desculpa se eu não falo muito contigo. Sabes tu que eu gosto do silêncio, eu não tenho toda a sua intensidade, entenda, este é o meu jeito de ser.

Eu tenho uma surpresa pra você, estive conversando com tal de Deus, e ele me disse que há muito tempo atrás, ele criou uma espécie de flor que se assemelha a mim. O nome dela é Girassol, ele tem minhas cores, é calado. Tu já deves ter olhado para ele, e se sentido estranha alguma vez. Deus me confessou que fez à minha imagem e semelhança, algo que os humanos chamam de metáfora. Conhece essa palavra?Achei-a bem bonita, ME-TÁ-FO-RA, lindo não é? Deus disse que esta flor, fica imponente com meus raios, e quando eu vou dormir, este tal de Girassol fica na terra, e quando você aparece, ele contempla-lhe, e de uma maneira simbólica, “metaforicamente” falando, aquela flor ali, sou eu olhando pra ti. Deus é tão sacana, depois de bilhares de anos, ele foi-me contar isso só agora. Aquele Girassol é um mimo pra você, se você o olhar, e amá-lo, é a mim que está contemplando. Quando eu acordo, o Girassol sempre me fala que você estava linda, com suas manchinhas. Desculpe-me falar disso só agora, eu ando meio esquecido. Eu sempre esqueço as coisas, esses dias eu esqueci um dos meus neutrinos no espaço, achei até que havia esquecido, porém, desta vez eu encontrei.

Esses dias foram chuvosos, eu não apareci no céu, mas tentei pela bilionésima vez deixar um presente pra ti. Eu sou teimoso, eu sei que talvez não vá dar certo nunca, mas eu não desisto. Um dia você vai acordar, e a noite irá nascer duas vezes pra ti. Quando chove, eu saio timidamente da minha toca, e tento criar junto com minha amiga Chuva, um arco de sete cores. Você me disse que gosta de cores, e eu vejo sua alma assim, cheia de cores, nuances. Mas eu fico triste, pois esse arco é efêmero, quando chega o entardecer, ele some. Se você pudesse ver a Beleza dele, se encantaria. Eu sei, eu já lhe disse que a influência é imoral, mas se você pudesse ver o arco-íris, seria tão lindo. Estarei eu traindo a minha convicção?Eu acredito que não poderia ser melhor, mas eu confesso, eu sou como o Homem lá na Terra. Dizem os humanos, que o homem perante do que é belo e caótico, sente-se como um menino desajeitado. Eu não lhe prometo a mesma intensidade verborrágica, não tenho a mesma coragem que tu. Meus instantes, talvez sejam mal traduzidos, mas é minha forma de ser. Peço que releve isso. Boa noite querida.

Dentro de um livro, na cinza das horas.

“Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.”

Charles Bukowski

Talvez eu saia para dar uma caminhada, ou cerca de três desenhos mal sucedidos eu deite na minha cama e volte a estudar francês. Queria aprender mais sobre arte, visitando o museu do Louvre. Um amigo meu disse que este museu é bom ir sem criar expectativa nenhuma. Guardei isso na memória e vou levar comigo quando for para a Europa no ano que vêm. Enquanto isso, tropeço no francês e me permito perder-me na pronúncia tão bonita e afrescalhada. Francês é o idioma mais boiola do mundo, meus amigos dizem que é para eu aprender alemão, pois isso que é idioma de macho. Sim, como diz meu amigo Bruno, eu, Ana, sou mais macho que muito homem nesta terra. Tenho uma coleção de lingeries no armário e pinto meus lábios de vermelho, mas sou mais macho que muito homem…

Discussões sobre o meu lado mulher, ou meio mulher, meio homem, eu sei que sou uma mulher quase ordinária, e hoje apesar do dia lindo lá fora, talvez por causa do sonho que tanto me perturbou, ando meio cinzenta. Não sei porque, ok, minto, eu sei porque, mas eu vou colocar minha máscara de fingimento mal modelada, mal arquitetada, mal desenhada, disforme e feia, muito feia. Eu não sirvo para ser atriz, talvez eu escreveria um bom roteiro, mas jamais, jamais teria a convicção da arte de representar. Dizem por aí que os nossos olhos entregam a mentira. Meus olhos são grandes demais, talvez seja por isso que eu não consiga mentir, ou quando conto uma mentira, eu me entrego facilmente. Não precisa ser especialista para entender. Meu irmão de 9 anos percebe…E ri constantemente da minha cara. Eu me lembro, que quando tinha Yakult em casa, eu pedia um gole de yakult pro meu irmãozinho. Ok, isso é mancada, uma tremenda falta de sacanagem. Ele olhava pra mim e disse: Você vai tomar tudo né? E eu, “Nãoooooooooooo”, aí ele dizia que eu era mentirosa. Sim, eu tomava tudo e ele ia sempre me maldizer para minha mãe. E minha mãe me dizia que eu sou pior que criança. Tenho vinte e cinco anos nas costas, estou sofrendo com a crise antecipada dos trinta, mas não aquela questão de casar e se reproduzir antes dos trinta, é pura questão de se sentir velha e muitas vezes enferrujada. É como se eu estivesse perdendo o sopro da minha juventude, que está tomando sendo ocupada por um furacão de rabugisse. Eu me vejo, velha, sentada numa cadeira de balanço com um cachorro velho e surdo deitado aos meus pés. Talvez meu velho esteja ao meu lado babando e roncando, ou não…Talvez eu fique viúva antes do tempo, e me transforme naquelas velhas amarguradas. Talvez eu seja uma escritora reconhecida, e fique lúcida em meios de papéis velhos, talvez eu receba alguma visita para tomar chá com bolachas.

Eu não penso no meu futuro como velha senil num ambiente puramente futurístico. Aquela coisa de carros voando, robôs pra tudo quanto lado, penso na velhice como algo mais antigo. Penso em dominó na praça, jogo de xadrez com os netos, cadeiras de balanço feitas com madeira de lei. Penso em folhas amarelas e vermelhas caídas no meu jardim, penso no meu velho rastelando as folhas e me dando um sorriso quase sem dentes. E eu nem ao certo sei qual será as cores do meu velho e eterno amor. Talvez eu morra primeiro, ou talvez essa imagem seja apenas uma lembrança boa quando eu jogar flores no túmulo dele nos finais de semana. Eu não gosto disso, mas sempre me pego pensando nas malhas do destino. Se eu encontrasse a parca que está tecendo meu cobertor de tricô, aquele que o final vai cobrir metaforicamente o meu corpo quando eu partir deste mundo, eu olharia nos olhos dela e diria que ela é uma grande filha da puta, mas que as surpresas que ela tricotou ali me trouxeram muitas vezes um sorriso no rosto. A vida não é perfeita. As parcas da mitologia grega não sabem contar. Elas erram em seus pontos de costura, e quando chegamos nos trechos desse tricô mal planejado, nós tropeçamos, choramos e mais tarde rimos, porque nos tornamos nobres, quando aceitamos a nossa própria idiotice e enxergamos nossos defeitos como um erro de percurso, e não como um ato falho de nosso caráter. Falhas de caráter não são culpas das parcas. Estamos falando aqui de destino, e não personalidade, apesar de muito intimamente estarem interligados. Mas isso não é o debate aqui. O que está aqui é apenas um fluxo de pensamento de uma pausa de desenho em papel A3. Provavelmente vou jogar cores no papel, e mais tarde olhar e dizer, que lixo, mas foi válido.

Mais tarde, quem sabe, eu saia pra comer um cachorro quente e observar os velhos com seus jornais na praça. E talvez eu dê um suspiro quando a juventude ao qual eu sinto falta e um dos principais motivos do meu tom cinzento de hoje passar ao meu lado de bicicleta, com um sorriso no rosto e cabelos ao vento. Saudades dos meus 15 anos…

Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a . Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem, Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos aos, estes ainda reservam prazeres. Sêneca
Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a . Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem, Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos aos, estes ainda reservam prazeres. Sêneca

Beatriz: À mestra com carinho.

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz…

Este texto é uma homenagem a uma grande amiga minha de longa data, precisamente, mais de  10 anos. Uma pessoa que eu compartilhei momentos, diários, blocos de anotações, mágoas, dores, risadas, nerdices. Sofremos muito bullying juntas, inclusive já chegaram a nos dizer que era para nós duas estudarmos bastante porque nunca iríamos ter um homem na vida. Pode uma coisa dessa?E aqui estamos nós, bem sucedidas, independentes e mulheres lindas. Eu chamava ela de gostosa no corredor do Polivalente e dizia que nós éramos amantes. As pessoas quase acreditavam. A nossa amizade era forte, e muitas vezes motivo de ódio ou inveja. Fomos humilhadas, choramos juntas muitas vezes, mas isso nos fortaleceu. Nossa adolescência, com toda nossa insegurança perante a um mundo de valores tão rasos e mesquinhos, nos fez tornar o que somos hoje. É com muito orgulho e carinho, que eu faço aqui uma homenagem à minha eterna musa, uma autêntica musa de Chico Buarque. Nunca me esqueço, foi por causa desta música que sua mãe, a querida Rose, deu-lhe este nome. E é impossível escutar essa música sem lembrar-me da Bia, Beatriz, a bailarina que dança no sétimo céu. Hoje, eu estava escutando a versão instrumental desta música, lindamente interpretada por Tom Jobim, quando recebo um feed do facebook contando que ela agora é Mestre. Sempre acreditei na força dela, mesmo ela sendo quase uma barreira intransponível de força, a inteligência e a sensibilidade desta garota nunca me decepcionaram. Eu sempre acreditei na força dela, e que força de vontade!Tenho ela como motivo de orgulho, e um dia, quando tu ficares famosa, eu vou dizer: “Orgulho dessa garota, eu conheci a Beatriz Blanco!Eu batia na bunda dela no corredor da escola!” e nós cantávamos uma pra outra:

Filosofia é poesia é o que dizia a minha vó
Antes mal acompanhada do que só
Você precisa de um homem pra chamar de seu
Mesmo que esse homem seja eu
Um homem prá chamar de seu

Lembrarei das nossas filosofias de quiosque do Polivalente (o que acontece no quiosque do Polivalente, fica no quiosque do Polivalente), da teoria da banheira de osmose, o velório da paçoca, dos nossos patos de madeira, o chamado espiritual de Napoleão na prova de história, da costa oeste do México que é inteira mexicana, na cola homérica da prova de eletrofísica, do nosso trabalho sobre cultura popular brasileira, nossas discussões sobre “O retrato de Dorian Gray” e ” O apanhador do campo de centeio”. Você se lembra? Nós compartilhávamos a ideia que Holden Caufield era nossa versão masculina.

Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer.

Nós duas sempre queríamos salvar as crianças de despencarem do abismo. Nosso campo de centeio, sempre foi cercado de confiança e amizade verdadeira. Você esteve presente em vários momentos importantes da minha vida, e foi uma das poucas, aliás  eu diria, única, que me estendeu a mão no momento que eu mais precisei, aquela que me disse: “Acorda Ana”, aquela que me chamou pra tomar uma no bar e me falou umas verdades, e me estendeu a mão. O pessoal olhava e achava que era um casal de lésbicas, mas foda-se o que os outros pensavam. Nós ali, demos um brinde, um brinde às nossas vidas, nossas emoções, risadas, tristezas, histórias resolvidas e outras sem aparente solução, talvez até hoje, até porquê, que mulher não tem seus mistérios?

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam “não”
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

Ficamos longe uma da outra durante um longo tempo, separadas inclusive por barreiras estaduais, mas eu digo que apesar de todos estes anos, eu digo em alto e bom som que você é um pessoa que eu posso sentar num bar 5 anos depois e contar os meus segredos mais escabrosos, e você vai me julgar, sim, você pode e deve, pode me chamar de estúpida ou aler isso dizer pra si mesma rindo e depois entrar no inbox do facebook: “Ana, você continua brega, piegas, cafona…”, e depois você vai cantarolar  “Sandra Rosa Madalena” como se você não fosse cafona também.

Nunca me esqueço quando assistimos “The Apple”, a hora bin, Mister Topps…

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Marina Zoraide disse: “QUE PORRA É ESSA????”
Quem é ele?Aquele é o Mr Topps…
Marina: Essa porra aí é o Roberto Carlos!
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Ana, que porra de filme é esse com um cara de um chifrinho só…

Ainda tenho aquele saudosismo de emprestar vinis e fitas tape. De filosofar sobre “Pink Floyd The Wall”, sobre o quanto tínhamos um lado “Pink” obscuro nas nossas vidas, carregando ratos com leptospirose. E eu posso dizer que me sinto muito honrada por ter conhecido e compartilhado músicas, livros e ideias contigo. Eu queria aqui, escrever algo bem mais bonito, pode não ser algo digno de um Sallinger da vida, mas aqui está meus sinceros sentimentos e carinho por você. E eu lhe digo mais uma vez, parabéns pelo seu mestrado, agora você é uma Jedi, e eu, sua padawan, porque tenho muito o que aprender ainda jovem mestra.

Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel

Se você chorar num quarto de hotel, me chama pra darmos um rolê na Rua Augusta. Aproveitamos e vamos naquele restaurante indiano!

E para encerrar om chave de ouro, olha só o que eu tenho na parede da Caverna da Anaidris, e com toda a licença poética do Sir Vinicius de Morais:

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Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando
chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de
grandes chuvas e das recordações da infância.
Preciso de um amigo para não enlouquecer, para contar o que vi de belo e triste
durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade.
Deve gostar de ruas desertas, de poças d´água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Preciso de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já tenho um amigo. 
Preciso de um amigo para parar de chorar. Para não viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas.
Que bata nos ombros sorrindo e chorando, mas que me chame de amigo, para que eu tenha a consciência de que ainda vivo”

A loucura das quatro estações – Parte 2

Quero apenas cinco coisas.. Primeiro é o amor sem fim A segunda é ver o outono A terceira é o grave inverno Em quarto lugar o verão A quinta coisa são teus olhos Não quero dormir sem teus olhos. Não quero ser... sem que me olhes. Abro mão da primavera para que continues me olhando.                Pablo Neruda
Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser… sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.
Pablo Neruda

Despiram-se, como árvores que perdem as folhas. Insanamente, começaram a se amar, ali, no chão. Eram todas as cores juntas, misturadas, o sexo tem cores, e elas se misturam, e era nisso que eles acreditavam. Um sexo cinza é broxante, tudo deve fluir, as cores das peles juntas e suadas, os fios de cabelos, o toque, os gemidos. Sexo é sinestesia. Tudo em cores de outono, olhando de cima, um casal se amando entre as folhas. As cores do lençol que se misturavam quando ele a levantou e a carregou para o aconchego daquela cama simples. Era uma cama velha, mas bem arrumada e com lençóis bonitos. A lingerie vermelha largada ao chão era como uma rosa, uma rosa que floresceu em pleno outono. Para as rosas, não existem estações, não existe o Tempo. A rosa é uma flor a frente do seu tempo. Ela floresce quando bem entender, debaixo dos raios de sol escaldantes de um verão tempestuoso, com suas chuvas de finais de tarde, florescem no outono resmungão, rabugento com seus ventos, exalam sua beleza e perfume no inverno que nos arrepia a pele e nos convida para perto do fogo, e na primavera…bem, na primavera a Rosa floresce sem a mínima vergonha. Ela se abre, se deixa envolver, suas pétalas são suaves, e sua beleza é eterna, mesmo estando secas guardadas dentro de uma garrafa de vinho sobre a mesa. Pessoas deviam ser como rosas, sem tempo ruim, devemos nos permitir crescer e desabrochar como as rosas. As rosas tem espinhos…Sim caro leitor, toda rosa tem seu espinho, ao espetar seus dedos, você pode gritar de dor, ou levar o dedo a boca e sugá-lo levemente, como uma criança suga os peitos da mãe, como um amante beijando os mamilos de sua amada. Nós podemos levar nossas loucuras, erros e tropeços com agressividade ou suavidade. Podemos sair esbravejando feito vento matutino de uma manhã de outono, mas basta nos proteger embaixo de nossos agasalhos de razão e bem senso. É fácil falar, é fácil escrever?Não não é…Escrever é como o outono. Você fica embaixo de uma árvore e espera que tua folha de inspiração caia em teus pés, mas a vida não funciona desta forma. Muitas vezes temos que ter força suficiente para pegar uma escada e buscar nossa inspiração antes que ela caia aos nossos pés, e vale lembrar, algumas folhas nunca caem, e quando caem, é de uma tal brevidade que o gari já a levou embora e agora ela é queimada numa fogueira. Não vamos perder tempo, vamos contemplar o outono e apanhar nossas folhas antes que elas voem longe com o Tempo, e isto não é loucura, isto se chama saber viver. Quanto as folhas de outono caírem e emaranharem-se em meus cabelos, tire-a com a suavidade de uma rosa, mas vamos fazer amor com a intensidade de um vento de outono, com a beleza de uma tempestade, que seja um sexo quente como o verão, que nosso carinho um ao outro seja suave como a primavera, mas que ao mesmo tempo nos permita a selvageria de uma nevasca em terras europeias  e que esteja ao final,  nossos corpos arrepiados o bastante para nos abraçarmos.

Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza.
Nietzsche

Estação Montauk

 

Um anjo de 60 toneladas cai na terra

Uma pilha do metal velho, uma neblina radiante

Cicatrizes no país, o verão e ela

 

Estava lá a estação triste numa manhã de inverno. Ventos tão frios beijavam-lhe a face. Ela calçava velhas luvas, luvas que remontam desde os seus 15 anos. Suas mãos não cresceram, mas o seu senso crítico sim. Havia pombos urbanos naquela estação. Quando ela era criança, ela gostava de correr atrás deles, mas agora a sua reação era apenas nojo, aquelas aves eram imundas e se alimentavam dos restos deixados pelo homem. No horizonte, um urubu planava calmo, por entre as nuvens cinzentas. Estava bem agasalhada, havia um andarilho dormindo com roupas rasgadas e um velho cobertor. Ela não poderia ajudá-lo, se ela tirasse parte do seu casaco, ela sentiria frio. Foi na cafeteria e pediu um cappucino duplo e dois pães com manteiga e queijo, bem quentes. Dei uma sacudidela no mendigo que dormia, ele acordou, esfregou os olhos e se espreguiçou. A falta de banho dele não a intimidara. Ela lhe deu o café e os pães, e ele agradeceu com um sorriu, e um “Deus te abençoe”. O trem chegou, ela se despediu do andarilho e entrou na fila da locomotiva.

 

Quando era criança, Maria Helena foi visitar os tios numa cidadezinha pacata do interior, foi a primeira vez que viajou de trem. Quando ela era criança, ela dizia que um dia ela andaria naquela “centopeia de ferro”, e que ela queria ir para um lugar bem distante dali. Toda vez que ia para escola, Maria Helena passava em cima de uma passarela, lá embaixo ela via os trilhos, os trens e um rio, os trilhos e o trem, correndo lado a lado, e ela com sua pequena bagagem escolar nas costas. Ela adorava aquilo, e se debruçava na ponte, e perdia ali cinco minutos para olhar a beleza dos trens.

Agora, Maria Helena, aos seus 25 anos, estava dentro de um trem, amaldiçoando talvez o Tempo que a encara nos olhos, tendo saudades de um tempo onde sua única preocupação era tornar-se alguém um dia. E ela, dentro daquele trem, cercada de pessoas com as expressões sérias perdidas em páginas do jornal do dia, mas sabiam elas que a razão de viver estava além de pegar um trem todas as manhãs para ir trabalhar. Elas estavam ocupadas demais para dar um sorriso e contemplar a vida em frames de segundo que passava correndo pela janela da locomotiva.

 

Parou na segunda estação, entrou mais um mundo de gente, assim como aquelas que desceram. A nossa vida é assim, como uma estação. As pessoas entram e saem nas nossas vidas. Entram, sentam ao nosso lado, dizem “Bom dia”, falam sobre as notícias do dia, algumas, ficam por um bom tempo, outras apenas dão um sorriso, e vão embora sem nem ao menos dizer Adeus, sem nem ao menos olhar para trás. E nós seguimos, dentro do nosso trem de emoções, dirigidas pelo nosso senso de ir e vir. De estação em estação, vamos traçando nossa história, como se a nossa frente houvesse um pergaminho e caneta tinteiro. Algumas pessoas mancham suas vidas derramando tinta em seus pergaminhos, outras escrevem via linhas tortas e dissimuladas. Outras não escrevem nada, vivem apenas por viver, logo vive uma vida vazia de emoções, apenas esperando a morte chegar. Existem várias dessas pessoas por aí. Maria Helena encontrou uma pessoa dessas, Roberto era seu nome, e o sopro de vida que existia em seu peito, se foi numa manhã de outono…

 

O conheceu na estação Montauk. O dia estava mais bonito, era outono, e folhas castanhas inundaram o pátio da estação. Aquele rapaz, sempre estava lá, carregando uma sacola de livros, mas sempre com o semblante triste. Era um belo rapaz, mas havia algo ali que a perturbava. Se ela fosse um cão, poderia lamber o seu rosto, pois por mais que ela nunca tenha visto lágrimas em seu rosto, o cão saberia que ali tinham lágrimas retidas. Um cão pode saber quando seu dono poderá ter um ataque cardíaco, logo, crê ela, que um cão sabe prever a tristeza e emoções escondidas.

 

Naquele dia, Maria Helena decidiu comprar um jornal. Ela esqueceu seu livro na pressa de acordar atrasada. O celular caiu no chão enquanto dormiu, a bateria soltou. Então não tinha nada, além do próprio sexto sentido dizendo-lhe que estava na hora de acordar. Foi embora, correndo, e a echarpe em seu pescoço tremulava junto aos seus passos tão apressados. Foi quando chegou a Montauk, que percebeu que seu livro estava em vão, esperando na escrivaninha que ficava na cabeceira da sua cama. Ela se dirigiu à banca, e foi lá a primeira vez, que ela viu os olhos de Roberto, e eles eram de uma beleza indiscutível, triste e sem conjugações. Tinha o rosto já atordoado pela passagem do tempo, e talvez aquela tristeza fosse a que lhe chamou atenção. Ele folheava os jornais, e sempre usava uma touca de lã. Ele olhou pra ela, e apenas abaixou a cabeça. Maria Helena sorriu, na tentativa de ser simpática, mesmo por dentro compartilhando a tristeza que ela via nos olhos daquele rapaz. E de repente, enquanto ela folheava os jornais, sentada no banco da estação, “Meu nome é Roberto, e o teu?”, e ela levantou os olhos, ele não estava sorrindo, mas aqueles olhos pareciam sorrir. E ela respondeu “Maria Helena”. Roberto olhou-a por um tempo, e não disse nenhuma palavra. Sentou ao lado dela, no trem, e em suas mãos estava a mesma sacola de sempre. Cheia de livros. Maria Helena olhava curiosa, e ele apenas disse, “Amo livros, vou todos os dias ler no parque, perto da penúltima estação. Você costuma passar lá, no horário do teu almoço, e senta-se perto do banco de um chafariz, com um bloco de anotações. E sempre sai de lá com uma folha de outono pendurada nos cabelos”. Maria Helena riu num misto de surpresa e certo medo. O silêncio dele permaneceu, e ele desceu na penúltima estação, depois de dizer-lhe Adeus e entregar-lhe uma chave e um endereço. Maria Helena olhou pela janela. Ele sorria e acenava um adeus pra ela pela janela. Foi a primeira e última vez que ela o viu sorrir.

 

Foi trabalhar, foi um dia exausto, e ficou pensando a manhã inteira, na chave e no endereço. Saiu para almoçar, passou pelo parque, no mesmo horário, queria encontrar-se com Roberto, e entender aquele enigma que a perseguia e que a tirou do sério. Embaixo de uma árvore, adiante do chafariz, próximo do banco que costuma sentar após o almoço, havia uma centena de pessoas. Carros de polícia, sirenes, camburão do IML se aproximando. Um aperto no peito, e aos poucos num desespero, ela entrou no meio da multidão, e encontrou ali, deitado no chão, Roberto, morto, com um sorriso no rosto, com um livro de poesias de Rimbaud aberto sobre o peito, ela se abaixou, segurou-lhe as mãos frias, pegou o livro, havia uma rosa dentro, e na página marcada, havia um poema, do qual ela nunca se esqueceu:

 

 

“Pelas tardes azuis do Verão, irei pelas 
sendas, 

Guarnecidas pelo trigal, 
pisando a erva miúda: 

Sonhador, sentirei a 
frescura em meus pés. 

Deixarei o vento banhar 
minha cabeça nua. 

Não falarei mais, não 
pensarei mais: 

Mas um amor infinito me 
invadirá a alma. 

E irei longe, bem longe, 
como um boêmio, 

Pela natureza, – feliz 
como com uma mulher.”

 

Maria Helena chorou naquele momento, nunca havia chorado por um estranho. O policial perguntou se ela o conhecia. Ela mentiu, disse que sim. Acompanhou todo o processo, no laudo de morte, estava suicídio por ingestão de remédios, visto o vidro de barbitúricos jogado ao lado de teu corpo. Viu seu corpo sendo envolvido em um saco preto, e seu sorriso indo embora quando o zíper se fechou. Aqueles olhos já sabiam de sua morte.

Pediu para sair mais cedo do trabalho. Chamou um táxi quando chegou à estação Montauk. Passou ao taxista o endereço. Quando chegou lá, era uma casa pequena, pintada de azul, tinha rosas, tulipas e girassóis no jardim. Colocou a chave na porta, estava apenas fechada com um giro. Ela olhou aquele lugar, tinha perfume de rosas, uma calma perseverante e incomoda. Na sua escrivaninha, havia desenhos, muitos desconexos, alguns em preto e branco, outros coloridos. E no meio deles, havia uma gravura, uma mulher, olhando lá fora, com um livro no colo. Essa mulher tinha uma echarpe vermelha no pescoço, que combinava com os lábios carmim. Era ela, ali, olhando pela janela e sonhando com bisões extintos. Ela era ali, um refúgio da arte. No verso da folha, estava escrito um trecho, era Rimbaud novamente:

 

De manhã, eu tinha o olhar tão perdido e a postura tão morta, que aqueles que encontraram talvez não me vissem.”

 

Maria Helena ajoelhou-se no chão, suas lágrimas caiam naquela gravura. E de mansinho, ela sentiu uma lambida no rosto. Era um cão, um labrador caramelo. Ele deitou-se ao teu lado, depois de secar todas as suas lágrimas e eles adormeceram no chão da sala. Maria Helena ficou com o cão. Ele carregava uma placa na coleira, seu nome era Rimbaud…

 

Tirou umas férias, depois deste acontecimento, ela precisava de um pouco de paz. Passeava com Rimbaud todas as manhãs, e ele a acordava, com lambidas no rosto. Estava tudo bem agora. Ela continua indo todas as manhãs para Montauk, pegando os trens, carregados de desejos e sonhos. A chuva de inverno caia lá fora, encharcando as pessoas de loucura. Ela olha através da janela, ela ainda sonha que é uma criança de cabelos bagunçados, e nesse sonho, ela brinca com locomotivas, e ela pode ouvir a locomotiva apitando, e elas passam apenas por uma estação, e pela janela, ela sempre vê Roberto acenando Adeus…

 

“Sobre todos nós, um pouco de chuva deve cair.”

Estas são as estações da emoção
E como os ventos elas se erguem e caem
Esta é a maravilha da devoção
Eu vejo a tocha que todos devemos carregar
Este é o mistério do quociente
Sobre todos nós, um pouco de chuva deve cair
Depois de um dia cheio e tumultuado, cheio de dores, não só minhas, mas de outras pessoas também esperando atendimento no hospital, fui abençoada pelo frescor e beleza da chuva que vejo agora através da minha janela. Em decorrência dos acontecimentos de hoje, eu não pretendia escrever nada. Hoje o meu dia foi de tristeza. Foi um dia daqueles que por mais que eu lembrasse das coisas boas, eu não estava conseguindo me sentir plenamente feliz. Eu queria ter um dia normal. Gostaria de ter ido trabalhar, ter ido almoçar com os amigos do trabalho, ter rido. Gosto dos desafios do dia a dia. Eu não queria passar a manhã inteira trancada na escuridão, por causa de uma dor de cabeça e um mal estar por causa de um remédio fortíssimo que tenho que tomar toda segunda-feira. E quando isso acontece, ter que fazer uma bateria de exames pra ver se meu fígado ou rim foi pra bosta. Hoje eu acordei e não me senti bonita, me senti um lixo. Estava pálida e com dor de estômago. E pra ajudar aquela maldita coisa que a mulher tem todo mês. OK, bom sinal, não estou grávida. Um filho nessa altura do campeonato não seria nada bom. E eu hoje, no hospital, 6 horas de espera, ouvindo histórias de pessoas que estavam piores do que eu, bem piores…Pessoas que viajaram horas e horas, para pelo menos ter a esperança de um atendimento. Posso parecer hipócrita, ao reclamar aqui que o meu dia foi um lixo, o que é a minha vida, comparada com noventa por cento daquelas pessoas que tratam pelo SUS?Eu sei que eu pago imposto, e tenho tanto direito quanto eles. Clínicas particulares não resolveram o meu problema, o Sistema único de Saúde sim. Hoje foi dia do meu check-up, coincidentemente não acordei bem. Hoje, eu amaldiçoei o maldito minuto que eu acordei. É meus amigos, o ser humano é mesquinho e ingrato, ele reclama, reclama, reclama, mas não olha pra trás. Eu me olhei no espelho hoje e me senti horrível. Conversando com demais pacientes eu comentei o quanto minha auto-estima fica lá em baixo por causa das manchas da psoríase. O quão eu sou insegura quanto a isso. Eu escutei três vezes que isso não importava, que eu era bonita com ou sem manchas. Mas a estética é fogo, eu sempre fui vaidosa, ter marcas no meu corpo que vão demorar pra sair não é coisa lá muito agradável. E nós somos tudo um bando de ingratos. Eu me recordei quando minhas pernas foram tocadas com a doçura e suavidade de um pianista e seu piano, e eu me recordei que me disse que minhas pernas eram lindas, mas eu me lembro do dia que elas não eram manchadas, e imagino que talvez você gostaria mais delas daquele jeito. Mas eu confesso que o meu dia fica mais radiante quando lembro que me disse que eu sou linda. Isso faz ganhar o meu dia, mas hoje, hoje eu me olhei no espelho, e queria EU me achar bonita. Mas não foi possível. Lamúrias de vaidades e dores a parte, agora que eu escrevo, um vento e cheiro divino de chuva invade meu espaço. E essa chuva, tão suava, serena, na véspera da meia noite, trouxe toda a minha auto-estima de volta. Fez o meu dia, que foi tão ruim, ter algo de belo ao final. Hoje eu vou dormir bem. Meu corpo vai sentir o frescor da chuva me trazendo um pouco de paz. Eu queria ver relâmpagos, e contar os segundos para prever a distância da queda, e depois, em segundos de êxtase, encantar-me com o barulho do trovão. Eu queria poder beijar-lhe agora, e que sobre nossos corpos caísse um pouco dessa chuva. Ahhhh…As doces armadilhas das nossas devoções, e toda a razão do nosso quociente. Amaldiçoamos nossos dias ruins, mas queremos que tudo acabe na doçura de um beijo e no calor de um abraço. Eis a maravilha das estações da vida.

A loucura das quatro estações – Parte 1

1 – Muito prazer, meu nome é Verão e eu aqueço sua alma.

Elisa estava na praia, caminhando. Sua família estava embaixo de um guarda-sol observando ao redor. Algumas crianças cavavam buracos, outras construíam castelos, uns pequenos, outros grandes. E as crianças não tinham pressa, ou falta de paciência. Se chegasse alguma onda e destruísse o castelo, elas andavam outros passos à frente e construíam outros, muitas vezes melhor que os primeiros. E as mães as chamavam para reaplicar o protetor solar. Elisa gostava do sol, ela gostava de sentir os raios do soberano sol lhe tocando a pele. Quando chegava na praia, pela manhã, sentia um pouco de frio, mas este logo passava quando ela se colocava a caminhar pela areia, e logo alguns poucos minutos, o primeiro suor escorria-lhe pela testa, e ele tinha um gosto salgado. Elisa queria se enferrujar com a maresia. Estava de saco cheio de uma vida de regras. Ela via os barcos pesqueiros no horizonte, e pensava na liberdade. Ela queria um barco, só pra ela, e sairia por aí, sem rumo, sem destino, talvez escreveria uma mensagem numa garrafa e jogaria no mar. Cada mensagem seria a continuação de uma estória, uma estória com meias verdades de uma história, e uma estória de mentiras mal contadas ou mal interpretadas, mas aquilo ali, não deixaria de desembocar na areia aos pés de um desconhecido, talvez alguns cinquenta anos depois, quando seu corpo já estiver atirado ao mar, devorado por tubarões. Se ela morresse, em terra firme, gostaria de ter o corpo cremado, e que suas cinzas fossem jogadas ao mar. E ela queria que isso fosse feito em dia de chuva. E ela pensava nas pessoas de preto, encharcadas. Seu espírito estaria ali e as lágrimas daquelas pessoas se misturariam com a chuva, e a beleza da dor seria algo tristemente bonito. E o barco pesqueiro tremulava no horizonte. Ela pensou em Santiago e Manolin, personagens de um livro de Hemingway. Seria Elisa, o velho ou Manolin?Sua falta de sorte a perseguia, talvez estivesse mais para o velho Santiago, se ela tivesse um velho barco e um par de remos, colocaria roupas velhas e sairia pra pescar. Talvez pegasse um marlin que mais tarde seria devorado por tubarões, ou ficariam alguns anos sem pegar peixe algum. No seu mundo de delírio, ela faria amizade com uma gaivota, e como um gavião da Mongólia, ela treinaria a gaivota para lhe buscar peixes. E assim, não morreria de fome. E o Sexo, e o Amor, onde estaria?Seu Amor seria unicamente a vida, e o sexo não existiria. Uma mulher ao mar se esqueceria de aquecer o coração em meio de suor, saliva, beijos, deslizes… Ela não veria uma viv’alma, seria ela ali, ela, os deuses e as estrelas guiando-a mar adentro.

"Se vai tentar, Vá em frente. Não há outro sentimento como este Ficará sozinho com os Deuses E as noites serão quentes Levará a vida com um sorriso perfeito É a única coisa que vale a pena." Charles Bukowski
“Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.”
Charles Bukowski

Estava calor e Elisa caminha na orla, as marolas batiam ora tímidas, oras com fúria, em seus pés. Rapazes de corpos atléticos a olhavam, mas não era aquele mundo que a pertencia. A Beleza para Elisa era apenas um ponto a mais. O que a cativava eram pessoas que observavam o mundo tal como o seu, pessoas que ao encontrar uma água viva, parassem no meio do caminho e pensassem na beleza daquele cnidário, passeando pelo mar, e quando o sol bate no corpo, assume a forma de um prisma. Ela apreciava a Beleza, ora mortal das águas vivas, e lembrou-se do dia que sentiu os tentáculos de uma delas chicoteando na perna. Não foi agradável, mas era a forma daquele animal se proteger. Nada mais justo. A natureza tem lógica, complexa, mas tudo nesta vida tem sentido. O sol lhe aquecia a cabeça, estava pegando fogo, precisava de uma boa sombra agora.

“Acorda Elisa… Consegue escutar a minha voz?”Elisa acordou, imobilizada numa cama em um hospital psiquiátrico. “O que sonhava Elisa?”, perguntou a enfermeira jovem mas com primeiros fios brancos querendo surgir. Elisa sonhava com a praia, com o horizonte, e o verão dilatando os seus poros. “Elisa, está na hora de seu banho de sol querida, é verão e o dia lá fora está lindo.”, “Terá águas vivas? Golfinhos e navios pesqueiros?”, “Sim Elisa, no jardim encontrará seu mundo”. E então Elisa, fazia do jardim do hospital, o lugar onde tanto amou nessa vida, um lugar onde a vida da sua família foi ceifada por um naufrágio. Mas ela apenas se lembrava de ter sido socorrida por pescadores de marlins.

Madrugada de Rimbaud

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então…

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Arthur Rimbaud

Eu me encontrei agora num sorriso de verão. Agora o outono pode chegar e me abraçar envolta de um mar de folhas coloridas jogadas ao chão. Nunca amei tanto a minha falsa sensação que e os momentos são eternos. Digo falsa sensação, porque eu sei, minha alma ignorante sabe que a nossa vida não é eterna, mas nossos instantes, sim, nossos breves espetáculos do palco da vida, nossos beijos, abraços, saliva e suor, podem ter o cheiro breve de um toda eternidade. Um cão pode lamber minhas lágrimas enquanto me coloco a chorar sobre a verdade nua e crua da vida. Enquanto o cão lambe minhas lágrimas, eu penso em dia não muito distante, um dia onde minhas conjecturas serão lidas e compreendidas por uma alma que antes eu achava tão inexistente. E eu então vou me perguntar, todas as manhãs, ao abrir meus olhos, se o meu mar terá cores tão bonitas, quando o teu raio de sol bater em minhas águas. O meu mar está calmo, e o teu raio de sol aquece minhas águas, e no horizonte, um arco-íris bonito se perde na beleza infinita do universo. Quando o outono chegar, quero me deitar contigo em cima das folhas, quero que tires pequenas folhas tímidas que vão se emaranhar nos meus cabelos. E o vento do outono teimará em levar minhas anotações embora, mas eu como uma criança teimosa, sairei correndo atrás de meus ímpetos e desejos, e numa manhã qualquer, juntarei todos os meus papéis, e então posso escrever algo que posso vir a considerar como a coisa mais bela que eu já escrevi. Meus pensamentos transcritos de forma linear, permito-me dar as minhas emoções um tom de granada, como uma tarde ensanguentada de touros, esse vermelho sangue que vês agora, é minha alma tão intensa pintada em quadros de Bosch. Se pareço confusa, permita-me descrever-me por linhas tortas e insones. Se olhar em meus olhos, encontrará apenas o mistério expresso em duas bolas pretas. Mas meus lábios, estarão sempre úmidos. O meu corpo me trai, minha mente tenta me enganar, mas meu corpo trai, há caminhos de arrepio em minhas pernas, há pelos eriçados em meus braços, e talvez algum rubor em meu rosto. E eu darei um sorriso tímido, porque eu sou assim, não sei me expressar com olhos, eles tentam dizer e exprimir meus mais íntimos sentimentos, mas são as palavras que consomem e ardem meu desejo, é o meu corpo que faz meus sentidos gritarem, é ele que trai a eloquência do meu raciocínio.

Speak to me only with your eyes

A semiótica de uma mosca delirante na janela através dos olhos de uma mulher.

Serei eu meu próprio delírio?

Do alto da sacada de seu apartamento, Lola colocou-se a pensar no tempo e em delírios. Havia uma varejeira grande e verde rodeando o vidro da janela. Sorte que a porta está fechada…Aquela mosca nojenta poderia entrar e pousar na sua comida, ou nas suas emoções perdidas durante a noite de sono. Segurava uma xícara de café, sua vida insone clamava por cafeína todas as manhãs. A insônia era uma (in)sanidade que a perseguia de noite, debaixo de cobertas, embaixo das hélices barulhentas de seu ventilador de teto, mas dentro dela, um silêncio devastador, que pode ser escutado na banda de pensamentos tão altos quanto o barulho de uma fanfarra em dia da independência. Era um silêncio, quieto, e muitas vezes inoportuno. Seu grito é uma canção muda, escutado por poucas pessoas. Talvez aquela mosca na janela a compreendesse. Porque não? A mosca oportunista esfregava as patinhas, e talvez, se existisse alguma aranha por perto, com suas teias, talvez aquela mosca poderia ser um lanche matinal. Uma aranha, grande, peluda e misteriosa, chegaria na surdina e nhac!Envolveria a pobre mosca em teias, e a mosca estaria lá, sonhando, com alguns restos de comida em cima da mesa que ela via através do vidro. Ela poderia ser atacada, a vítima do próprio sonho. Somos todos predadores, mas há sempre um caçador à espreita, e no delírio daquela mosca, estavam farelos de comida em cima da mesa. Era algo tão simples, bastava atravessar a janela.

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O vento balançava seus cabelos, do alto daquela sacada a vida era miúda, mas não deixava de ser bonita. Era como suas olheiras no espelho do banheiro. Era fruto de algo tão trágico, mas ela gostava do seu rosto. A insônia não a tornava mais feia, a Beleza é relativa. Noites mal dormidas tinham seu “q” de beleza e importância. Ela poderia tirar o sábado para dormir, deitar um pouco de suas emoções na luz do dia, e acordar de madrugada para fazer uma xícara de chá e sentar-se na sacada do apartamento, para observar as estrelas e imaginar uma cena de um quadro de Salvador Dali, e talvez cantarolar alguma canção oportuna para aquele dia, cantar baixinho, pois sua timidez não permitia barulhos mais altos do que o zunzum da mosca inquieta e gulosa que rodeava o vidro. A mosca estava faminta, se Lola tivesse olhos de microscópio, poderia ver a salivação daquela mosca, suas 4 pupilas dilatadas, lembrou das aulas de Biologia…Uma mosca pode ter de dois a quatro olhos. Era o prazer da fome, esfregando as patinhas umas nas outras, seus pelos eriçados, e aquilo pra ela era como sexo. A fome e o ato de comer quando se está faminta, libera endorfinas tão boas quanto a ocitocina liberada numa noite de prazer. Lola queria ocitocina, mas aquele café já frio por causa dos pensamentos oblíquos e dissimulados, já lhe causava uma dor de estômago. E ela queria ser um farelo, tão desejado nos sonhos de mosca de alguém, ela imaginou aquela mosca ali, passeando sobre a comida, esfregando as pernas, beijando cada parte de seu desejo, os pelos da mosca contra seu pedaço, seu pedaço de emoção. Ohhhh, seria tão bom, pensou ela…E bebeu um gole frio e forte de café. Era aquele último gole, e ele desceu e caiu no estômago, e se juntou as borboletas que dançavam em seu ventre ativadas com a simples imagem de um pensamento, ela, Lola, um farelo de pão em cima da cama, amado e desejado por uma mosca. Ou em cima da mesa, debaixo de um chuveiro, porque sexo, pra ela, era como um slogan dos produtos da Teka…Cama, mesa e banho…Se ela tivesse um namorado, gostaria que ele a chamasse de Teka, e ela seria o lençol macio que deslizaria sobre o corpo, a toalha que envolve o corpo molhado, a toalha de mesa onde a gula poderia ser ignorada como um pecado capital.

Em cima da cama, em cima da mesa, embaixo de um chuveiro de água fria ou quente. Sexo é algo que não deveria ter divisão de cômodos...
Em cima da cama, em cima da mesa, embaixo de um chuveiro de água fria ou quente. Sexo é algo que não deveria ter divisão de cômodos…

E o mundo continuava lá fora, debaixo de sua sacada as pessoas e as coisas eram formigas. Os sonhos lá fora eram minúsculos, ela via o caos de um formigueiro remexido. Pessoas trabalhando para ter um lugar para chamar de seu, carregando o alimento em marmitas, cada dia uma luta, travada entre um chute e outro. Quando Lola era pequena, na esquina de sua casa tinha um formigueiro. Na sua inocência e curiosidade infantil, ela chutava o formigueiro com seus velhos tênis Ked’s, sentava na beira da calçada, e via a dança das formigas, carregando seus ovinhos brancos, carregando grãos de terra. Era preciso colocar as estruturas abaladas de novo no lugar. E quando o caos se instalasse novamente, sempre haveria força para continuar. Ela, Lola, é como uma formiga. Convive no meio do caos, carregando suas emoções e delírios nas costas, e tem horas, que seu formigueiro está quieto e silencioso, em outras horas, um turbilhão de chutes no escuro a traz pra fora.

E agora só ficou os restos de açúcar mal dissolvidos em sua xícara. E o seu olhar perdido no horizonte, e a mosca naquele vidro, excitada e louca para entrar. Lola poderia atiçá-la com o resto de açúcar em sua xícara, poderia deixar a xícara intencionalmente descansando na sacada, seria a mosca então atraída por ela?Não, talvez atrairia um linda abelha, abelhas clichês, amarelas com listras pretas. Aquela mosca não era fácil, era determinada. Ela quer o desafio, e fica ali, pacientemente pousada no vidro, esperando que Lola abra o caminho. Era uma mosca em chamas, o calor da fome a consumia. E ela não desistiria, ela quer o farelo de pão em cima da mesa, e o Tempo para aquela mosca não era um empecilho. Esperaria o tempo que fosse, ela não quer aquele açúcar fácil em cima da sacada. Coisas fáceis não atrai os sonhos daquela varejeira. Estava ali, no vidro, uma mosca…Seria Lola, um delírio dela?

Os homens são delírios das moscas, que não passam de uma ilusão dos homens

Aos olhos do rei.

Ninguém sente dor nenhuma durante a noite. Aqui parada embaixo da chuva, estou sem pressa, esperando nas esquinas das minhas emoções. Talvez um ramo de flores em minhas mãos, e sentirei toda a pureza das pétalas, e posso pensar em tão suave era sua carícia na noite passada. No meio das coisas banais, há ossos e tendões, há um coração batendo forte no peito, há veias pulsando em baixo ventre, e é de noite que eu me emociono, mesmo sem a presença do ramo que lhe toca o ventre, suave como uma primavera repentina, as borboletas dançando no estômago, são as mãos de um fidalgo, tal como Dom Quixote num mundo tão perdido e sem emoções dos olhos nus. Os olhos nus, se cobriram de véus, mas o tempo chegou e a encarou com os olhos, e então nos devoramos um ao outro sem pressa. Talvez eu seja apenas uma garotinha, talvez ele seja apenas um homem incomum, esbravejando contra os muros, um homem incomum de coração de ouro. E na rivalidade do tempo, o vento lá fora está esbravejando demônios, e nossos corpos se perdem em saliva, suor e desejo. Não tema o frio que chega nesta noite, e nem a aproximação dos meus olhos grandes junto aos seus, se o frio atingir-lhe, vou cobri-lo com meu afeto, e minha simples vontade de lhe abraçar. Não tema o desejo da noite, não tema o luar encoberto por espessas nuvens. Está relampeando lá fora, eu posso me assustar com o barulho dos trovões, e esconder-me por debaixo das cobertas. Posso fechar-me dentro de minha redoma, mas terás permissão para entrar. Chega de mansinho, como quem não quer nada, e jogue seu pano de estrelas em meu céu, que antes então tão cheios de nuvens e sem brilhos, ganhou tons de aurora boreal. E eu estremeço, quando sinto seu cheiro se aproximar, invadindo meu sonho à noite, e um milhão de sensações a gritarem madrugada adentro. Deite-se aqui ao meu lado, e eu lhe contarei uma estória e darei um beijo em teus ombros e olharei em seus olhos, como um gato que olha nos olhos do rei, sempre com fome…

E nunca acaba, dou meu reino por um beijo em seus ombros…