Cena 1: A mulher em modos ingleses
Chá. Eis aí uma coisa que Mariana aprecia. Numa tarde de domingo, ao invés de um passeio no parque, resolveu hibernar. “Hibernar”, uma palavra que sua vizinha deu a ela, quando ela perguntou o que estava fazendo no sábado, quando não a viu. Mariana respondeu que ficou escondida, embaixo das cobertas, pensando na vida, no universo e tudo mais. Então, sua vizinha disse: ‘Estava hibernando então?”, e então Mariana gostou desse termo…Hibernar…hibernar. E então ela se lembrou que nesta próxima semana ela vai trabalhar das oito da manhã até as dez da noite. E então de uma certa forma seu corpo avisou que precisará de descanso. Mariana colocou a chavena de água para ferver. Neste domingo ensolarado ela vai tomar chá e comer morangos com açúcar. Ler um livro e escrever uma crônica. Talvez ouvir música. E então ela olha pela janela e vê as pessoas na rua. Um momento só para mim, repetiu baixinho…isso é muito bom. Arrumou a escrivaninha na sua frente com seu bule e sua xícara. Se ela tivesse um quintal com um gramado e árvores floridas, se sentiria uma autêntica inglesa, e não uma moradora de um bairro de subúrbio de uma cidade do interior. Puxou um livro da estante, sentou na escrivaninha e arrumou as folhas de papel e a sua caneta favorita. E colocou-se a pensar em um Amor que está indo embora, e então no primeiro verso ela olhou e pensou: não vale mais a pena. Esse Amor já se foi, como o último gole de chá que sorveu de sua xícara de porcelana inglesa.
Cena 2: Um passeio no parque
Lívia tira seus domingos para dar uma volta no parque. Coloca uma roupa confortável, pega um ônibus e para em frente do bonito parque de sua cidade. Várias pessoas. Tipos diferentes correndo, caminhando, andando de patins. Ela gosta disso, pessoas, pessoas em seus diferentes biotipos, dramas e sorrisos. O que seria do mundo se todo mundo fosse igual, pensou ela. Um rapaz passa ao seu lado e lhe devolve um sorriso. Ela fica envergonhada e pensa que com certeza o sorriso não era pra ela. E então por um instante ela lembra daquela fisionomia, ela o viu na semana passada, naquele mesmo local, naquela trilha cheia de árvores no parque. Então ele se lembrou de mim?De uma certa forma, pensou ela encabulada. E então ela continuou caminhando. Ajustou o IPOD no modo shuffle e colocou-se a caminhar mais rápido. Talvez ela correria, se continuasse no pique, mas não queria calçar seu salto alto na segunda-feira com dores nas pernas. Parou no meio do caminho para avistar um sagui brincalhão na árvore. Em frente da árvore tinha um banco e então ela sentou, e abraçou as pernas. O homem bonito que sorriu passou do seu lado novamente. Parou e perguntou se já estava cansada, e então ela sorriu de volta e disse que não, que apenas parou para admirar um sagui curioso que estava na árvore em frente. E tentou encontrar o tal sagui novamente, mas ele já tinha se retirado. O homem riu e perguntou se ela o acompanhava na última volta no parque. Ela levantou e seguiu com ele, correndo. Definitivamente, ela amava aquele lugar.
Cena 3: Chimarrão e estrangeirismo
*Dedico essa cena para minha amiga Lisiane, guria querida!
O escritório estava ansioso. No meio da metrópole de Porto Alegre, estávamos todos aguardando a visita de uma instrutora da filial de Campinas. Estava tudo pronto, café bem passado, biscoitos dentro do vidro hermeticamente fechado, xícaras especiais para visitantes, toalha bonita na mesa do café. Marcelo chega correndo com sua chimarreira. “Gurizada, está tudo pronto!Comprei a melhor erva-mate e um pouco de erva-doce para misturar. E a cuia mais bonita!”. Era tradição no escritório, e em todo Rio Grande do Sul, todo visitante tinha de tomar chimarrão. A campainha tocou e o porteiro do prédio anunciou que dona Luciana se encontrava no recinto e perguntou se podia subir. Então todo mundo se preparou na frente de seus computadores, afinal, era uma empresa séria que em plena segunda-feira não comentava o último churrasco com chimarrão(churras e chimas) no domingo. No bairro que eu morava, em Porto Alegre, todo domingo, o quarteirão todo cheirava churrasco e o fundo com carros dava para escutar “Canto Alegretense”, ou qualquer outra música gauchesca.
Não me perguntes onde fica o alegrete
Segue o rumo do teu próprio coração…
Nas ruas, senhorezinhos tradicionalmente vestidos, com suas bombachas e o tradicional bigodão na cara. Eu sempre brinco que quem usa bigode ou é militar, encanador ou gaúcho. Voltando para a cena do escritório, Luciana entra na sala e todos se levantam com um “Oi”, tímido e meio seco. Depois de 2 horas de treinamento, a gauchada já estava rindo e contando causos. E o assunto do dia foi o famigerado churrasco paulista. Luciana defendia o churrasco paulista, dizendo que não via diferença entre a peça inteira de picanha no espeto e a mesma cortada em bifes, na grelha. Depois disso, o churrasco no CTG(Centro de Tradições Gaúchas) foi marcado e a presença dela foi obrigatória. Depois do almoço, nós preparamos um mate bem amargo para ajudar na digestão. Com todo carinho arrumamos a erva na cuia, erva da melhor qualidade, nos atentamos para a temperatura da água, para não queimar a erva. Enfim, todo um ritual para receber um “estrangeiro” e o presentear com uma mate bem amargo. Enfim, tudo pronto, a primeira cuia(entende-se a primeira cuia cheia de água), foi oferecida para a visitante. Ela olhou e disse, “Nossa…será que vou gostar disso aí, dizem que é muito amargo…’. Ela pegou com as duas mãos e pegou na bomba, que ela gentilmente chamou de “canudo esquisito” e começou a mexer como se fosse milkshake de ovomaltine do Bob’s (que aliás, é a única coisa que eles tem de bom). Depois da cara de “eu não acredito que esta criatura fez isso” e um facepalm coletivo, seguido de gargalhadas, Marcelo pega a cuia, verifica se não entupiu a bomba, e arruma todo o mate novamente. Oferece novamente para Luciana, dizendo “Regra número 1: não mexas na bomba guria!”, “Você quis dizer, esse canudinho aqui”, “Não, a bomba, esse canudinho que tu disses se chama bomba!”. No meio de tantas gargalhadas espalhafatosas, Luciana deu o primeiro gole. “Toma”, ela disse, oferecendo a cuia de volta, depois de sorver o primeiro gole fazendo caretas de assustar o Tinhoso. A gurizada olhou pra cara dela, se contorcendo em caretas, dignas de dublê de cena do filme do Exorcista, causadas pelo primeiro contato do gosto amargo da erva-mate fresquinha. “Regra número 2: Tu tens que tomar até roncar cabeça!!”, disse Marcelo, rindo. “Ahhhh, mas não dá para por um pouco de açúcar não?”. “Nãoooo guriaaaaa!Regra número 03: tu jamais pedes para colocar açúcar!”. Luciana tomou, a contragosto, e fez a cuia roncar. Todo mundo se divertiu, Luciana respondeu, quando indagada a respeito do chimarrão, se gostou ou não: “Talvez um pouquinho de açúcar ficaria melhor…” E todo mundo em coro: “Bahhhhhhhhhh…esses paulistas!”
Que saudades…que saudades de Porto Alegre, das tardes com chimarrão e vento minuano no Parque da Redenção!Eu sou paulista, mas gaúcha postiça de coração!
Cena 4: Gustavo na yôga
Gustavo entrou para a yôga. Estava cansado da vida devassa dele, e resolveu levar uma vida mais “zen”. Se matriculou numa escola de yôga, depois de várias pesquisas. Na primeira aula, saiu com dores quase espalhafatosas, mas ficou com o corpo deveras são e mais saudável. Ele fazia aulas todos os dias e estava aprendendo sobre bionergia na alimentação, que diz que carnes são prejudiciais para o equilíbrio entre corpo e mente, o que causava uma certa dificuldade na execução dos asánas(“posturas” do yôga). Gustavo adorava carnes. Nada o satisfazia mais que um belo pedaço de picanha mal-passada. Quando ia nos churrascos, a carne era um prazer imenso que ele dividia com copos de cerveja. Saía do restaurante, entrava no carro e desabotoava os botões da calça e da camisa. E já pensava na próxima carne do final de semana. Nas primeiras semanas, ele foi abandonando a carne, vagarosamente. Mas o problema era nos finais de semana. O cheiro de churrasco o enlouquecia. E cada vez mais ele se sentia inclinado a largar as aulas de yôga, todo final de semana era uma tortura, um verdadeiro karma. Ele era sincero, não conseguia mentir, e a cobrança por partes dos instrutores, por um corpo mais bioenergético e saudável, apertava. Um belo dia, ele saiu em um churrasco com os amigos, e ficou somente na maionese(sem carne!) e uma farofa sem linguiça e bacon que ele comprou. Comprou salsichas veganas para por no espeto e espetinho cafta de soja. Todo mundo sorrindo, se esbaldando, bebendo (quem pratica yôga tem de ser abstêmio de álcool também), e Gustavo ali, só nos vegetais e refrigerante(hipocrisia…). Olhou pra tudo, ficou de saco cheio, afinal, vacas são feitas pra quê?Ele olhava as coxas de frango pingando, molhadinhas no espeto e por nenhum momento conseguiu sentir dó de uma galinha. Foi no barril de cerveja, puxou um chopp e deu uma gostosa e viking mordida na costela no bafo que acabou de sair. Nunca mais apareceu nas aulas de yôga. Hoje ele corre ao ar livre.
Cena 05: A passarela
Depois de um dia de trabalho, Sandra está voltando do trabalho pelas escuras ruas próximas de uma rodovia. Ela tem que cruzar uma passarela para chegar ao outro lado. Coloca os fones de ouvido, e respira fundo, “Mais um dia de trabalho”, suspira ela. E então ela respira fundo mais uma vez e agradece aquela brisa noturna suave, misturada com monóxido de carbono vindo da rodovia. E ela vai caminhando, ora com olhos baixos, ora observando ao redor. Passa na passarela, maconheiros aleatórios falam sobre a vida, o universo e tudo mais. Ela para na passarela e observa as luzes furiosas e velozes dos carros, caminhões e ônibus que passam lá embaixo. E a noite para ela é bela, com todas as luzes de neon e as luzes amarelas dos veículos. Ela olha pra cima, e o brilho de um passado muito distante está sorrindo pra ela. “O brilho do passado”, lembra ela, de ter visto isso em um livro sobre o universo, essas enciclopédias que todo mundo tem em casa. E ficou um tempo lá, na passarela, olhando o movimento. Uma moça passa por ela e pergunta se está tudo bem. Ela riu, disse que não iria se matar. Estava apenas observando a vida em movimento…embaixo do brilho de milhões de milhões de anos atrás. Desceu a passarela, seu ônibus passou, ela subiu, e foi dormir…com um sorriso no rosto. Da hora a vida…pensou ela…a vida em movimento.
Cena 06: Coisas pequenas
Esta cena é um relato pessoal. Cheguei do trabalho hoje,(ops…ontem!sou uma eterna escritora nas madrugadas), as 22h00. Sou o tipo de pessoa que não liga de trabalhar até tarde quando precisa. Eu amo meu trabalho, e não vejo nada de mal isso, pois a recompensa sempre volta. Cheguei do trabalho em casa, tirei os sapatos, dei uma espreguiçada básica, e me sentei em frente do meu quase inseparável e sempre conectado notebook. Enfim, entrei no facebook para ver as últimas atualizações e falar com os amigos. Meu irmãozinho criou um facebook pra ele. Ele tem 9 anos. Isso é bom, porque assim eu sempre, de uma forma mais prático, mantenho contato com ele. Eu sou irmã coruja e guardiã, tô sempre “stalkeando” para ver se ele está fazendo coisas erradas, ou se tem algum espertinho. Nos tempos de hoje, todo cuidado é pouco. Ele me mandou uma mensagem perguntando se estava tudo bem e porque eu cheguei do trabalho naquele horário(eu coloquei essa informação no status). Eu disse que estava tudo ok, e que a semana toda ficarei trabalhando neste horário. Meu irmão tem apenas 9 anos, mas a cabeça dele é bem desenvolvida para entender as coisas. Já escrevi aqui, sobre o fato dele viver rodeado de adultos estressados, logo, assim como eu, ele vai amadurecer muito rápido. Para quem não leu, escrevi isso no texto https://suburbanwars.wordpress.com/2012/07/11/cinema-aspirinas-e-urubus/. Sendo assim, eu perguntei pra ele como estavam as coisas em casa. Ele disse que Nicole, minha irmãzinha de 1 ano e 5 meses acabou de dormir e que meu pai estava roncando desde às 20h00. E naquele momento, que ele escreveu que meu pai estava roncando, eu senti muitas, mas muitas saudades do estrondoso ronco do meu pai. Estava conversando com um amigo, e relatei pra ele, sobre a saudade, e ele comentou que, nos tempos de rebelde dele, quando ele chegava na casa dele doidão, ele deitava no sofá e escutava o ronco do pai dele ecoar pela casa. E então ele me disse, que aquele barulho o dava a sensação maravilhosa de segurança. Porque de uma certa forma, enquanto aquele ronco se manifestasse, ele estaria seguro. Eu brinquei dizendo, que ele se sentia seguro porque o pai dele estava em ronco profundo e não saberia que ele chegou doidão em casa. Mas, brincadeiras a parte, ele traduziu exatamente o que eu sentia, e o porquê de tudo isso. Porque, naquelas noites, eu sabia, que enquanto o meu pai roncava assustadoramente, aquele homem ali naquela cama, ao lado da minha minha mãe, está vivo e me protegendo de tudo o que pudesse acontecer. Se eu passasse mal à noite, eu saberia que ele poderia me acudir a qualquer momento. Eu poderia simplesmente levantar da minha cama e dar um beijo nele enquanto ele dormia. Agora que eu moro sozinha, que eu escuto apenas a minha respiração e o cooler do notebook, parece que falta algo…e isso é o ronco do meu pai!Engraçado como, em alguns momentos das nossas vidinhas, sentimos falta das pequenas coisas(nesse caso…estrondosas coisas!).
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