Era o alvorecer no horizonte. Fez-me calar em todas as esferas de razão, olhos perdidos, na vastidão de pensamentos que caem no chão, recolhidos pelos pássaros em busca de comida. E o que dizer? Pássaros comem pensamentos? Não querido, isso aqui é apenas uma metáfora perdida em um texto escrito num feriado de nuances. Parou de chover lá fora, e o sol ameaçou surgir timidamente ao longo das quatro horas da tarde. Em dias de preguiça, até o sol anda rabugento, tímido, aparecendo forçosamente sem querer. E ele dourou a pele daqueles que caminhavam em volta da lagoa, enquanto os patos atravessam com jeitinho engraçado. As pessoas corriam e se dispunham a sorrir e diminuir o passo. Sabe o que é isso, aquilo que falamos de manhã, o prazer nas pequenas coisas. Quando vou ao parque, gosto de voltar depois do entardecer. Sinto-me bem, acolhida nos últimos raios de sol do dia.
Acordei hoje e fui caminhar. Caiu uma garoa fina, mas quando eu cheguei a minha casa, um banho quente e cheio de ternura tirou-me daquele cansaço da caminhada em passos apressados. Tomei meu café da manhã bem tarde. Dias chuvosos pedem uma preguiça e uma falta de disciplina justificável. Fiz meus pães com manteiga na chapa e meu velho e bom café com leite. Gosto de minha vida simples, sem cobranças, fazendo o que eu bem entender. Seria isso um privilégio? Ou esse meu privilégio me tornará uma pessoa amarga que não suportará conviver no mesmo teto com outra pessoa? Serei eu uma pessoa ranzinza? Egoísta… É o que dizem das pessoas que moram sozinhas. Dizem que elas se fecham em um mundo só delas, e ficam alheias à mercê da própria solidão, mas há pelo menos o que chamam de ócio criativo. Vi um dia desses, uma matéria que disse que as pessoas que vivem sozinhas são mais criativas. Realmente? Não sei dizer, mas lhe digo, não sei escrever no caos. Gosto do silêncio, mesmo que ele seja invadido por pequenos sons de gotas de chuva caindo lá fora. Gosto de devanear sobre as gotas cálidas de chuva que escorrem no vidro de minha janela. Gosto de tomar chá enquanto escrevo ou leio um livro. De vez enquanto invento alguma receita maluca de café. Um dia fiz um cappuccino com notas aromáticas de laranja. Frequentei muitos cafés, levei comigo algumas receitas para minha eternidade imersa em cafeína e brincadeiras insones.
E minha mãe pega no meu pé às vezes, dizendo que eu desapareço. E eu digo, entenda mamãe… É a natureza de minh’alma. Ela clama pelo ar fresco dos dias comigo mesma. Disseram-me que eu penso demais, o tempo todo, e que isso faz mal. Fui diagnosticada com hiperatividade. Sofro de insônia pelo simples motivo de não conseguir me desligar. Quando fecho os olhos, sonho com a pessoa que eu amo, doente numa cama de hospital de paredes psicodélicas e clamando por um gole de café. E eu, com meu coração tão mole, desobedeci as ordens médicas e levei a ele um bule cheio de café, e ele levou aos lábios, segurando a xícara bonita e azul com as duas mãos, cheias de marcas de agulhas impiedosas. Deu-me um sorriso e me apertou a mão num gesto de carinho, depois de dar um belo gole de café e não conseguir segurar a xícara por muito tempo. Entram as enfermeiras chutando a porta me chamando de assassina. Devem ter sentido o cheiro do café no corredor. Confusão criada… Lembro-me do rosto de meu amado num sorriso de satisfação com misto de ternura e um pedido de desculpa pela confusão criada. Eu me pergunto… O que significa sonhar com uma pessoa que está com Dengue e não pode tomar café? E eu me recordo do aroma do café no quarto do hospital, e o meu amável doente moribundo me perguntando o motivo daquilo tudo. Eu poderia procurar o sentido em meus livros de Jung e Freud, mas prefiro ficar com o meu significado. Conhecimento pode ser um belo estraga – prazeres… Quero viver o meu prazer.
Sou uma garotinha, sim, minha querida mãe. Sou uma garotinha em corpo de mulher de 25 anos, rabugenta e que se sente velha, muitas vezes. Estava pensando em correr atrás de minhas coisas. Ter uma casa com quintal, começar a comprar meus móveis, minha própria cama, minha estante abarrotada, um quintal com flores, gramado, lençóis brancos secando no varal, mais tarde rasgado e sujo pelo meu cão ou meus cães. Adoro animais, gosto de flores, queria deitar no gramado e ler histórias, colher laranja e descascá-la. Pegaria as cascas e usaria de adubo em minha própria horta. Esse estilo de vida que aprendi com meu querido pai. Hoje sou uma garotinha que acha um absurdo pagar 2,50 no quilo da banana. Quando eu morava com meus pais, a banana era colhida no fundo do quintal. Eu não quero muitas coisas. Sou uma mulher simples. Queria um amor pra vida toda, sou aquelas que vivem o ideal de que quantidade não é qualidade. Amei poucos homens, minha vida amorosa não é movimentada. Mas aqueles que eu amei, carrego no peito uma lembrança doce e cheia de ternura, mesmo nas brigas e tudo aquilo que nos fez separar. Meu Amor não morre, levo comigo, junto ao peito, e a única coisa que eu queria era poder sair de manhãzinha e levar meu velho cão pra ir passear. Passar numa padaria e trazer pães quentes e fresquinhos para meu amor, que acordaria, tomaria uma ducha pra despertar. Eu prepararia um café, e ainda levaria quando ele saísse do banho com a toalha amarrada na cintura. Iria rir dele quando saísse do banho tremendo os lábios. Se estivesse de mau humor, contaria alguma piada que eu li no jornal que o espera na mesa do café. Colheríamos amoras para fazermos geleia. Nem sei se ele gosta de geleia, mas eu faria mesmo assim. Nem sei nada de meu futuro, mas independente do que seja, é o que eu gostaria de fazer. Não almejo grandes sonhos. Queria apenas minha casinha com quintal de flores e pés de fruta, um escritório com meus livros e minha escrivaninha. Talvez a maior utopia disso tudo seja ter isso vivendo apenas da escrita. Sou apenas uma garotinha à toa, com meus devaneios noturnos de feriado de outono. Garotinha à toa nos meus sonhos tão singelos. Amarga é a escuridão sem estrelas. Em meu céu, tem lugar pra todas elas. Inclusive você, garotinho à toa…