Anamorfose

1 – A ansiedade, Carpe Diem e a necessidade bucólica.

Ela andava pelo quarto, para um lado e para outro. Quando não, deitava na cama com as luzes apagadas e ficava olhando para as hélices do ventilador girarem com uma paciência quase insana. Levantou-se então da cama e foi ao banheiro, viu seu rosto no espelho do banheiro, os cabelos castanhos desbotados, e a face branca com os olhos de jabuticaba, arregalados. Um amigo lhe escreveu pelo chat, que ela tinha os olhos tristes. E então ela viu sua fotos na rede social, ela sempre achou que tinha olhos grandes, de coruja, ela adora corujas, é o tipo de pessoinha que pára na estrada para admirar as corujas buraqueiras, aquelas que fazem um buraco nos barrancos e ficam com seus olhões arregalados em cima da cerca, geralmente em lugares ermos. Ela gosta de coruja, pois se acha muito parecida com elas, fica na espreita, escondida, observando, é uma vouyer, não no quesito sexual da palavra, mas ela gosta de observar, os pequenos detalhes, as pequena coisas, ela é detalhista, percebe as coisas antes que lhe falem algo. Ela gosta de lugares afastados e misteriosos, nesses lugares ela cava seu buraco e fica apenas na espreita. Ela sente saudades disso, de fugir para algum lugar em que possa meditar em paz, sem a fúria e o desassossego da cidade grande. Campinas é um lugar legal, pensa ela, mas tem dias que ela quer simplesmente fugir da cidade de pedra, talvez ir para uma praia deserta e construir castelos de areia, sentir a areia fina passar por entre os dedos, dar um mergulho num mar de águas calmas, caminhar pela areia molhada na orla, lá onde as marolinhas quebram. Ela não espera que joguem água nela, como uma brincadeira de criança, ela quer estar sozinha, sua alma atormentada e cheia de anseios, por mais que clame por um pouco de amor sincero, ela não tem ilusões nesta vida, quando o assunto é Amor, ela tem os dois pés bem fincados no chão, com raízes grossas, firmes e profundas. Talvez o fato dela trabalhar com homens, 8 horas do seu dia, isso a faz pensar de maneira mais racional. AS coisas são para acontecer na hora certa, sua querida mãe sempre lhe disse isso, porque nos precipitarmos num desespero taciturno? Quando a onda chega, ela nos acerta em cheio, vêm sem pedir permissão, nos molhando por completo, e depois vêm o frio, o corpo treme, e depois pode ser aquecido pelo calor de um Amor de verão, ou de todas as outras estações, caso tenha sorte.

2 – Caminhada noturna

Na frente da pia, ela fitou seu rosto no espelho, ligou as torneiras e observou a água fria correr, fez uma concha com as mãos, tremeu de frio ao colocar suas mãos embaixo d’água, sentiu seus dedos ficarem duros e frios feito pedra. Levou as mãos com água em direção do rosto, lavou o rosto, como uma carícia gélida, um carinho como um término de namoro, uma despedida de alguém que não ama mais. Secou o rosto com a toalha felpuda que tem ao lado da pia, passou um batom nos lábios para hidratar. Calçou uma sapatilha, vestiu um casaco longo. Pegou o celular e ligou para um amigo. “Vamos comer pizza?”, esperou ele ligar, mas não deu em nada. Estava cansado demais. Jogou o celular em cima da cama, pegou o cartão de débito, o bilhete único e saiu pra fora. A lua estava cheia e bonita, cercada de nuvenzinhas ralas ao redor, e o vento soprava frio, vento em plena primavera. Fechou o portão, colocou as chaves nos bolsos e colocou-se a caminhar. Pensou, antes de sair de casa em pegar o Ipod e colocar alguma música, mas ela queria o som natural e sensual da noite nos ouvidos, os carros passando, os grilos, o pio da coruja, os cachorros a ladrar quando passa na calçada, os gatos a namorar nos muros e nos telhados. E então ela seguiu em frente, chegou na Avenida Santa Isabel e seguiu sem rumo específico. Seu coração estava batendo rápido, e os pensamentos a martelar um ritmo constante na cabeça, a ansiedade tomava conta, e a tentativa de caminhar exaustivamente era nada mais que uma forma em movimento para aquietar a alma. E os carros passando na larga avenida, as inúmeras barracas de cachorro quente, com os estudantes sorridentes falando sobre provas e coisas triviais. Ela pensou que poderia passar no mercado, comprar algumas frutas, mas ao passar ao lado, viu que estava fechado. Continuou seguindo pelas ruas amareladas, onde os carros passam às vezes com um som alto, onde os bêbados na mesa de um bar, a chamam para tomar uma cerveja, as calçadas ora cheias ora vazias. Ela caminha pela calçada olhando a programação dos bares, pára numa vitrine para olhar sapatos e outras coisas de mulherzinha. O vento continua soprando gelado, e então ela coloca as mãos de pianista dentro dos bolsos, sua mãe sempre lhe disse: “Minha filha, você tem mãos de pianista, dedos longos e compridos”, e então ela lembra de sua mãe, que nessas horas ela poderia lhe dizer que estava muito frio e tarde para sair para uma caminhada. Ela poderia pegar uma friagem, e uma dor de cabeça lhe afligir na calada na madrugada, quando se deitasse para dormir. Nada que um comprimido de Neosaldina resolvesse, pensou ela, rindo talvez da própria desgraça que em sã consciência sabia que poderia acontecer, e que de nada poderia chorar, ela é e sempre será teimosa, afinal a teimosia é sua marca registrada.

3 – Voyerismo

Ela passou ao lado de um restaurante chamado “Açaizeiro”, e então ela passou reto, pensando que não estava com fome e poderia passar lá outro dia. Parou no meio do caminho, olhou pra trás e mudou de ideia. Deu meia volta e abriu a porta do simpático restaurante pintado em tons de um verde claro simpático. O restaurante tinha um ar todo natureba, inclusive tinha uma prateleira feita de caixotes de frutas, desses que você encontra pelas feiras. Ela pensou, “é disto que eu preciso agora, algo bem leve para acalmar o nervosismo de véspera de prova”, sentou-se em uma mesa, e veio uma simpática atendente com o cardápio. Escolheu tomar um suco anti-stress, composto de banana, pêra, morango e leveduras de cerveja. Pediu um misto quente e uma tapioca de leite condensado com coco. Isso lhe daria ainda mais ânimo durante a caminhada pela larga avenida daquele simpático bairro universitário. Observou ao redor, na mesa ao lado tinha um lindo rapaz com traços da Irlanda. Ela olhou rapidamente para o rosto dele e viu que ele lhe lembrava muito o Damien Rice. E então ela começou a cantarolar na cabeça “The animals were gone”, sua música preferida. Ele estava sentado com uma moça de estatura baixa, de feições bem bonitas. Talvez fossem amigos colocando o assunto em dia. Na mesa da frente havia um grupo de amigos tomando sopa. Sopa, ela deveria ter tomado uma sopa. Aparentemente pela descrição do prato seria uma boa pedida, mas eles muito provavelmente já devem ter começado a preparar o pedido.” Tudo bem, o restaurante sempre estaria lá”,ela pensou. Ela adoraria parar nele novamente durante sua caminhada solitária e experimentar novos pratos e sabores, afinal, ela precisava levar a vida de uma maneira mais saudável, e o restaurante era uma boa pedida ao invés de um fast-food norte-americano carregado de gordura, mas que ela adorava, mesmo com sua consciência teimosa sabendo que aquilo era uma bomba para o seu corpo. Pagou a conta e continuou a caminhada. Ficou pensando no suco que tomou e resolveu que compraria morangos, banana e pêra, e no próximo pagamento, tomaria esse suco todas as manhãs, antes de ir ao trabalho. Melhor do que comer pão de queijo ou misto quente e Toddy toda manhã.

4 – No meio do caminho…Tinha uma banca de jornais.

Na avenida tem uma banca que vende aqueles livros de bolso, entre outros, sendo a maioria de autoajuda ou esotéricos. Ela entrou na banca e começou a olhar os livros de bolsos dispostos na vitrine. Ela poderia levar vários deles, mas acabou apenas mentalmente guardando o nome daqueles que planeja comprar, eventualmente fazendo uma careta engraçada para os livros de auto-ajuda que ela tanto odeia. Então, em uma prateleira ela viu um exemplar de “Dom Casmurro”. Lembrou então que precisaria trocar seu exemplar, tendo em vista que o seu velho exemplar estava sendo devorado pelo tempo. Levou “Dom Casmurro” e um livro da coleção Folha, sobre escritores latino-americanos. Escolheu um livro de contos, do Juan Carlos Onetti. Pagou a conta e caminhou mais um pouco. Queria mudar o visual, sim, queria mudar o visual plena onze horas da noite. Achou que sua aparência física estava desbotada assim como o castanho indefinido do seu cabelo. Eram onze da noite e então ela entrou numa dessas redes grandes de farmácias que oferecem uma vasta gama de cosméticos. Ficou namorando uma coloração vermelha e outra mais radical, um preto azulado. “O preto valoriza meu rosto”, dará mais contraste e dura muito mais que o vermelho. Comprou então shampoo, condicionador e leave-in para cabelos tingidos. Comprou também um delicioso creme hidratante de amora. “Cheiros”, ela pensou, é algo que lhe dá sensações vivas, lhe traz lembranças, uma sensação de bem estar. Cheiros e toque. Incrível a experiência de um toque, a questão da pele. A coisa mais maravilhosa no sexo, na opinião dela, é a questão do toque, o cheiro. Ela ama o cheiro natural do corpo. Talvez por isso não aprecie homens que fumam. Para ela , o cigarro apaga as doces evidências do cheiro natural da pessoa, o hálito, o suor.

5 – E assim dizia sua mãe: não aceite carona de estranhos…

Dias atrás, ela estava saindo do trabalho, um rapaz belíssimo, de pele branquinha, loiro e dono de grandes olhos azuis lhe ofereceu carona. Ela estava de costas trancando o portão e não viu de onde o carro vinha. Hipnotizou-se pelos belos olhos claros, mas uma ponta de medo invadiu. Então ela recusou a carona lhe dizendo que não se importava de esperar o ônibus, e então o educado rapaz de traços irlandeses subiu a rua no carro branco. E então ela ficou pensando naqueles bonitos olhos o dia inteiro. De onde viria, de onde surgiu?E nesta caminhada noturna, ficou pensando no rapaz simpático que lhe ofereceu carona. Mamãe sempre lhe dizia para não aceitar caronas de estranhos, mesmo que seja um estranho de beleza sublime, e então ela seguiu o conselho de sua mãe, já não era mais uma garota tão teimosa para tudo. Dias depois reconheceu o carro na garagem da casa vizinha. Ok, ele era seu vizinho, então logo não seria mais um estranho, e pensou se teria sido grossa demais ao recusar a carona. E então, em plena fila da farmácia, apagou os pensamentos “fator vizinho bonitão” da cabeça, quando a atendente gritou “Próximo”. Pagou a conta da farmácia e se dirigiu para o terminal de ônibus, para seguir seu caminho de volta pra casa. Estava esfriando cada vez mais e a caminhada foi suficiente para lhe aquietar a alma e colocar a vida em ordem. Pensou em todos os seus amores, mal sucedidos e o quanto se apaixona fácil ao mesmo tempo que perde facilmente as ilusões. Lembrou do amigo que propôs uma amizade colorida. Ela gostava dele, até se ver apaixonada e tomar consciência que se sairia machucada de tudo aquilo, o sexo era bom, selvagem, coisa de toque, pele, cheiro agradável e prazeres em comum. Só não existia a paixão em comum. Ela era apenas uma diversão para o domingo dele e uma amizade mais íntima. Ela não chegou a dizer nada, apenas disse que se afastaria pois estava cheia de coisas pra fazer e que precisava colocar a vida em ordem. Ela acreditou que para meio entendedor, uma palavra basta, como dizia aquela propaganda de cerveja, as verdades não são ditas para não criar mágoas e afastamentos. Ela poderia simplesmente apenas encarar a situação como um amigo que estaria disposto apenas a transar, mas ela simplesmente não consegue enxergar a vida deste modo, sexo é contato, é pele, cheiros e sensações, na cabeça dela, ela não consegue levar apenas como uma brincadeira. Então sutilmente, a desculpa do “consertar a vida”, foi uma desculpa para não falar que ela foi a trouxa que se apaixonou. O orgulho de mostrar que não se abalou, que não se deixou emocionar pelas pragas do coração que não deixa o cérebro funcionar. Talvez se ele correspondesse, se fosse mais atencioso ou tivesse mais consideração. Depois do último domingo com tarde de sexo, ela voltou pra casa dentro de um ônibus, com as luzes apagadas e com a cabeça voando. Com um nervosismo nato e aquele pensamento, de “que porra é essa que estou fazendo?”, e então viu que não necessitava de tudo aquilo, ficou tão bem todo esse tempo sozinha, somente ela e os pensamentos a atormentar, amores não correspondidos e não vivenciados, tão logo esquecidos e tidos apenas como um momento de fraqueza e tolices, a sua vida amorosa é como aquela música do Ira:

6 – São tolices…Eu sei!

São tolices
Que penso sobre você
Você não pensa em mim…
É tolice eu sei
Você não sente os meus passos
Mas eu imagino

Ninguém imagina os passos dela, ela tem os olhos que tudo vê, as pessoas a vêem desligada, como os olhos grandes difusos na multidão, mas ela está analisando, e pode ver todo e qualquer detalhe. Se ela fosse um verbo, ela seria toda “Eu analiso”, analisar, muitas vezes ela enxerga coisas que não queria, ela vê a beleza nas pequenas coisas, a beleza de uma pequena flor nascendo em pleno asfalto. Ela gosta da beleza da noite, de ver os carros passando, a confusão das luzes do poste com as luzes do farol, as pessoas correndo, estudantes voltando pra casa, cachorros com seus donos, o cheiro fresco da noite, a escuridão nas ruas, apenas a lua cheia e brincalhona no céu e ela solitária, nas ruas, andando sem rumo, apenas para acalmar a alma…

Se tu me cativas…

“Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro…
Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…
(…)Se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol! Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros.
Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música…”

O meu tempo chegando, os ventos e a chuva,
Os meus passos me levam apenas onde eu tenho que ir,
Não me peça para ser menos inconstante,
Não me proíba de atirar minhas pedras contra um lago límpido,
Não diga que eu sujarei meus pés correndo pela grama,
Eu não me deitarei ao teu lado com medo de perder,
Aqueles tempos de ruins já não me pertencem mais.

Me deixe sozinha, quando eu estiver inconsistente,
Mas depois volte e me aninhe em seus braços,
Não diga uma única palavra, apenas me olhe nos olhos,
Segure minha face entre suas mãos e me dê um beijo,
Podemos então adormecer como duas crianças,
Ou deitarmos na grama e observarmos as estrelas,
A vida, tão bonita, os nossos olhos e corpos nus.

E os teus dias serão então meus dias também,
Suas dores serão lágrimas nos meus olhos,
E não dirás então que eu não me importo,
O teu toque na minha pele será único e divino,
O seu prazer será como música para minha alma,
Eu te amarei como um rei, farei do teu corpo o meu pecado,
Serei como um livro aberto e lhe contarei histórias ao pé do ouvido.

Que esta primavera seja mais florida e menos triste,
Que toque meu corpo e minha alma na suavidade da pétala de uma rosa,
Que o barulho de teus passos se torne uma sinfonia para meus ouvidos,
Que meu corpo seja o jardim por onde caminha todas as noites,
Cuide de mim como tua rosa, eu tenho espinhos e posso machucar-lhe,
Mas minhas pétalas são suaves e meu perfume é suave e se cuidares bem de mim,
Serei eternamente grata e lhe amarei e serás pra mim único, aonde quer que estejas.

Serás em ti, Homem, que o meu barco sempre irá navegar e quando chegar a noite,
Encostarei meus remos e observarei suas águas calmas, e quando estiverem revoltosas,
Será apenas uma ação incólume do Tempo e da Natureza e te provar,
E no limite entre nossos lençóis será tua alma, a calma,
Mesmo sendo um ritual selvagem, nosso sexo será como um jardim secreto,
A cada toque teu, um sentimento desconhecido será descoberto,
Eu cuidarei bem de ti Amor, aonde quer que esteja, Amor desconhecido, minha rosa invisível.

Vou começar a prosa de hoje, citando o saudoso Renato Russo:

“Acho que você não percebeu
Que o meu sorriso era sincero
Sou tão cínico às vezes
O tempo todo estou tentando me defender
Digam o que disserem O mal do século é a solidão
Cada um de nós imerso em sua própria arrogância
Esperando por um pouco de afeição.”

Estamos aqui, no inverno, sendo mais exata, no fim dele, aliás, que raios de inverno foi esse?Estando frio ou não, o inverno é estação onde todos querem um pézinho para entrelaçar embaixo das cobertas. A estação em que os corpos se juntam para transmitir calor, mesmo o fato de sair pelado(a) das cobertas nesse frio não ser lá uma sensação muito agradável, mas dependendo do esforço efetuado nos exercícios inter-humanos (se é que vocês me entendem), não vai ser tão frio assim. Mas existem pessoas, tipo, eu e você, que talvez esteja sozinho também, que muitas vezes se coloca a pensar na solidão do mundo. Estamos todos esperando por afeição?Mas nós respeitamos os sentimentos um dos outros para termos afeição, ou somos muito mesquinhos?Coisas do coração humano, que muitas vezes não sabemos exatamente o porquê fazemos isso. Talvez, creio eu, por medo de se envolver e acabar de decepcionando. Nós temos muito medo da rejeição, das críticas, do fracasso, por isso muitas vezes deixamos as coisas para trás, sem explicação, por puro medo da rejeição. Sendo assim, nós ficamos arrogantes. Sim, o ser humano é muito mesquinho…

Cada um imerso na sua própria arrogância…

 

Ah…vida real! Como é que eu troco de canal?

Eu estava falando com um amigo muito querido, sobre essa questão de relacionamento. Quem me lê, quem me conhece, sabe que eu sou o tipo de pessoa que tem as entranhas para fora. Eu sou uma pessoas intensa, e isso muitas vezes assustam as pessoas. Eu tenho dificuldade de iniciar um relacionamento com uma pessoa, por n motivos.

Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro… Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo… Se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol! Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música…

Eu sofro do “Mal de Snoopy” e você?

Estava lendo uma matéria sobre a solidão, onde um tal de John Cacioppo, filósofo e especialista no tema “Solidão” diz que as pessoas estão cada vez mais se acostumando com a idéia de que ser sozinho não é mais uma coisa tida como “vergonha”.

Ainda que o isolamento físico contribua para a sensação de solidão, ela é muito mais do que isso. Podemos estar casados, ter uma família numerosa ou estar no meio de uma multidão e, ainda assim, sentirmo-nos sozinhos. A solidão é uma condição psicológica caracterizada por uma profunda sensação de vazio. É um estado adverso que, do ponto de vista evolutivo, nos motiva a mudar – a procurar companhia. Assim a sensação de isolamento tem efeito semelhante ao da dor e ao da fome. O desconforto que a solidão provoca foi uma das forças que nos impeliram a procurar a vida gregária, a preservar o corpo social – imprescindível para a nossa sobrevivência e prosperidade. Nos primórdios da espécie humana, sobrevivemos apenas porque nos mantivemos em bando, o que garantia a proteção mútua.

Eu não sei definir, o que pode ser pior. Estarmos rodeados de pessoas ao redor, mas nos sentirmos sozinhos. Conheço muitas pessoas que são populares, vão para a balada todo final de semana, postam fotos cercadas de pessoas, mas reclamam que estão sozinhas, pois aquele monte de pessoas ao redor não as fazem sentir a pessoa mais completa do mundo, ou, nem precisa sentir-se a pessoa mais completa, até porque eu acredito que ninguém se sente completo. O ser humano nunca está contente, vai sempre precisar de algo, seja apenas mais sexo, mais amor, mais atenção, mais morangos com chocolates ou simplesmente mais uma ou duas caixas de Bis de limão. O meu caso em particular, não sou uma pessoa de muitos amigos, posso contar nos dedos aqueles que posso contar, aqueles que eu sei que ao lado deles não me sentiria sozinha. Nos finais de semana não costumo sair muito. Gosto de ficar em casa no meu canto, sair para caminhar, ler um bom livro, e é claro, escrever. Muitas vezes as pessoas me perguntam se isso não me incomoda, essa questão da solidão. Se eu disser que não, é óbvio que estarei mentindo. Muitas vezes me sinto absurdamente sozinha, contando apenas o barulho de meus passos numa caminhada solitária ao entardecer. Tenho meus momentos de crise de choro, meus momentos que quero socar a parede, mas quando estou assim, vou pro parque do Taquaral, e fico em um gramado ou embaixo de uma árvore, para pensar na vida. Isso me acalma. As pessoas me vêem sozinha ali, podem imaginar que eu sou uma pessoa triste, mas não, apenas sou uma pessoa tentando lidar comigo mesmo, nos meus momentos de fúria ou má compreensão por parte dos outros. Tudo seria perfeito, se todos compreendessem o vazio das pessoas, e talvez não vissem como frescura ou viessem com a clássica frase: “Mas tu é uma mulher(homem) tão bonito(a)!”, desde quando a beleza ou falta dela tem álibi quanto ao fato de nos sentirmos sozinhos?

Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes.

Dizem que o mal do século é a solidão. O que fazemos para combater a solidão?Hoje eu acredito que o ser humano deve aprender a conviver com ela. Nós temos que aprender a conviver com nossa própria escuridão. Conheço inúmeras pessoas que pregam “Solteira sim, sozinha jamais”. Qual o problema nisso?As pessoas estão constantemente desesperadas em achar sua tampa de panela, mesmo que isso implique nessa frase tão ambígua, e bem discutível. A pessoa que sabe conviver bem consigo mesmo, não necessita trocar saliva com 10 caras ou 10 mulheres numa balada ou levar uma mulher pra cama todo final de semana. Isso é a maldita autoafirmação. Sozinha jamais…ok?Porque você faz isso?É o maldito medo da solidão. O ser humano é mesquinho, diz que não tem medo da solidão mas pega herpes de dezenas de bocas na balada pra não ser taxado de “forever alone”. Toda vez que eu ouço essa frase, “Solteira sim, sozinha jamais”, eu fico pensando o quanto nós somos hipócritas. Além da única certeza que temos nesta vida, o nosso maior temor, depois da Morte, é o medo de sermos aquelas pessoas sozinhas e frustradas que criam animais desenfreadamente, aquelas pessoas que a única coisa que sobrou, é o amor dos animais, pois eles não exigem nada em troca, ao contrário de nós, que estamos sempre esperando que o outro ofereça o lenço para assoarmos o nariz ou que estenda o casaco numa poça para passarmos, e muitas vezes, a pessoa faz isso por você, mas ele é somente o seu amiguinho legal, e o coitado ou coitada têm de ficar escutando seus elogios de “Nossa, seria tão bom se todos (as) homens (mulheres) fossem iguais a você” e as lamúrias de ter se envolvido com o cafajeste ou com a vadia dos peitos fartos e bunda perfeita, porém sem cérebro, que te coloca mais galhos que cabeça de cervo das montanhas. E ainda tem que aturar a pessoa falando que não existe homem ou mulher que preste, que mulher só pensa em dinheiro ou que homem não presta. Se você é uma pessoa que só se envolve com vadias ou com aquele cara bonitão e sem princípio que todo mundo sabe que só não come a sua mãe porque ela ainda não piscou pra ele, sinto muito, mas você não tem direito nenhum de reclamar. E nós, que nos respeitamos como pessoas, nós estamos perdendo nosso tempo, tendo medo, aquele medo da rejeição, da perda, do risco. Estamos sempre nos protegendo, tão mesquinhos, dentro de nossas esferas que tentamos em vão reproduzir um mundo perfeito, onde os riscos só ocorrem não por nossa culpa, mas sempre por conta de terceiros. E nós nos lamuriamos todo o tempo por não sermos correspondidos, mas nem ao mesmo tentamos dar uma chance para nosso sentimento. Todo mundo um dia já fracassou ou passará por uma situação que terminará um relacionamento e vai ter que colocar a vida em ordem novamente, e é incrível o quanto ficamos mais duros e rabugentos com nós mesmos, o medo da repetição, da separação, das lágrimas de retorno pra casa, pós-separação, a briga na justiça pelo divórcio. Estamos cada vez mais fadados a termos medo do fracasso e não nos arriscarmos mais. Estamos o tempo todo com medo de dizermos “Eu te amo”, por perda de adicionarmos mais um erro no nosso “livros dos dias, o livro dos nossos amores”.
Tem uma música, que eu ouvi infinitas e infinitas vezes hoje, é a belíssima “Eu preciso dizer que eu te amo”:

Quando a gente conversa
Contando casos, besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos
E eu não sei que hora dizer
Me dá um medo, que medo

É que eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
É, eu preciso dizer que eu te amo tanto

E até o tempo passa arrastado
Só pra eu ficar do teu lado
Você me chora dores de outro amor
Se abre e acaba comigo
E nessa novela eu não quero
Ser teu amigo

É que eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
É, eu preciso dizer que eu te amo tanto

Eu já nem sei se eu tô misturando
Eu perco o sono
Lembrando em cada riso teu
Qualquer bandeira
Fechando e abrindo a geladeira
A noite inteira

Eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo tanto

E pra terminar, vou colocar o porque nos sentimos sozinhos, e porque coloquei um trecho do Renato Russo no início:

Nós, eu, você, ele e ela, a imensa maioria dos bilhões de pessoas neste mundo, estamos o tempo todo tentando nos defender. Nos defender do quê?Nós sentimos medo, angústia, tristeza, temos medo de nossos dilemas e suas consequências, temos medo de amar e não dar certo. E assim, nós seguimos sorrindo pra todos, com nossa beleza e educação. Entendem? Aí está a nossa arrogância, pois estamos nos escondendo por trás de uma falsa felicidade, mas na verdade estamos esperando afeição e compreensão das pessoas, o tempo todo!Nós colocamos nosso sorriso estúpido e nossa cara de “tudo azul, tudo rosa, a mil maravilhas”, “made in paraguay”, ou “made in china”, se preferir, e o que nós fazemos?Nós esperamos que as pessoas ao nosso redor tenham a capacidade de entender nossos problemas, ou enxergar que não estamos bem, como se isso fosse a coisa mais fácil deste mundo. E aí está, meus amigos, o nosso cinismo: “E aí?Tudo bem?”, “Tudo ótimo!!!”, “está namorando?”, “Não, estou solteira, mas sozinha nunca”. Mas quando chega à noite, depois de uma balada com todos os amigos, dezenas de fotos postadas, muitos beijos na boca de desconhecidos, ao deitar na cama e encostar a cabeça no travesseiro, o fantasma da solidão vêm sussurrar nos ouvidos. E lá vamos nós, imersos na nossa arrogância e esperando um pouquinho, mas só um pouquinho de afeição…

Preste atenção…o mundo é um moinho.

“Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés.”

Eu me lembrei hoje, conversando com meu amigo, sobre músicas que nos revelam, ou que traduzem nossos sentimentos. Cartola gravou uma música, chamada “O mundo é um moinho”, divinamente regravada e interpretada por Ney Matogrosso, e eu digo que esta música me traz uma lembrança dos tempos de adolescência. Minha mãe sempre disse que é necessário não alimentarmos ilusões nessa nossa vida tão breve. Ela tentou me ensinar a usar a razão ao invés da emoção, pois as emoções sempre, por mais que elas sejam mais intensas, esse nosso sadismo inexplicável de alimentarmos falsas expectativas, alimentarmos nossas ilusões como se déssemos leitinho para o gato lindo e fofo que fica miando na sua porta de madrugada. Nossos sonhos não são como gatinhos fofinhos. Para alcançá-los temos que batalhar, desde que tenha fundamento, e a nossa tendência é fantasiar. Simplesmente fantasiar, alimentar expectativas que só vão nos fazer sofrer depois. Eu me lembro, que um dia, nos meus tempos de aborrescência, peguei uma folha de sulfite, e escrevi em letras grandes e de caixas altas: “NÃO TENHA ILUSÕES”. Peguei uma fita adesiva e colei o bendito sulfite atrás da porta do meu quarto. Isso então, se transformou em um ritual. Eu acordava e via o papel com aquelas letras enormes e propositalmente legíveis(matei aula nos dias de caderno de caligrafia), eu lia e relia o “NÃO TENHA ILUSÕES”, e então eu saia de casa com essa ideia na cabeça. Confesso a vocês que isso nunca funcionou, se funcionar com você, que me lê, escreva nos comentários, porque eu queria muito uma solução milagrosa e funcional, ao contrário do que as revistas de mulherzinhas, presentes em qualquer tipo de salão de beleza prega, de uma maneira geral, bem ridícula.

Tem uma imagem que circula por aí, que é o cérebro e o coração, lado a lado, tentando se equilibrar num meio-fio. Isso é uma linha tênue que todos nós, durante a vida toda, fracassamos ao tentar ter esse equilíbrio, e muitas vezes queremos jogar fora o coração e centralizar nosso peso nesse órgão que carregamos dentro de nossos crânios, e que infelizmente é muito mal utilizado em todos os aspectos em várias pessoas. Quantas vezes eu pensei, que o meu coração deveria apenas bombear sangue para o meu corpo?Inúmeras e inúmeras vezes eu já me vi e me vejo, constantemente, olhando para o meu peito e gritando, “maldito e belo coração desenfreado filho de uma puta”. Simples assim, nós alimentamos nossas ilusões, e depois quando nos sentimos machucados ou quando abrimos os olhos, caímos na real e ficamos feito idiotas nos culpando o tempo todo. Seria tão simples, se fossemos mais racionais do que emocionais. E eu me pergunto, se essa linha tênue tivesse apenas consistência na nossa razão, existiria o Amor romântico?Sim, estou falando de Amor, afinal, qual é o sentimento que mais nos faz sofrer nessa nossa vida tão bonita, mas em outras uma verdadeira vida de merda?Quem nunca deitou na cama, fechou os olhos e imaginou uma vida normal ao lado de alguém que você acredita que seja quase perfeito, e depois quando você realmente acorda pra vida e vê que tudo aquilo é uma merda, que você só fez merda, só tomou bem no meio do toba, arrumou pra cabeça, e o melhor de tudo, a faixa bem grande que área criativa e sagaz do seu cérebro, tão pouco usado nos momentos em que está alimentando o gatinho da ilusão: “Eu avisei”, “Você fez merda”, “Eu disse que não iria dar certo”, “Você foi impulsivo demais”, “Eu te falei que seria apenas sexo”, “Quem mandou você não escutar sua mãe?”, “Eu te disse que ele era gay” (essa deve ser muito triste), “Eu te avisei que você seria apenas “a outra”, “Eu te disse, você era apenas o alarme de incêndio” (expressão muito utilizada para os casos de “como só tem tu, no momento, serve você mesmo, ou seja, na falta de opção, a pessoa pega seu martelinho, e aciona, você, o (a) trouxa, para te chamar e apagar o fogo, simples assim). É sempre aquela coisa, “eu achava que”, “eu acreditava que”, “eu deveria”. O coração humano é frágil, é besta, acredita em tudo o que é dito pra ele. Ele se sente extremamente ameaçado perante situações de incertezas, falsas acusações, mágoas, desentendimento. Ele não chega em um consenso do  “é assim, assim assado”, “2 + 2 são 4”, na linguagem do coração, o “é assim” se transforma sempre no “mas”, “mas, pode ser que”, “mas não deve ser isso”, “mas ele/ela gosta de mim, do jeito que eu sou”, “mas, ele, ela vai me ligar”. Quando vamos entender que nosso coração é cego, surdo e mudo?Muitas vezes eu imagino que devemos ter algum gene que sofreu uma mutação maligna e nos faz agirmos feito idiotas babões, alimentando nossos gatinhos chamado ilusões. Nossos atos impulsivos, sem-noção, irracionais, os nossos constantes “eu acho”, “mas pode ser”, “e se…”, é o prato de leite que oferecemos para nossas ilusões, que são nossos gatinhos fofos(tem gente que alimenta várias ilusões ao mesmo tempo, e tem algumas ilusões que não são gatos, mas sim, duendes… A minha ilusão tem um nome carinhoso de Frajola, pois é um gato preto e branco. E o pior, é que sempre, depois de uma cagada homérica e outras nem tanto, eu digo que, vou usar mais o meu cérebro. Ok. Eu usei, mas tempos depois está eu lá com o meu gato todo lindão e bem gordo, alimentado com leite de primeira, aqueles de garrafa, que vende em padocas a R$3,50 ou/e rações Wiskas cheias de frescura.

Nada de amor romântico, nada de paixão, na idade da pedra. O homem evoluiu ou só tende a sofrer ainda mais com o passar do tempo?

Porém, temos uma coisinha muito útil chamada tempo, que temos que agradecer que o cérebro resolve tomar um Sustagem, um Biotônico Fontoura, Farinha Láctea,  depois de algumas mágoas e algumas provas de quanto somos imbecis, em muitos aspectos, e todos sabemos disso, apenas ignoramos nossas babações românticas e piegas, nosso cérebro aciona o alarme e dá uma porrada no coração. O que acontece?Sem mais a venda nos olhos, colocada “gentilmente like a gentleman”, por nosso coração traiçoeiro e troll, nós vimos que gastamos muitos recursos em vão para alimentar o gato que não nos dá nada em troca, só algumas arranhadas bem cortantes e em algumas pessoas, cicatrizes eternas, um sentimento, um coração desfigurado, só curado pela plástica infalível do tempo ou um bom, um ótimo terapeuta, ou se você for idiota o bastante, uma outra pessoa, utilizada como uma peça de lego ou de tetris. Você usa para preencher o espaço que o outro ou outra deixou vazio. Quando você vê um lego mais bonito ou um encaixe que julga ser mais “sensato” (sempre achamos nossas atitudes SENSATAS, não importando a hora do dia), você joga a pecinha fora e substituí, então a pecinha de Lego ou nova forma do Tetris acaba te oferendo uma outra dimensão, e então o que acontece?Nos apaixonamos por essa modelagem e partimos para o próximo estágio, que é o “ilusions again level 10 other dimension”. Pois é meus amigos, o ser humano é teimoso, e muitas vezes, quando leio algo do Flávio Gikovate, a respeito da individualidade e do egoísmo humano, aquela coisa de que todos, homens e mulheres estão concentrados naquilo que eles estão focados como planejamento de vida e tendem cada vez mais em pensar em si próprios, eu me pergunto, são as ilusões que estão deixando o homem(mulher) cada vez mais desacreditados, depois de alimentar o imenso e gordo gato chamado Ilusão, que sofre ou sofrerá, um dia, quem sabe?, um infarto, e você sem o gato Ilusão para alimentar, acaba focando mais naquela voz que te avisou o tempo todo, em faixas enormes, no meio do muro responsável em separar a razão da emoção: “NÃO TENHA ILUSÕES”.

“Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.”

 

 

 

 

 

 

 

 

Vou me embora…para a Paulicéia Desvairada?

Nesta semana eu ouvi um relato de um homem que estava pedindo dinheiro no ônibus para voltar para sua terra. Ele estava com a mulher e a filha. Naquela idéia de conseguir algo melhor para ele e sua família, ele vendeu tudo o que tinha para tentar a sorte na cidade grande. Primeiramente tentou em São Paulo, e depois mudou para Campinas, onde fez vários serviços de “bico”. Depois de ser expulso duas vezes e não ter condições de viver por aqui, juntou tudo aquilo que lhe restou e estava juntando dinheiro para voltar para Caetité, na Bahia. Sendo assim, por causa disso que escrevi esse texto, na verdade um ensaio, sobre o grande inchaço das cidades e a luta dos imigrantes de outras regiões para uma vida melhor. Como dizem por aí, “não tá fácil pra ninguém!”

Severino e sua família decidem se mudar para a cidade grande. Severino trabalha no campo e decidiu vender tudo e partir para o que ele chamava de “vida melhor”. Essa história se repete todos os dias, com vários e vários Severinos, desde meados dos anos 20, na maioria dos países emergentes, é o que chamamos de urbanização. A realidade é bem triste: sem especialização, semi ou completamente analfabetos. A ilusão de que as grandes cidades possuem o status do “poder”, emprego abundante, qualidade de vida, entre outros fatores, fazem com que essas pessoas abandonem suas cidades em busca de melhores condições. Depois que chegam, abrem os olhos e choram lágrimas de desgosto, em seus barracos na beira de um córrego fétido ou num cortiço de condições e dignidades mínimas, em algum bairro decadente da cidade.  Na favela do Paraisópolis, os Severinos são observados com desdém pelos olhos dos ricaços na sacada do apartamento duplex ou triplex de milhões de reais. Sendo assim, além de tudo pelo o que passam, são marginalizados pelo resto da população.

O inchaço urbano nas cidades europeias, surgiu no final da idade média. Com a queda do Feudalismo e o surgimento do Capitalismo Comercial, os antigos “servos” desprenderam-se da terra e partiram rumo às primeiras cidades europeias denominadas “burgos”, antes comandadas pelos senhores feudais, substituídos pelos comerciantes e banqueiros, a chamada burguesia mercantil e financeira. Os camponeses expulsos da terra e os artesãos arruinados por terem perdido os meios de produção, passam a vender suas forças de trabalho nas manufaturas, que se tornaram no auge do Capitalismo Industrial, fábricas “à pleno vapor”. Enfim, o Capitalismo torna-se financeiro: bancos, cartéis, trustes, multinacionais, cotações, bolsas de valores, especulações, tudo concentrado nas grandes cidades. O Capitalismo, desde os primórdios de sua existência é uma semente que deu origem à uma grande árvore, cujo fruto é o lucro. As raízes, o caule e os galhos são todo o conjunto de uma grande cidade com seus meios de gerar dinheiro. Os trabalhadores compreendem a seiva elaborada. O processo no Brasil é mais demorado, pois o Capitalismo Industrial demorou para fixar suas raízes, logo, a expansão das cidades ainda é visto como algo muito recente.

A segregação espacial dessas grandes cidades é tão cruel quanto o sistema capitalista, e não há como fugir disso, já que os novos habitantes, de terras longínquas, não dispõem de meios para conseguir uma moradia digna. Com o crescimento das cidades, novas áreas vão surgindo, e consequentemente ocorre a desvalorização das áreas mais antigas, que serão ocupadas por pessoas com menor poder aquisitivo, formando os famosos “cortiços”, ocupados por inúmeras famílias, espremidas em pequeno espaço e condições precárias de infraestrutura. Também há a ocupação de terrenos abandonados em áreas de risco, o aumento da violência gerada pela desigualdade social e desemprego, o crescimento do crime organizado, associado ao tráfico de drogas e a ineficácia da polícia e do Poder Judiciário. Não podemos esquecer dos problemas ambientais causados pelo crescimento das cidades: erosão do solo, poluição atmosférica, poluição dos mananciais e o acúmulo de lixo devido a falta de espaço para um aterro sanitário.

E assim, o sonho de muitos Severinos e Severinas ou de qualquer outro indivíduo de qualquer outro lugar do nosso país, que se diz a todo momento ser um “país de todos”, despencam em um abismo da realidade social e estrutural do espaço urbano. O crescimento sem fronteiras dessas cidades e a falta de investimento nessas áreas precárias, faz nós revermos os nossos conceitos de “cidade grande, vida boa”. Se antes, a maioria dos “Severinos” pensavam, “vou-me embora para a Cidade Grande, pois aqui eu não sou feliz”, ao chegar na “Paulicéia Desvairada” de Mário de Andrade, lembram-se tristemente que “na nossa terra tinha palmeiras, onde cantava o sabiá”.

Majesty – She & Him

 You were majesty
Your ropes were heavy
And your longing was a cutting from bone

1 – She
E o Amor se tornando real, os olhos abrindo-se aos poucos, diante de uma noite de brisa leve. E eles eram tão jovens, e ela era sua majestade. E quando ela sentia medo, ele aninhava ela nos braços e sussurra palavras doces nos ouvidos. E as lágrimas que escorriam de seus olhos molhavam as mãos dele, que lhe segurava o rosto dizendo olhos nos olhos que ela era especial e as tempestades nesta vida eram passagens, um mal necessário. E aqueles olhos, tão escuros, tão castanhos, como uma tempestade, tal como a canção de Renato Russo, olhos grandes e curiosos, com brilho de avelã. Em sua memória,seus olhos, boca e na pele, o sentido do toque, na mente. Uma fotografia que nunca envelhece, que nos momentos de raiva, quando está sozinha, essa fotografia quer queimar numa fogueira junto com todas as suas emoções, memórias, sentidos. E então ela lembra que a tentação é mais forte do que a sua própria força de vontade de parar. E a vontade de sair gritando, correndo, embaixo de uma tempestade, talvez, um raio cair sobre seu corpo e sofrer uma perda de memória, e todos os erros impulsivos serem completamente apagados da memória. Tão jovem, e os caminhos se estreitando e ela então caindo e caindo nos mesmos erros. E o corvo que sempre dizia, “Nunca mais, nunca mais”, canta sua velha canção novamente, e de noite, nas noites solitárias a canção do pássaro ecoa pelo quarto de paredes frias, e o seu medo invade, e todas as suas veias dilatadas, coração acelerado. Ela liga o ventilador, talvez o barulho das hélices girando, faça seus sentimentos dispersar, talvez a vontade de chorar vá embora, talvez o Amor que está surgindo devagar, a saudade sem sentido, vá embora, como uma dor aguda no corredor de um hospital, com o soro na veia e dopada de remédios. E quando ela fecha os olhos, ela se lembra, daqueles olhos, com as pupilas dilatadas pelo momento de êxtase, e ela era pra ele como sua droga, ela lhe dava prazer, mas não precisava ficar com ele, era uma troca, apenas uma troca. Ele precisava de sexo, e ela também, e eram apenas amigos. A vida poderia ser muito mais fácil, se não fosse a eterna luta entre a razão e o coração, tão irracional. E então ela se apaixonou e ela tentou vê-lo, pelo o que ele é, e tentou, sentir como ele se sentia. Ela poderia lhe estender a mão, poderia acariciar o rosto e fazer carinho na cabeça, ou simplesmente, deitar-lhe a cabeça no colo, e contar-lhe histórias engraçadas da infância, e fazê-lo rir, e ver seu sorriso, ou aquela risada besta de uma piada ruim. E ele poderia lhe dizer que ela não tem talento para ser humorista, apesar de toda força de vontade, e então, eles poderiam rir juntos, e ela acharia aquilo lindo, mesmo sem a beleza e o despudor do sexo. E ela queria que pelo menos, ele a enxergasse por dentro, e não como um pedaço de carne para degustar como quiser, quando quiser. E o Amor, pensou ela, é uma coisa bonita que dói, que aperta como uma corta no pescoço, tirando o ar, pouco a pouco, ela vai morrendo, por dentro, pouco a pouco ela se sente fraca, pouco a pouco as lágrimas escorrem pelos olhos e então ela vê o quanto ela cavou sua sepultura, e aos poucos a terra está sendo jogada sobre o corpo, e essa terra lhe cobriu os olhos, ela não enxerga mais, não respira, mas sente todo o peso do corpo dele, como uma tonelada de terra…E aquilo era bom… “Abra os olhos querida”, e então ela abriu e lá estavam os olhos de tempestade, e desde então eles a observam dormindo, entre lençóis, um sorriso sádico no rosto, uma meia luz entrando no quarto, e ele gostava disso.

2 – Him

So am I good or bad?
The way that things did turn out

E ele sempre a achou linda. Uma beleza exótica, um dia ele disse isso a ela. Ele poderia lhe dizer várias coisas, mas o tempo seria um bálsamo que lhe cairia pelo corpo, e o medo da rejeição talvez fosse embora. Ele era tímido, será que ela saberia disso?E o sexo era ótimo, ele sabia disso, mas os olhos dela eram um mistério não revelado. E quando ela o olhava, por cima, aqueles olhos contavam uma história sem início, meio ou fim, e ele queria entendê-la muito além do corpo, aquele corpo no início coberto por uma lingerie lânguida e meias 7/8, e ele olhava ela com um olhar de desejo, e ele então pensava que ela era apenas mais uma mulher, e que talvez ele poderia se apaixonar, e um dia magoá-la. Ele poderia fugir, ao não saber como fazer, ele era jovem e poderia ter várias mulheres, quando quisesse, porque iria se prender e acabar com a liberdade?E ela estava lá, tão linda e tão real,com todos os seus defeitos, e não como capas de revistas impressas em papel de editoração. E ele não queria se sentir tão mesquinho, e o medo de se apaixonar o amedronta como um menininho com medo de palhaço. Um dia ela lhe contou que tinha medo de palhaço, porque na cena de um filme,que ela havia assistido quando criança, um palhaço malvado arrastou um menino para dentro de um bueiro. E aquela cena não saia da cabeça dela. E então ele ri, por dentro, quando lembra que ela é linda sendo mesmo assim, meio boba, com seus medos traumáticos de criança ou quando conta aquela piada velha e ridícula dos pontinhos e ela ri dela mesma e ele gosta disso nela, o senso de humor, mesmo com suas crises de bipolaridade. E ele queria que ela visse aquele jogo de favores sexuais, estreitados em laços de amizade, para conhecê-la melhor, como mulher, e não com um objeto sexual.

But in my mind
I could still climb inside your bed
And I could be victorious
Still the only man
To pass through the glorious arch of your head.

A visão dela, enrolada nua nos lençóis, ou o toque ora suave ora agressivo em suas costas, o deixava fraco, e essa fraqueza o preocupava, pois era a mesma fraqueza que sentiu em experiências anteriores, com outras mulheres, uma lembrança ruim de relacionamentos mal resolvidos. Ele queria ser racional, aquela mulher ali deitada, era para ser apenas alguém para servir como válvula de escape, para suas necessidades íntimas. Ele não queria se envolver, para depois, talvez ser rejeitado. Desta vez, ele queria apenas ser mais um amigo. E quando ele começa a sentir amor por aquela criatura de cabelos emaranhados pós-sexo, ele quer apenas fugir como uma criança. E o corvo um dia lhe sussurrou nos ouvidos: “Nunca mais, nunca mais”, mas ele, mais uma vez, se deixou levar. E então ele olha ela adormecida, com o peito subindo lentamente numa respiração doce e calma, e então um sorriso lhe abre no rosto.

Homem e mulher, morrendo de sede,
Na noite se sentindo tão sozinhos,
E então talvez uma xícara de chá lhe acalmem os nervos,
Ele a deseja, essa mulher, sua majestade,
E ela também o desejo, amá-lo como um rei,
Acariciar seu rosto e amar com a devoção de uma súdita,
E ele queria, toda vez que ele tirasse seu manto de rainha,
Que ele não fosse tão pesado, e quando ele lhe beijasse a face,
Ela não se sentisse tão sozinha,

Ela era sua majestade, ele era o seu rei,
E os olhos grandes e escuros dele não eram mais tão tristes,
E os olhos grandes e escuros dela, lhe contava uma história,
E os anseios não eram mais impossíveis…o medo se chamava Amor,
O tempo os ensinou, que o medo pode nos surpreender.

“Formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço com os colares.
Enfeites de ouro te faremos, com incrustações de prata.
Enquanto o rei está assentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume.
O meu amado é para mim como um ramalhete de mirra, posto entre os meus seios.
Cânticos 1:10-13”