Estoicismo de coisas monásticas e mundanas

I

Santiago estava tomando um café. Era uma noite quente, 35 graus às 20h00. Estava esperando o funcionário novo chegar. Um aprendiz. De pouco sabia da vida, mas da Morte sabia que ele não sabia era nada. A campainha tocou. Olhou pelo circuito, o rapaz miúdo, tacanho, sem nenhum estereótipo aparente. Estava mais pra um nerd, pensando bem, na segunda análise. Tomou um gole lento e saboroso do café, abriu a porta, esboçou um sorriso,

-Boa Noite Tadeu! Tudo bem? Está preparado?

-Boa Noite Senhor Santiago! Acredito que sim… Vai ser um desafio e tanto não é? Já temos algo? – disse o guri, com ares de surpresa, misturada com curiosidade e aquela pitada de medo do desconhecido, disfarçado com a fala rápida, afobada e insegura.

— Oras! Que entusiasmo! Aceitas um café, antes de ir pra sala de preparo? E pode me chamar de Santiago, tenho 35 anos apenas. Sou um jovem adulto, digamos assim!

Tadeu sentou-se na poltrona, olhou para o quadro na parede: “Ajudando na hora da partida”. Um quadro bonito, retratando um campo de lírios brancos.

— Bem melhor que crisântemos não é? – disse Santiago, estendendo o café.

— Crisântemos? Nem sabia o nome dessa flor. Pra mim, é tudo flor. Minha mãe gosta de plantas. Eu gosto de cactos. Não precisam de água, sobrevivem comigo.

—Crisântemos são bonitos, mas são flores tristes. Uma flor clichê. Fico feliz quando a coroa fúnebre não é de crisântemos. A Morte poderia ser menos clichê. Mas eu entendo: o clichê custa-nos mais barato.

—Vamos, vou te mostrar o laboratório. Coloque essas roupas de proteção, e não se esqueça das luvas e da máscara. O cheiro de formol é forte.

Desceram as escadas, na casa do fundo dava para uma garagem com 2 carros fúnebres e 2 furgões.

— Quando vamos no IML ou hospitais retirar um corpo, utilizamos as vans. Elas tem de ser higienizadas todos os dias, de preferência após a retirada do corpo. Se o cadáver estiver em decomposição, a desinfecção deve ser imediata, senão o fedor fica, e demora muito tempo pra tirar ou, nunca sai.

— Senhor, opa, Santiago, o cheiro é tão ruim assim?

— Acredite amigo. Quando sentir nunca mais vai esquecer. Ele gruda em você, é persistente. Parece atá que nossa alma fica com isso. Mas sai, com um bom banho tomado, um pouco de borra de café ou limão.

Entraram numa sala de tamanho mediano, com três macas de anatomia, uma bancada com aparelhos de infusão, uma mesa móvel com bisturi, dissecadores, aspirador nasal, tesouras, agulha e linha, um armário com produtos químicos e um rádio, que tocava baixinho uma frequência de músicas antigas. Tadeu ficou imóvel, olhando aquele ambiente branco, as canaletas de escoamento de material biológico, o líquido na bomba de infusão e sobretudo, o cadáver coberto na maca central.

— Venha, vamos preparar este corpo. – Disse Santiago, colocando um avental por cima da roupa de proteção. Tome, vista também. Vamos começar devagar.

Ainda meio paralisado, mas voltando a si, olhou para o corpo disposto na maca. Era um homem, aparentemente 45 anos.

— Este é o Fabiano. Vítima de bala perdida. Morava na região do Paiol. Infelizmente estava na rua quando começou o tiroteio entre facções rivais. A bala perfurou o pulmão, ele já tinha problema de enfisema pulmonar. A família deixou a roupa e os sapatos não quer que tire a barba, pois ele amava ela e tinha um cuidado especial com a mesma. Foi a única exigência, querem um velório simples, caixão compensado. Nada muito luxuoso.

—Vamos fazer um processo para higienização e conservação do corpo. Chama-se Tanatopraxia. Faremos infusão de soluções de formol através de uma incisão perto da clavícula, para pegarmos a carótida e a jugular e vamos introduzir uma cânula de infusão. Faremos também aspiração de cavidades abdominal e intracraniana. Intracraniana a partir das fossas nasais. Parece assustador né? Mas isso traz maior segurança para o velório e consequentemente um pouco de conforto para a família.

— Parece difícil, na verdade. O que eu vou fazer?

— Você ai massagear o corpo para auxiliar no dreno do sangue. Depois do processo, vai me ajudar na lavagem do corpo e tamponamento, para prevenir qualquer tipo de vazamento. Hoje, no processo mais complexo, vai observar. Aos poucos pegarás o jeito.

O corte necroscópico desenhava um Y no corpo. Um cheiro forte e incomum ao Tadeu, junto com o cheiro de solução de formol das bombas injetoras o faziam respirar devagar, mas o coração batia acelerado.

— Está pensando quem está aí?

— Oi? – disse Tadeu, num pulo.

— Sabe, eu sempre trabalhei sozinho. Sem exceções, desde o acolhimento da família, a venda, a preparação do corpo, o funeral: em todos esses anos, me deparo com essa pergunta.

— Não entendi, que pergunta?

— Conheço esse olhar meu caro. Você está se perguntando: “Quem realmente era ele? Será que viveu intensamente?” – disse, Santiago, com um olhar de quem sabia e viveu tudo aquilo, pois dia após dia, a Morte sempre bate na sua porta.

— Pois é… Desculpa, está certo. Só não queria demonstrar minha perplexidade. Quero ser forte, e fazer meu trabalho. Não quero que me aches um maricas. Mas isso… – disse ele massageando as mãos rígidas do cadáver – É o momento mais sórdido ao qual eu passei. Minha pergunta: Seria ele, essa pessoa boa ou má? Como lidar com isso? Dia a dia? Poderia ser meu pai, homem bom, de honra. Poderia ser um uma pessoa cruel, aqui nessa mesa!

— Independente de tudo, você sempre realizará o seu trabalho como se fosse uma obra de arte. Você vai lapidá-la. Se a pessoa era má, com o seu trabalho, você irá deixá-la muito boa.

— É complexo!

— É complexo meu caro, mas, ao mesmo tempo, além disso, filosófico, quase metafísico.

— Metafísico? Por conta dos questionamento do “além” da vida?

— Muito mais do que isso. Aqui nesta mesa, esse corpo frio é resultado de milhões e milhões de anos de evolução.

— Uma evolução explicada pela ciência, mas e a alma? Eu acredito que exista uma alma, mesmo ela a ciência não tendo explicações para o fato.

— E temos o que intriga os filósofos desde tempos antigos: a ótica do bem e do mal. O que será que este homem foi: bom ou mal?

II

— Sarah, já lestes “Admirável Mundo Novo”? – disse Hélio, enquanto tomava um gole de cerveja escura.

— Já sim, por que? – olhei pra ele enquanto colocava o molho de receita secreta, num anel de cebola de esfera perfeita.

— Lembra da cena, do enforcado, balançando, demasiadamente humano?

— Sim! Cena extremamente perturbadora. Fiquei dias pensando no corpo, balançando tal como um pêndulo e o quanto somos robóticos num mundo ao qual, deveríamos ser selvagens.

— Enquanto houver sensibilidade entre nós, estamos bem. Quando encararmos a vida como pêndulos, vamos terminar como sobreviventes na luta pela vida, cada qual a sua maneira, porque no fundo, a vida sempre foi isso mesmo: SOBREVIVER.

E então Hélio deu aquele sorriso triste de Pierrot: digno de uma cena tragicômica da commedia dell’arte, apertando os olhos daquele jeito que eu tanto amava.

Foi a última vez que eu vi Hélio.

Eu, Sarah Almeida, 28 anos, tal como um pêndulo, dei voltas, Fui uma bússola, mas por vezes vivi quase sem rumo. Meu corpo e mente foram ao sul, norte, nordeste. Esquerda, direita, centro. Ele se deteve no sudeste, numa São Paulo louca e apressada, e meus pés apontaram para o sol que nasce de frente pra minha janela, quando meu corpo parou de convulsionar de desespero.

AGORA,

Há uma fileira de formigas negras entrando e saindo pelas minhas narinas. Sinto o fervilhar de larvas brancas e macias dançando em meu ouvido esquerdo. Sinto o tragicômico pedaço de carne entalado na minha garganta. A garganta que já se entalou de anos e anos de pequenas decepções do cotidiano, mas que bradou feliz durante os momentos de felicidade. Dias atrás, derrubei gelo em meus pés quando me desesperei momentos antes da minha morte, enquanto gritava-me o desespero ao sentir-me sufocada. Tentei gritar, mas a voz não saia, o ar não entrava em meus pulmões. A casa impecável e limpa me recebia. O pedaço quente de carne tenra e saborosa obstruindo o ar que me mantinha viva.

O chão duro e frio era como a Morte me chamando:

VENHA.

III

Duas semanas atrás, antes da Indesejada vir me chamar em sua jornada solitária, a crueza do verão já não me era mais contemplativa.

Eu enxergava ao meu redor uma sordidez de sorrisos desconhecidos e alheios num misto de emoção e raiva atenuadas por uma pitada tênue, porém sagaz de emoção. Olhava meu destino no redemoinho de espuma que formava-se na dose de café forte com mancha de leite. Pedi um pão com manteiga levemente aquecido, com toda aquela gordura amarela e sorridente. Uma mordida, e minhas artérias entupindo… E eu imaginando minhas lamúrias ao longo de exames de colesterol, diabetes, triglicérides e eletrocardiogramas. O destino foi tão trágico que agora estou agonizando com o corpo decomposto largado ao chão. O piso antes branca está repleto de uma mancha marrom e preta.

Daqui a pouco os vizinhos reclamam do cheiro. Em breve. Logo vão reparar nas moscas zombeteiras no vidro da janela, e a quantidade de besouros que circulam pela casa. Apesar de morta e putrefata, sinto saudades do cheiro de café…

A saudade talvez seja a delicadeza mais triste que podemos ter. Sempre pensei nisso, quando viva.

A saudade de sentar numa cafeteria ou bar e observar a beleza e a crueza do caleidoscópio das relações humanas: lembranças, associações e detalhes, as pequenas ranhuras de um quadro que estava se formando ali, naquele momento. Os gestos, as expressões, as rugas, os olhos… Os olhos se apertando, os olhos sorrindo, os corpos se abraçando, os corpos se afastando e tudo isso me abraçando com tanta força a ponto de rasgar meus poros. É como se todas as falácias que sangram alimentassem minha vida, gritando nos meus ouvidos. Eu me refugiava nas minhas aquarelas tímidas e a cada pincelada eu construía traços que podiam servir de refúgio na minha pele. Os pássaros de Bukowski me acompanharam nas costas em forma de tatuagem aquarela. O pássaro azul trancafiado na costela do lado esquerdo. Os pássaros vermelhos das quatro e meia da manhã sempre voavam em liberdade do flanco das costas e se tornavam pequeninos em volta do pescoço.

O pássaro azul… Escapuliu com o descolamento da minha pele putrefata. Os pássaros de tom vermelho lançaram suas cores para o pecado. Estou morta. Mas ainda assim sou dura demais comigo mesma.

IV

Um dia antes de morrer, quatro horas despretensiosas da tarde, estava numa esquina observando os maxilares do motorista de ônibus se movendo com o pão cheio de vinagrete. A gordura da carne estava escorrendo pelos beiços. As mãos do churrasqueiro mexiam com a carne e dinheiro ao mesmo tempo. Os homens da construção ao lado do ponto de ônibus limpavam as bocas no antebraço. Os traços grosseiros cansados dos anos de labuta pesada, misturavam-se sutilmente com o instinto mais primitivo: a fome. Eu estava ali, parada e quieta nas minhas observações com um berro tresmalhado, uma virulenta congestão causada por um mero axioma da vida, com um alívio de culpa. Culpa por que? Oras, eu julgava a pausa merecida do motorista de ônibus, que pediu dois espetinhos e pediu para colocar num pão velho com vinagrete. Comeu com um sofrimento que doía, pois os olhos se fechavam quando a boca se abria inteira para devorar o pão e os poucos minutos da pausa merecida.

Estava ali um homem simples, com uma gratidão que não cabia dentro de si. Ele subiu no ônibus, cumprimentou cada passageiro cansado e suado da labuta de todos os dias. Cada corpo cansado e intoxicado do sol que insistia em provar sua existência. O sol que aquecia o corpo daquelas pessoas, era o mesmo cujos raios entravam pela janela e tentavam, em vão, aquecer meu corpo gelado e sem vida no piso na sala de jantar. A única coisa que me olhava, era um girassol sorridente no parapeito da janela.

Enquanto uns amaldiçoavam o verão, senhoras com traços brandos e alegres diziam que a tarde estava perfeita.

Perfeita… Quais nossos critérios para a perfeição? Lembro-me de que anos atrás, numa conversa despretensiosa com cerveja e batata frita, um amigo dizia em ares de contemplação:

“Porque ela era perfeita. Um ser intocável, loiro, olhos claros, shorts jeans e uma camiseta do Superman. Ela queria passar e eu estava no seu caminho. Ela me pediu com doçura: Com licença.”

Ela era perfeita. PER-FEI-TA. Os lábios dele se mexiam como se estivesse soletrando. E eu pensava se aquilo, aquela contemplação era de fato uma felicidade clandestina ao qual eu nunca tive. Uma felicidade clandestina unicamente dele, mas ele estava lá, dividindo comigo essas pequenas ilusões e devaneios, essa espécie de Amor Inventado, um Amor platônico que sustenta por anos. Talvez um dia, quando lhe baterem à porta e chamá-lo de volta, ele abandone aquele amor inventado de um metro e sessenta.

SESSENTA…

V

Sessenta besouros nascendo de minha boca e orifícios agora. Sessenta dias atrás pensei num poema do Augusto dos Anjos Eram 18h30 e horário de verão… Da janela do ônibus durante o trânsito caótico da cidade vi uma mulher aparentemente grávida fumando crack. Era um local conhecido por toda sordidez de acontecimentos mundanos da cidade. Com vestes sujas e mãos trêmulas, acendia um cachimbo improvisado. A cada tragada eu saia da minha introspecção e sentia meus pulmões queimarem. Eu sentia a dor dela, de alguma forma muito íntima, era como se eu também fosse um ser jogada à sorte do próprio destino, e agora, tal como ela, apodreço no chão da minha própria casa, com toda a impertinência de um abandono, exceto as bactérias e toda variedade de insetos necrófilos fazendo de meu corpo seu alimento e uma espécie de útero gigante. Da morte nasceu a vida: milhares de insetos carregando o meu DNA. E aquela mulher das 18h30? Qual era seu alimento? Qual seria sua morte? Ao lado dela um velho de costelas protuberantes quase que perfurando a pele, comia uma marmita com as mãos, pegando os grãos de arroz e feijão com as pontas dos dedos, mastigando de maneira afoita. A mulher que carregava um filho no ventre estava totalmente fora de si. Acendia, puxava, soltava. Delirava. E a criança gritava, dentro daquele ventre como se implorasse para sair dali. Um grito ensurdecedor, um corpo talvez já morto, tal como o meu, mas que não estava em paz. E o homem que engravidou aquela mulher? Foi amor ou apenas um escarro de violência, de esperma bruto, cruel e insensível? A dor que rasga as genitálias num ato de prazer não consentido. Quando na vida o prazer podia ter tudo para ser lindo, a sordidez da bestialidade humana dá um sorriso, e escarra…

“Escarra… Escarra nesta boca que lhe beija”, dizia Anjos.

Uma cópula forçada nas vielas da grande cidade. Ela estava lá, sozinha, tentando ter uma falsa paz teleguiada causada por pedrinhas amarelas venenosas e traiçoeiras. O velho da marmita escarrou no chão, limpou as mãos engorduradas na bermuda rasgada e entregou parte da marmita para a mulher grávida. Alucinada e quase paralisada, exceto pelas mãos trêmulas. Retribuiu um sorriso agradecido ao velho das costelas protuberantes. Foi o sorriso mais delicado e perturbador que eu já vi, nos cinco minutos de trânsito que foram uma eternidade dolorida.

VI

Na casa ao lado da minha uma mulher reclama do cheiro. Diz que há dias sente cheiro de “bicho morto”. Somos reduzidos a isso: bichos. Os jornais e correspondências se acumulam na minha porta há dias. Na primeira semana de minha morte, a vizinha da casa ao lado varreu minha calçada. Ninguém sentiu minha falta, o telefone tocou, mensagens chegaram, devem ser mensagens preocupadas, mas e as visitas? Cadê o “bater em minha porta”? Cadê a preocupação de fato? Como eu poderia dizer que estou ali, trancada e sozinha, esperando por um pouco de atenção e um velório com caixão aberto, para que possam olhar para meu rosto e dizerem o clichê: “ela era tão nova e bonita”, “para morrer, basta estar vivo”. Nenhuma mulher… Nenhum homem. Nenhum homem que eu amei.

Já amei muito nessa vida, já amei muito poucos homens. O pouco no muito. O muito, no pouco. Já amei muito os relevos que formam a tatuagem desenhada no peito e no antebraço. Duas cicatrizes artísticas que resumiam em cores e traços o homem deitado ali, que me ligava uma e meia da manhã querendo me ver. Falácia. Mentira. Não amei, mas fingi que amei. No primeiro acorde de uma canção desafinada eu fui embora sem olhar pra trás. Ele era cheio de acordes desafinados e cordas arrebentadas. Cinco minutos depois ele colocou uma foto de um outdoor em forma de guitarra paralelo à lua cheia que estava no céu. Era apenas a Lua e somente ela que ele amava. Essa coisa brega. Fui embora sem olhar pra trás. Ele nem sequer notou minha presença, mas o relevo das tatuagens dele, ainda permanecem na ponta dos dedos, não como uma lembrança, mas como um erro.

Já amei um homem que tinha olhos gentis e um abraço acolhedor. Uma mente brilhante e um olhar gentil. Mas foi platônico. Um velho amor de tempos de pré-puberdade, reencontrado anos mais tarde, mas que nunca foi real, via de fato.

Já amei um homem ao qual eu fui apenas um pequeno grão de areia existente em seu imenso planeta chamado “cama”. Entre uma canção e outra, fui apenas uma nota solta e esparsa.

Já quase amei um homem, mas gostei mais do guarda-chuva dele, ao qual nunca mais devolvi. Ele também nunca mais voltou. Estamos quites. Ao menos tenho como me proteger da chuva.

Já amei um homem que cantava murmurando no banheiro da pousada de nosso romance de 2 dias. Um romance de dois dias ao qual eu olhava aquele homem cheio de inseguranças, encolhido como um feto. Fiquei na penumbra encostada na parede tentando entender toda aquela dinâmica de amores, desamores, política, educação e toda a modernidade tão líquida quanto o copo de água que em vão, foi uma tentativa falha de salvar-me do pedaço de carne traiçoeira. A carne que peca, que se contraí, tal como um copo de cólera, nos dá aconchego porém nos adoece. Tal como um lobo das estepes, à procura de alimento. Penso nos pecados da carne metaforizados na figura de um lobo: o lobo rastejando e arranhando a presa. Sentimos a dor, os uivos, ficamos cegos, pois o Lobo em sua fome nos arrancou os olhos, nos umedeceu com sua língua, nos enrijeceu com seu toque. Paramos. Nos lamentamos. E dizemos: “Nunca mais”. O tempo passa, e o Lobo está lá, na espreita, sempre com fome, com seus olhos brilhantes na penumbra. As cartas de amor se extinguiram, palavras de ceticismo tomaram seu lugar, num mundo mesquinho cheio de desespero e incertezas.

Alimentei meu ceticismo e pecados da carne mal sucedidos…

Com álcool.

VII

Displicentemente, tal como uma criança implorando por doce, afogava minhas maledicências diárias em um copo de uísque sem gelo. Descia garganta adentro, queimando. Calhamaços e mais calhamaços de lamúrias, piadas de humor negro e ossos do ofício ecoavam no boteco do bairro. Havia ali uma disputa entre poucos amigos. Quem bebia mais? Vira um, vira outro… E a conversa rolava solta, entre risos alegres e etílicos. Quando bebia sozinha, os monólogos eram ao mesmo tempo, incríveis e enfadonhos. Sozinha, eu não gostava de falar muito. Sou excelente ouvinte, péssima em dar conselhos. Ouvia meus monólogos internos. Jamais respondia, porque não sabia o que dizer.

— Parei de beber. Mas voltei. – disse Fábio, depois de pedir um velho Jack.

— Porque? Pensei que você era mais forte que eu. Que bom, não aguentava mais te ver com seu copo de água com gás, gelo e limão.

— Pensa pelo lado bom! Você voltava pra casa com segurança. Eu era o sóbrio da história toda. Teve aquela vez, que eu abri a porta pra você. Sua coordenação motora estava pior que o normal—rindo, de canto de lábio.

— Bullshit! Você sempre conta essa. Sempre consegui abrir portas. Mas me conta, porque voltou pra essa vida de boemia?

— Ser professor é complicado. Fiz uma proposta aos alunos. Pedi para representar um ponto de vista sobre a violência urbana usando literatura.

— Ótima proposta, mas o que lhe atormentou tanto a ponto de em menos de 5 minutos já ter matado mais da metade da dose de uísque?

Fábio pegou a pasta, tirou uma folha de caderno. Lá tinha o nome do aluno, série e data. O texto, cercado de rabiscos e desenhos aleatórios, era cercado de erros crassos de português. Olhei a série,

— Segundo ano do ensino médio?

— Sim. Mas leia o texto.

O texto falava de um jovem na comunidade. O funk rolando adoidado, a polícia também.

“Varios carro de som tudo tocano mc zax e jerry” (sic)

Ai a b.a.e.p pia… dano tiro de boracha ai acerta na perna se corre mancano locão a b.a.e.p passano por cima dos outro os mlk caino de moto sangue pra todo lado”

Me encolhi na cadeira. A princípio, me deu horror os erros crassos de português. Era o horror aos ossos do ofício, horror da ignorância alheia, horror à falta de perspectiva de tentar sair do que era comum. Depois me deu outro desconforto: o que estava escrito ali era muito mais horrível do que o analfabetismo em si, e talvez as falhas de um sistema educacional. Bebi outro gole de uísque. Olhei nossos copos então quase vazios. Chamei o garçom. Ele encheu os copos.

“os mano da tiro leva tiro da facada leva facada e tudo numa boa. isso e a violencia.

ass: cachorro”

– Os mano da tiro leva tiro da facada leva facada… E TUDO NUMA BOA. – disse Fábio. – Tudo numa boa.

– Ok. – coloquei o papel na mesa. Suspirei, retornei pra minha zona de conforto, que já não era mais a mesma.

– Um brinde! – ergui o copo

– A que? – disse Fábio, erguendo o copo e parando poucos centímetros antes do meu.

– Ao estoicismo do seu aluno, tão resignado em aceitar seu destino e a nós que não sabemos levar tudo numa boa.

– Zenão era um cara meio louco não é? – disse ele ao tilintar nossos copos.

Também foi a última vez que eu vi Fábio.

IX

Tic-tac Tic-tac tic-tac

Há 15 dias eu escuto os segundos do meu relógio passarem. A vizinha viajou, meu quintal ficou sujo. Meu telefone tocou e eu não atendi. Eu trabalhava em casa, como tradutora e revisora. Estava sem trabalho, mas com dinheiro suficiente pra passar razoavelmente bem durante um mês, ou talvez dois. Uma vida tranquila, mas sem muito luxo. Estava pensando em chamar Fábio e Audrey para uma noite de conversas despretensiosas e a base de uísque barato, mas me engasguei antes de mandar a mensagem.

Meus pais morreram em um acidente de carro, quando eu tinha 23 anos. O caixão foi lacrado. O meu também vai ser. Meu rosto corpo está inchado, com uma coloração horrível. Dificilmente vão conseguir limpar esse lugar. Meu cheiro, minha morte, minhas larvas, minhas moscas… Estão por toda parte. Provavelmente meu braço descolará do meu corpo quando me jogarem dentro da padiola e por fim, uma voltinha no rabecão.

– Relaxa, pra tudo nessa vida dá-se um jeito! – Audrey sempre me dizia isso, quando eu estava na merda.

Mas agora estou numa merda sem volta.

Olha só. Pancadas na porta. Primeiro foram toques de campainha, primeiramente calmos, depois sem a paciência de antes. Quem seria? Quem estava ali?

Sarah??? Sarah?? Você está aí? Responda Sarah!

Era o Fábio. Ele vai se transformar em um alcoólatra inveterado depois dos próximos cinco minutos.

XI

—Caramba esse cheiro! Argh! – disse Fábio, respirando com o nariz nas dobras do braço.

—Ela tem animais em casa senhor? – disse uma voz.

— Não, mora sozinha. Ela era bem reservada, às vezes sumia, mas sempre dava notícias.

— Vamos ter que estourar a porta, saiam de perto. – disse o policial, pedindo pra Fábio e o vizinho que não sei o nome saírem de perto.

Porta estourada. O vizinho ao qual eu nunca conversei deu um grito. Fábio não gritou. Se encolheu num canto, com as mãos no rosto. O silêncio nunca foi tão perturbador.

A mosca que nasceu dentro do meu corpo, carregava meu DNA e deu seu último adeus, pousando nas roupas pretas de Fábio. Ele estava ali, no canto, encolhido como um feto que acaba de sair de dentro de um útero, tremendo e chorando como uma criança, observando meus fragmentos espalhados pelo piso gelado. Estava eu ali, despedaçada, na luz tranquila que atravessava o vitrô. Era minha densidade, minha libertação. Os meus cacos espalhados ali, formaram o meu mosaico, e ele tinha um milhão de histórias pra contar. Já não estava mais trancada neste mundo de coisas monásticas e mundanas. Eu me libertei de minha cela.

Um brinde Fábio.

Cheguei ao ponto final do meu estoicismo. Extirpei minhas paixões, abracei minha razão. Aceitei meu destino.

XII

— Chefe… – disse Tadeu com cara de quem chupou um limão azedo.

— É difícil lidar não é? – o cheiro, a situação. Morrer em casa, uma morte mesquinha, causada por hábitos do dia a dia.

— O rapaz disse que ela quer ser cremada. Colocaremos bastante pó de grafite, cal e então lacramos o caixão e mandamos pro crematório. – disse Santiago, enquanto batucava no volante do furgão, esperando o semáforo dar permissão de avanço.

— Que triste. Morrer sozinha. E só perceberem por causa do cheiro. Ela devia ser uma mulher detestável. Quem era Sarah Almeida? – disse Tadeu, passando um pouco de Vick Vaporub na narina, para disfarçar o cheiro pútrido do cadáver de Sarah.

— Olha caro aprendiz… Presenciei muitos suicídios, mortes mesquinhas, ao qual as pessoas eram muito solitárias, mas sempre tinha alguém no velório, ao mesmo tempo que já realizei um funeral de uma pessoa que não valia nada e mesmo assim, do meu bolso, coloquei uma roupa nela. Mas, hoje, eu não consigo mais realizar um pré-julgamento de alguém que morreu sozinho. Não sei mais lhe dizer se a pessoa era boa ou má. Talvez a questão mais pertinente é se era feliz ou triste. Existe alegria na maldade, existe tristeza nas pessoas boas. Aprendi isso com nossa profissão.

Tadeu concordou com a cabeça, ligou o sistema de ar, Passou mais Vick nas narinas, pegou um chiclete no console.

— É pesado não é? Como conseguimos suportar tudo isso? Minha irmã morre de medo de morrer sozinha. Ela tem pesadelos ao qual volta do trabalho e encontra a casa sem móveis, com o vidro das janelas pintadas de preto, com muito mofo na parede. Quando ela entra no quarto, ela se vê morta no chão. Isso entra em conflito com a opção dela não querer casar e ter filhos. Eu sempre peguei no pé dela, pra ela ter filhos, ter um marido, mas sabe aquela vez que fomos no asilo São Vicente? Dois cadáveres de uma só vez. Eles tinham filhos que nunca mais foram visitá-los. Morrem de depressão e abandono. Parei de brigar com ela. Ela seguirá a vida dela, e o que tiver de ser será. Acho que essa profissão me deixou frio como uma pedra de gelo.

— Asilos são depósitos. Uma ode ao individualismo contemporâneo, à falta de gratidão. Não nos tornamos frios Tadeu. Tornamo-nos racionais demais.

— Chefe… Me lembro que um dia você disse que nosso trabalho era por deveras filosófico. Ontem minha namorada me perguntou se eu acredito que exista algo depois da Morte.

— O que você respondeu?

— Teria importância se soubéssemos o final da história antes de terminá-la?

— Eu penso assim também. Tudo o que eu tenho são minha esposa, minha filha, quatro cães e minha bicicleta. A funerária é nosso sustento. Sou órfão de pais, passei uma boa jornada na solidão, beijando suicídios, afundado em drogas. Mas eu saí. Se eu morresse agora, morreria feliz, pois além de não estar sozinho, sei que deixei algo de bom. Eu não vivi em vão. Se estamos neste planeta, temos de fazer barulho, e não apenas respirarmos. Isso me lembra Ouro de Tolo:

Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes  esperando a morte chegar.

— Sabe o que estava escrito no quadro da parede da sala da moça? – disse Tadeu, enquanto olhava as mensagens no celular.

— Não vi. Na verdade tenho o costume de não reparar muito em objetos de decoração da casa dos defuntos. Mas o que estava escrito? – disse Santiago, rindo.

— Enquanto houver sensibilidade, entre nós, humanos, estaremos vivos.

Silêncio.

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Death Contemplating Life – David Ho

PS: O título foi retirado de um trecho do livro “Um copo de Cólera”, do escritor Raduan Nassar, um dos meus livros favoritos.

Agradeço ao amigo Marcos da Silva, profissional da área fúnebre, pela nossa conversa numa manhã de sábado, ao Wagner Galesco e suas experiências com a docência e aos amigos que me deram força para voltar a escrever num momento tão difícil.

Rêveries de l’aube en français

(Publiquei, porém estou aos poucos aperfeiçoando o texto em francês, com a ajuda da Aline Pascholati, que mora em Paris há um tempo! 😀 )

J’ai vendu mon sourire à l’aube insomniaque . Je voulais fermer mes yeux ce soir et me réveiller en rêvant encore des bisous des intempéries dans la caresse de la nuit, mais le temps c’est passé, et il pourrait revenir d’un claquement de mes doigts… Mais la vie n’est pas comme ça, la vie est pleine de raisons, les personnes impliquées dans les vérités les plus amples, ou les raisons qui nous apportent des mensonges ou des demi-vérités, on est tellement à l’aise dans l’incertitude, qui nous caresse l’âme, pour masser notre égoïsme… Nous sommes si petits! Avale notre désamour et embrasse les mensonges confortables. Donc, c’est celle là ma vie ? Je vois les glissements du temps à travers mes minces doigts, et il n’y a rien que je puisse faire.

J’observe le grains d’un vieux sablier, je peux attendre que l’aube vienne et m’apporte les réponses, celles dont je sais que je ne suis pas seule dans les rêves d’aller et venir, dans l’espoir d’une lettre à la main, mais je suis une sotte… Je l’espère pour le bien des causes perdues, les moulins étant quand à eux des dragons ou pas, ma lutte se poursuit, jusqu’à ce que je meure … Aujourd’hui? Demain? Peut-être, honnêtement? Je ne sais pas, et le doute est l’avantage de l’incertitude

(Eu vendi o meu sorriso no insone amanhecer. Queria eu fechar os olhos nesta noite e acordar ainda sonhando com os beijos de intempéries na carícia da noite, mas o tempo já foi, e ele poderia voltar no estalar de meus dedos. Mas a vida não é assim, a vida é cheia de razões, as pessoas envolvidas nas verdades mais amplas, ou razões que nos trazem mentiras ou meias-verdades, encontra-se a incerteza tão confortável, que acariciam a alma, para massagear o nosso egoísmo. Somos tão mesquinhos! Engula o nosso desencanto e abrace as mentiras confortáveis​​. Portanto, esta é a minha vida? Eu vejo os deslizamentos de tempo através dos meus dedos magros, e não há nada que eu possa fazer.

Observo os grãos de uma velha ampulheta, posso esperar o amanhecer chegar e me trazer respostas, aquelas que eu sei que não estou sozinha nos sonhos de ir e vir, na esperança de uma carta na mão, mas eu sou uma tola… Eu espero por amor às causas perdidas, os moinhos sendo eles dragões ou não, minha luta continua até que eu morra… Hoje? Amanhã? Talvez, sinceramente? Não sei, e a dúvida é o benefício da incerteza.)

Abaixo, uma canção francesa do século XIV, de amor cortês:

Incêndio

“Caminhamos ao encontro do amor e do desejo. Não buscamos lições, nem a amarga filosofia que se exige da grandeza. Além do sol, dos beijos e dos perfumes selvagens, tudo o mais nos parece fútil. Quando a mim, não procuro estar sozinho nesse lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles que amava, e discernia em seus traços o claro sorriso que neles tomava a face do amor. Deixo a outros a ordem e a medida. Domina-me por completo a grande libertinagem da natureza e do mar.” Albert Camus

Chamas. Naquele acampamento do auge de meus quinze anos, eu via as chamas dançando enquanto a batata com fondor (aquele pó amarelo que segundo a lenda, “amacia” carne), assava na fogueira, envolta de papel alumínio. E eu aprendi, que se você esquentar a água com uma pedra dentro, a temperatura se mantém como uma garrafa térmica. E me perguntam, “não seria mais fácil ter levado uma garrafa térmica?”. Sim, seria, mas eu penso que o ato falho do esquecimento da bendita garrafa, nos faz voltar a um estado primitivo. Tem gente que odeia acampar… “Onde vou conectar minhas máquinas? Ou ainda, existe camping com energia elétrica, já vi gente levando o grill, aquela coisa que só faz sujeira e deixa a comida borrachuda ou máquinas de fazer pão. Muitas vezes queria fugir para um lugar onde não existissem tantas máquinas de fazer coisas. Penso que daqui a pouco teremos máquinas que vão sorrir por nós.  Algo como uma tela com um visor, e várias opções:

  1. Bom dia!
  2. Boa Tarde!
  3. Boa Noite!
  4. Tudo ótimo!
  5. Sim, muito! ( aquele sorriso de concordância, sabe?)
  6. Tudo bem!E você?
  7. Tive um lindo final de semana
  8. Eu te amo!
  9. Sou feliz!
  10. Que dia lindo hoje!
  11. Tenho dinheiro na conta! (mentira, você está no cheque especial!)

Acordaremos de manhã, faremos nossas tarefas por vezes odiosas, tal como sair da cama, arrastar-se até o banheiro e começar a amaldiçoar o dia desde as seis horas da manhã, e isso se torna insuportável desde a segunda-feira. Normal, estamos sempre reclamando, jogando o celular na parede quando ele não para de despertar. Imagino nossas cabeças explodindo junto ao nosso ódio das passagens do tempo, junto com nossas convicções de que estamos ficando velhos. Sendo assim, viveremos com nossa máquina de sorrisos, talvez um aplicativo no celular que manda sinais para algum chip implantado nas nossas cabecinhas perturbadas, algumas bem ocas, só com o eco do vento entrando pelas têmporas e saindo por outro lado. Vamos emular sorrisos eletrônicos! Bons eram os tempos de criança. Criança não tinha a maldade de simulação…

Parece que pintamos uma fotografia daqueles tempos de criança sem compromisso, sem malícia e aquela perspectiva de que a vida seria uma eterna brincadeira, ou como os filmes da TV. Eu me lembro de que sempre quis viver uma aventura, brincar de pirata, e nunca mais envelhecer. Um sonho na Terra do Nunca. Crianças e seus sonhos… Um dia, eu queria ser caixa de supermercado. Na minha cabeça de criança, eu imaginava que todo aquele dinheiro que entrava no caixa, seria todo meu. Eu achava que as caixas de supermercado eram donas de tudo e moravam em suas confortáveis casas com uma piscina no quintal. Eu tive um amigo que dizia que seu sonho era ser coletor de lixo. Ele pegava os sacos de lixo escondido da mãe e espalhava no quintal, alguns com brinquedos dentro, e outros ele pegava da lixeira.  Tinha um triciclo azul, e andava pelo quintal, apanhando os sacos, colocando nas costas e levando até a lixeira. Quando o caminhão de lixo passava, saía no portão e olhava emocionado para aqueles homens que corriam atrás do caminhão. E sempre ele mandava “tchau” para os coletores que passavam no portão. No final do ano, ele pegava parte de suas economias, e entregava para os coletores, que passavam nas ruas, fazendo festa. Ele me contou que um dia, ao entregar o dinheiro para um deles, ele disse com um sorriso que quando crescesse, ele queria ser “catador de lixo”. O coletor sorriu, e quase chorou, porque aquele menino de cabelos bagunçados e boca suja de chocolate, dizia que se sentia orgulhoso, e não ligava para o cheiro ruim do caminhão de lixo. No meio de tantas pessoas passando e tampando o nariz, estava ali um ser que nunca deixou de cumprimentar ou dizer “Boa Tarde”.

“Não queira ser lixeiro bom garoto!Promete?”

E então o coletor saiu, correndo atrás do caminhão e olhando pra trás, deu um sorriso para o garotinho com ares de incógnita, parado no portão, com o cachorro louco correndo e latindo no pequeno jardim que havia na casa de infância. Para ele, não importava se a mãe dizia que aquilo era serviço de quem não estudou para ser alguém na vida. Aquele garotinho que mais tarde se tornou meu amigo e contamos nossos sonhos de criança numa mesa de almoço corporativo, não conseguia imaginar a sobrevivência em um mundo cheio de lixo. E nesse nosso mundinho de chorume, eu penso que acordaremos, e vamos escolher num visor a opção de sorriso. Sorrir dá trabalho, existem máquinas de fazer arroz, máquinas de fazer sanduíche, máquinas de fazer café… Enfim, máquinas. Hoje eu apertaria o botão: “Sorriso sarcástico com ponta de ironia”, mas a máquina de sorrisos apenas simula sorrisos de felicidade. No mundinho de lixo, acordamos emulando “sem querer querendo” sorrisos de felicidade, apenas para agradar, e evitar perguntas desnecessárias. Hoje, simulamos que somos correspondidos, por mais que nosso Amor nem nos olhe na cara ou que se preocupe com você da mesma ou na mínima maneira como você se importa,  ou quando dizemos “Bom dia”, “Boa tarde” ou “Boa noite” às pessoas e as desgraçadas não respondem, quando nos sentamos no banco de terminal de ônibus, cansados e introspectivos, com fone de ouvido ou um livro… Ou os dois… Chega sempre alguém querendo conversar, e você quer apenas fugir dali, mas sente-se obrigado a ouvir ou expressar um “É…”, “Hummm”, “Legal”, “É mesmo” na conversa. E quando chegamos finalmente em nosso lar, podemos pensar o quão nós somos mesquinhos. Já dizia Renato Russo, estamos mergulhados em nossa arrogância, esperando um pouco de atenção, sabe? Aquela que não damos aos outros. E eu vou lá, emular o meu sorriso de “Estado de Felicidade incondicional”, mas na verdade, estou com olhos de saudade, e um sorriso de lábios secos. Sabe? Arrogante, esperando um pouco de atenção e todo Amor do mundo para incendiar…

Garotinha à toa

Garotinha à toa

Era o alvorecer no horizonte. Fez-me calar em todas as esferas de razão, olhos perdidos, na vastidão de pensamentos que caem no chão, recolhidos pelos pássaros em busca de comida. E o que dizer? Pássaros comem pensamentos? Não querido, isso aqui é apenas uma metáfora perdida em um texto escrito num feriado de nuances. Parou de chover lá fora, e o sol ameaçou surgir timidamente ao longo das quatro horas da tarde. Em dias de preguiça, até o sol anda rabugento, tímido, aparecendo forçosamente sem querer. E ele dourou a pele daqueles que caminhavam em volta da lagoa, enquanto os patos atravessam com jeitinho engraçado. As pessoas corriam e se dispunham a sorrir e diminuir o passo. Sabe o que é isso, aquilo que falamos de manhã, o prazer nas pequenas coisas. Quando vou ao parque, gosto de voltar depois do entardecer. Sinto-me bem, acolhida nos últimos raios de sol do dia.

Acordei hoje e fui caminhar. Caiu uma garoa fina, mas quando eu cheguei a minha casa, um banho quente e cheio de ternura tirou-me daquele cansaço da caminhada em passos apressados. Tomei meu café da manhã bem tarde. Dias chuvosos pedem uma preguiça e uma falta de disciplina justificável. Fiz meus pães com manteiga na chapa e meu velho e bom café com leite. Gosto de minha vida simples, sem cobranças, fazendo o que eu bem entender. Seria isso um privilégio? Ou esse meu privilégio me tornará uma pessoa amarga que não suportará conviver no mesmo teto com outra pessoa? Serei eu uma pessoa ranzinza? Egoísta… É o que dizem das pessoas que moram sozinhas. Dizem que elas se fecham em um mundo só delas, e ficam alheias à mercê da própria solidão, mas há pelo menos o que chamam de ócio criativo. Vi um dia desses, uma matéria que disse que as pessoas que vivem sozinhas são mais criativas. Realmente? Não sei dizer, mas lhe digo, não sei escrever no caos. Gosto do silêncio, mesmo que ele seja invadido por pequenos sons de gotas de chuva caindo lá fora. Gosto de devanear sobre as gotas cálidas de chuva que escorrem no vidro de minha janela. Gosto de tomar chá enquanto escrevo ou leio um livro. De vez enquanto invento alguma receita maluca de café. Um dia fiz um cappuccino com notas aromáticas de laranja. Frequentei muitos cafés, levei comigo algumas receitas para minha eternidade imersa em cafeína e brincadeiras insones.

E minha mãe pega no meu pé às vezes, dizendo que eu desapareço. E eu digo, entenda mamãe… É a natureza de minh’alma. Ela clama pelo ar fresco dos dias comigo mesma. Disseram-me que eu penso demais, o tempo todo, e que isso faz mal. Fui diagnosticada com hiperatividade. Sofro de insônia pelo simples motivo de não conseguir me desligar. Quando fecho os olhos, sonho com a pessoa que eu amo, doente numa cama de hospital de paredes psicodélicas e clamando por um gole de café. E eu, com meu coração tão mole, desobedeci as ordens médicas e levei a ele um bule cheio de café, e ele levou aos lábios, segurando a xícara bonita e azul com as duas mãos, cheias de marcas de agulhas impiedosas. Deu-me um sorriso e me apertou a mão num gesto de carinho, depois de dar um belo gole de café e não conseguir segurar a xícara por muito tempo. Entram as enfermeiras chutando a porta me chamando de assassina. Devem ter sentido o cheiro do café no corredor. Confusão criada… Lembro-me do rosto de meu amado num sorriso de satisfação com misto de ternura e um pedido de desculpa pela confusão criada. Eu me pergunto… O que significa sonhar com uma pessoa que está com Dengue e não pode tomar café? E eu me recordo do aroma do café no quarto do hospital, e o meu amável doente moribundo me perguntando o motivo daquilo tudo. Eu poderia procurar o sentido em meus livros de Jung e Freud, mas prefiro ficar com o meu significado. Conhecimento pode ser um belo estraga – prazeres… Quero viver o meu prazer.

Sou uma garotinha, sim, minha querida mãe. Sou uma garotinha em corpo de mulher de 25 anos, rabugenta e que se sente velha, muitas vezes. Estava pensando em correr atrás de minhas coisas. Ter uma casa com quintal, começar a comprar meus móveis, minha própria cama, minha estante abarrotada, um quintal com flores, gramado, lençóis brancos secando no varal, mais tarde rasgado e sujo pelo meu cão ou meus cães. Adoro animais, gosto de flores, queria deitar no gramado e ler histórias, colher laranja e descascá-la. Pegaria as cascas e usaria de adubo em minha própria horta. Esse estilo de vida que aprendi com meu querido pai. Hoje sou uma garotinha que acha um absurdo pagar 2,50 no quilo da banana. Quando eu morava com meus pais, a banana era colhida no fundo do quintal. Eu não quero muitas coisas. Sou uma mulher simples. Queria um amor pra vida toda, sou aquelas que vivem o ideal de que quantidade não é qualidade. Amei poucos homens, minha vida amorosa não é movimentada. Mas aqueles que eu amei, carrego no peito uma lembrança doce e cheia de ternura, mesmo nas brigas e tudo aquilo que nos fez separar. Meu Amor não morre, levo comigo, junto ao peito, e a única coisa que eu queria era poder sair de manhãzinha e levar meu velho cão pra ir passear. Passar numa padaria e trazer pães quentes e fresquinhos para meu amor, que acordaria, tomaria uma ducha pra despertar. Eu prepararia um café, e ainda levaria quando ele saísse do banho com a toalha amarrada na cintura. Iria rir dele quando saísse do banho tremendo os lábios. Se estivesse de mau humor, contaria alguma piada que eu li no jornal que o espera na mesa do café. Colheríamos amoras para fazermos geleia. Nem sei se ele gosta de geleia, mas eu faria mesmo assim. Nem sei nada de meu futuro, mas independente do que seja, é o que eu gostaria de fazer. Não almejo grandes sonhos. Queria apenas minha casinha com quintal de flores e pés de fruta, um escritório com meus livros e minha escrivaninha. Talvez a maior utopia disso tudo seja ter isso vivendo apenas da escrita. Sou apenas uma garotinha à toa, com meus devaneios noturnos de feriado de outono. Garotinha à toa nos meus sonhos tão singelos. Amarga é a escuridão sem estrelas. Em meu céu, tem lugar pra todas elas. Inclusive você, garotinho à toa…

Escritos de terminal de ônibus.

Saí hoje de meu trabalho com meus velhos fones de ouvido, viajando nos instantes das notas musicais. Gosto de atravessar a passarela da rodovia, depois de um dia cheio de trabalho. É uma forma de paz, de missão cumprida, não importando o tempo de mais ou tempo de menos que eu passei no meu trabalho. O simples fato de ter atravessado aquela passarela, significa que foi mais um dia de labuta. É uma forma de gratidão incontida, o vento batendo-me no rosto, os carros passando lá embaixo em velocidades variadas. Às vezes eu paro e fico olhando a movimentação, as luzes amareladas, a cidade no horizonte, e coloco-me a pensar no meu dia, nas minhas vitórias, meus fracassos, meu Amor, e também, nos dias que virão. Esses dias futuros, eu os encaro como uma probabilidade. Uma probabilidade que possa acontecer ou não, pois os dias futuros, na maioria das vezes é focalizado em nossas mentes pensativas, como um sonho a se realizar, e nós não temos controle nenhum no nosso destino, pois se fosse assim, acredito que ninguém teria dificuldades nessa vida, pois nós controlamos nosso destino. Ninguém quer ter o destino de morrer atropelado por um caminhão desgovernado. Essa coisa de destino, faz-me lembrar de minha avó, que está internada e em coma num quarto de UTI. Ela sempre nos dizia que passaria dos cem anos, porque ela vivia a base de feijão, farinha, banana, pinga e cigarros. E quando ela fosse morrer, ela não sentiria dor, pois ela morreria dormindo. Quem vai poder nos dizer, que ela sofreu?Depois de um AVC, pneumonia e infarte, logo levada inconsciente para o hospital, sem ter o poder de dizer o que sentiu…Teria ela, mulher de 75 anos, que nunca foi internada em uma hospital, realmente não sentido dor?

Confesso que tomo consciência, de que alguns dias nunca virão me saudar com o amanhecer na janela. São aqueles dias de utopia, aqueles sonhos que nós almejamos,. O que sabemos nós, meros mortais, meras incógnitas que não é compreendida nem por nós mesmos, o que nós temos controle do nosso destino?Mesmo que ele seja onírico, os sonhos que carregamos conosco nem sempre é realizado, ou quando são, não são iguais aos contos de fada. Sim, podemos nos surpreender? Pode ser algo que não imaginamos, ou algo melhor ainda do que achávamos que fosse, mas sempre, SEMPRE ficará a dúvida…Minha mãe sempre diz, que na dúvida, fique sempre com o benefício dela. Sejamos otimistas, mas um pouco de pessimismo é ter os pés fincados no chão. Temos que nos permitir delirar em sonhos, mas lembramos que para um sonho se realizar, temos que ter as raízes bem plantadas no solo, mas, árvores também morrem, mesmo aquelas que são regadas todos os dias. Talvez nossa luta, seja cega, surda e muda, nossos sonhos sejam apenas um escopo de projeto que chegou em deadline. Lutamos, lutamos, lutamos, mas a luta chegou ao fim. Vamos enterrar nossas espadas na pedra. Talvez vamos voltar mais tarde, retomar nossa luta, ou esperaremos que alguém retire a espada cravada na pedra da derrota, vamos esperar, tem pessoas que esperam, de braços cruzados, sem mover a bunda da cadeira. Vivem na comodidade de não fazerem porra nenhuma e se aproveitar do sonho dos outros. Enfim, é apenas mais um desabafo escrito à mão, num terminal de ônibus num bairro universitário suburbano.

Quando minha pele estiver enrugada, todos os meus fios de cabelo estiverem brancos, meus olhos, tão grandes e arregalados, estiverem miúdos e caídos, ainda lembrarei dos meus sonhos que eu tive em minha vida inteira, a não ser que eu esteja debilitada demais mentalmente. Eu penso que quando eu envelhecer, no fim dos meus dias aqui nesse universo, eu vou perder a senilidade, e não saberei mais o que escrever num editor de textos, minhas mãos talvez irão tremer, e eu mal conseguirei segurar minha caneta. Eu terei um mundo esquizofrênico ou um mundo sem memórias, não reconhecerei os olhos das pessoas que eu amei ou amarei em vida. Uma vez eu ouvi uma frase, que dizia que a Morte, quando se aproxima, nos priva primeiro daquilo que mais amamos. Eu amo escrever…Talvez eu perca isso um dia, algo me privará daquilo que eu amo tanto. Penso que um dia, não terei mais a eloquência suficiente para escrever o que eu penso. É uma sensação que levo comigo, pois eu gasto tanto minha mente com minha hiperatividade, que por instantes é acalmada com um comprimido de Rivotril de meio miligrama, e mesmo com ele, nas noites que eu não consigo desligar-me de minha tempestade de ideias e indagações, ele me dá sono, e no sono meus pensamentos são transmutados para os sonhos, nas minhas poucas horas de sonhos, eu, inconscientemente ainda não atingi a minha paz.

Eu sou intensa demais para deixar uma palavra ou várias delas, passarem batido, despercebidas. Eu sou mulher demais para confessar que eu amo mesmo não tendo certeza sobre o outro lado da moeda. Isso não me mata, pelo contrário, me fortalece. Aquele que se cala perante meu turbilhão de indagações, tagarelices, loucuras e momentos de “sensatez insensata”, é aquele que me cativa. Eu gosto daquilo que me é contrário, pois me completa no sentido de me ensinar aquilo que eu não tenho. Não costumo ser silenciosa, logo uma alma silenciosa faz-me aprender a ser mais contida e menos verborrágica, no sentido não de escrever menos, mas de conversar com os olhos, sem ter que cuspir um milhão de palavras. “Dê tempo ao tempo “, sempre diz a minha amável e sábia mãe. Eu tento, desengonçadamente, não contar as horas, minutos e segundos para o alvorecer de um sorriso. A Vida ensinou-me a Amar tudo aquilo que eu carrego nela. Se a solidão e o silêncio andam comigo, de mãos dadas, eu abraço a decisão de que não poderia ser melhor, mas tenho sã consciência que a Vida é uma caixinha de surpresas, e muitas vezes nossas convicções são traídas com um belo tapa na cara, e uma cara de surpresa. A vida é uma incógnita, um sistema escalonado sem solução…Ela é bipolar, nos abraça com suas maravilhas de instantes, mas nos dá chicotadas nas costas, e elas podem ser cruéis, muito cruéis, somente o Tempo e sua Sabedoria poderão curar nossas feridas.

Eu seria muito imbecil se eu acreditasse que poderíamos ser felizes o tempo inteiro, que o Amor sempre será mútuo, que teremos um Amor para a vida toda. Nós vivemos num mundinho que instalou a cultura de que tudo é descartável. Eu acho lindo, aqueles casais de idosos que estão juntos desde a mocidade, um acompanhando as derrapadas e vitórias durante tantos anos. Minha avó diz, que o segredo das pessoas que vivem juntas por muitos anos, é que elas não tratam as pessoas como coisas descartáveis. Se há uma briga no casal, a primeira coisa a se fazer não é pedir divórcio, é sentar e conversar, e não jogar fora como um brinquedinho de plástico. Em falar em divórcio, via a dois e tudo mais, eu sou uma mulher que não tem o sonho tão clichê e simbólico de casar numa igreja e fazer uma mega festa. Hoje, o casamento é uma instituição falida. Sou partidária que não há problema algum, juntar as escovas sem casamento. Se um dia, eu for casar, se isso for realmente necessário, será uma cerimônia bonita em um cartório, e depois um churrasco para os mais chegados. Não quero gastar com festas e tudo mais. Prefiro guardar a grana que gastaria para um casamento, para usar numa lua de mel. Prefiro gastar meu dinheiro em noites tórridas de sexo na Europa, do que encher a pança de pessoas que sairão reclamando da festa, e depois eu terei boletos e boletos pra pagar. Desculpem-me as mulheres sonhadoras de véu e grinalda, isso apenas é uma opinião minha, e confesso que muitas vezes eu gostaria de ser mais “normal”, ter aquela coisa de casar na igreja, agradar meus pais, avós católicos, mas não é meu ideal de vida. Eu faço aquilo que é melhor, se meu parceiro, aquele que me acompanhará não faz questão de casamento, ótimo. Eu sempre digo que conheço casais que não são casados, mas que possuem mais sinceridade e amor mútuo do que muito casal com aliança grossa no dedo. A hipocrisia impera neste mundo, aquele que lhe diz que você errou por não ter casado, tem um casamento infeliz.  Pode apostar que o divórcio está chegando em galopadas de guerra.

Antes só do que mal-acompanhada. Eu sempre acreditei neste ditado. Acostumei meus olhos e instintos que viver sozinha é uma forma de aprendizado e auto-conhecimento. Mas eu digo, que quando eu amo alguém, eu não a trato como uma coisa de plástico. Não é como na música “Fake Plastic Trees”, do Radiohead. Eu não amo um homem de plástico. Pessoas possuem sentimentos, não gosto de brincar com eles, e eu também não sou uma mulher de plástico. Sou feita de emoções, sensibilidade, Amor, ódio, raiva, tristeza. Toda mulher carrega com ela todos os sentimentos do mundo, o homem também. Somos feitos de um conjunto de sentimentos, e alguns nunca sentiremos na vida, se não houver um estopim, um tiro, um ponto de partida, um insight…

Enquanto eu caminhava pelo terminal de ônibus, eu estava pensando em meus projetos para o futuro. Eu gostaria de ter uma casinha simples e linda, com um quintal agradável, com flores, árvores e bichos correndo pelo quintal. Eu amo os animais, sua pureza de espírito e seu amor incondicional. Se for um apartamento, pode ter um dormitório só, mas que tenha uma sacada para que eu possa escrever sentada numa cadeira confortável, e quando me erguer e parar com a cabeça apoiada nas mãos, observando a vida miúda e interessante lá de baixo, que eu possa divagar sobre a vida e os acontecimentos daquilo que eu vejo. E terá somente o silêncio de meus pensamentos, que serão também daquele que estender-me a mão algum dia.

Quero eu, ao envelhecer, ter meu velho Amor ao lado, com um sorriso talvez banguela, de bengala, ou com uma dor nas costas típica daqueles que levaram as dores do mundo nos ombros, durante a juventude. Este meu velho, nos meus sonhos de velhice, estará ao meu lado, na alegria, na tristeza, na raiva, na pobreza, na riqueza, na vida e na morte. E ele olhará para os meus olhos, tão calejados perante as surpresas agradáveis ou não que a vida nos proporciona, ele olhará pra mim, teremos um cachorro cego, surdo, velho e gordo deitado aos nossos pés, as folhas cairão tímidas lá fora…Ele olhará em meus olhos, me dará um sorriso de velho, e me dirá: “Você se lembra quando…”

Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a . Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem, Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos aos, estes ainda reservam prazeres. Sêneca
Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a . Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem, Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos aos, estes ainda reservam prazeres. Sêneca

Apenas moinhos de vento.

Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(Fernando Pessoa)

Ser ansioso é ser idealista, é ter pressa, das coisas acontecerem, pressa da chuva passar rápido e colocar-se a correr nu pelas calçadas da cidade de pedra. Digo correr nu, porque pessoas ansiosas vivem constantemente nuas, são pessoas intensas, mesmo aquelas imersas na timidez, que não se permitem sair da toca, por medo de serem julgadas, mas que todas as noites, muitas vezes insones, coloca-se a pensar no tripé “E se”, “Será”, “Quando”. E então imaginamos um turbilhão de possibilidades para o nosso mundinho, um milhão de situações em que imaginamos nossos castelinhos de areia construídos de maneiras diferentes, e sempre nos cobrando por castelos perfeitos que nunca sejam destruídos quando a marola chegar. Às vezes é uma marola tão mansa, tão calma, que apenas molha nossos pés, mas nós a vemos como um maremoto prestes a engolir uma linda cidadezinha litorânea.
Eu costumo citar o Dom Quixote, um fidalgo que confunde inofensivos moinhos de ventos com dragões enormes, e vale lembrar que hoje, as Dulcinéias é que matam seus próprios dragões, talvez pela pura ansiedade nossa, das mulheres, de tomarmos um passo à frente e ficar roendo as unhas ou comendo barras infinitas de chocolate Talento.

"Sonhar o sonho impossível, Sofrer a angústia implacável, Pisar onde os bravos não ousam, Reparar o mal irreparável, Amar um amor casto à distância, Enfrentar o inimigo invencível, Tentar quando as forças se esvaem, Alcançar a estrela inatingível: Essa é a minha busca." Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha
“Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca.”
Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha

E assim vamos levando nossos dias, nós pessoas ansiosas, que sempre queremos o aqui o agora, que nos aborrecemos com o fracasso, com conclusões precipitadas, queremos nossos ideais realizados da noite para o dia. Nós planejamos para ontem, e quando nosso escopo de vida se atrasa, nos martirizamos por não ter chegado e fincado nossas espadas de aço no coração de nossos dragões, que são nossos medos, angústias, sonhos, amores, e até a tão cruel e desnecessária vingança. Temos pressa e ouvir e ser ouvidos. Temos pressa de Amar e sermos correspondidos. Esperamos um telefonema que nunca chega, uma conversa que nunca nos chama, esperamos sempre por algo que nos faça sair da toca, algo para dividirmos nossa tão esfomeada ansiedade. Entramos embaixo do chuveiro cinco horas da amanhã, e já pensamos nas cinco horas da manhã do dia seguinte, olhamos nossa cara amassada no espelho e já imaginamos as olheiras do dia seguinte. Construímos nossas estruturas em cima de uma base, e estamos sempre torcendo para nossa base nunca desmoronar. E quando ela desmorona, no dia seguinte já queremos nossas estruturas abaladas novamente no lugar. Por quê?Pra que tanta pressa?Nós pessoas Ansiosas, estamos sempre correndo contra as areias do tempo, nossa calma esvazia-se em poucos segundos, mas muitas vezes escondemos nossa falta de calma em um rosto sereno e dissimulado, deixamos nossas emoções desafloradas dentro de um vaso guardado num armário à sete chaves, dentro de nossa bolha de proteção. É o medo de sermos julgados, de ver nossos anseios jogados no lixo, como uma estratégia mal feita em um jogo de xadrez. E talvez, esses nossos atos sejam apenas por Amor,por Amor às nossas causas que quase sempre as pessoas ao nosso redor acham que são perdidas. Jaz aqui, uma ansiosa forte e decidida, por Amor às minhas tão queridas causas…PERDIDAS?

Tudo bem… Até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer… Ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas

[Inventamos amores procurando O Amor. Amargamos tristezas pra achar a felicidade perpétua.]

Deita no meu peito e me devora
Na vida só resta seguir…
Um risco, um passo, um gesto rio afora…

E vivemos por aí pensando em nossos demônios pessoais. O meu demônio pessoal sussurra nos meus ouvidos, durante a madrugada insone, uma legião de pensamentos sussurrando ora baixinho, ora numa loucura ensurdecedora. Ando tecendo as malhas do meu destino, com um sorriso insano no rosto, e um pouco de loucura nos olhos. Permito-me amar sem medo, mas eu não invento os meus amores. Ou será que invento? Eu acho a tristeza bonita? Sim, às vezes, eu sou uma pessoa que procura ver a beleza nas coisas, mesmo nas tristes. Eu vi esses dias, a foto de um bombeiro com lágrimas nos olhos, era uma foto triste, mas ela estava ali e não deixava de ser bela, mesmo com toda aquela tristeza representada em pixels na tela do meu monitor. E agora, minhas noites são tão longas, igual a felicidade utópica que eu persigo no meu dia a dia. Se eu erro, se eu choro, ao final eu dou risada, e é uma gargalhada gostosa, talvez uma risada inventada, uma tristeza de humor negro meio amarga, como um Diamante Negro que tinge meus dedos e eu como uma criança a lamber os dedos de chocolate. E então eu sujo meus lábios, e eu não me importo, pois chocolate é uma felicidade, quase perpétua, porque quando chega ao final da embalagem eu ainda estou procurando o meu Amor perdido ali, e geralmente, ele tem um gosto amargo, um gosto de noventa por cento de puro cacau, mas é isso que me faz perder o rumo, um Amor assim, tão puro, lapidado como diamantes negros, raros, complicados e quase perfeitinhos. Não tive muitos Amores nessa vida, mas os que eu tive eu respeito, e guardo dentro do baú de minha memória. Talvez uma história para ser contada mais tarde, uma história de vida. Todo poeta vive um grande amor, todo poeta se ilude, todo artista amarga suas tristezas em linhas insones. Eu invento o meu Amor me inspirando na arte de viver, e nesta arte eu encontrei o meu Amor, e ele está sorrindo agora. Eu posso amargar minha tristeza mais tarde, mas minha felicidade será perpétua guardada no baú de minhas boas memórias.

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Obrigada querida Malu, por ter escrito essa frase tão inspiradora que usei de título. Penso nela todos os dias!

Entrega rápida – Versos e trechos esparsos

1- Só para constar…

Não, eu não uso nenhum tipo de droga para escrever as verdades, as bobagens, meu Amor, minha devoção, minha fúria. O máximo que eu cheguei a fazer foi tomar uma garrafa de vinho sozinha e escrever um poema safadinho ao qual eu não me lembrava no dia seguinte. Acordei ao lado do notebook, com ressaca, deitada na diagonal, com a roupa no corpo. Mas gostei do que estava ali. Não editei pra ficar bonitinho, afinal estava bêbada!

Quem quiser ler, o poema bebum está aqui: Drunk Poem

2 – Erotique

Esta noite queria poder lhe beijar de corpo inteiro,
Queria tocar teu corpo como um piano numa sala de jazz,
Pediria para que me devorasse inteira sem pudores,
Olharia em teus olhos e lhe pediria que rasgasse minhas roupas,
E que tirasse minhas meias 7/8 com os dentes…

3 – Brincadeira de criança

Quando criança, tinha poucos amigos. Era daquelas crianças sozinhas, que se divertiam criando histórias e situações em livros que minha mãe me dava. E eu subia no telhado, escondido, e então eu passei a observar a vida de cima, e então eu pude ver pela primeira vez em minha vida, que a maioria das pessoas andam cabisbaixas com seus problemas e medos, e que nenhuma delas contempla a beleza das pequenas coisas. A vida vista de cima, apesar de tudo, era mais bonita, e me dava a compreensão necessária que eu com meus 8 anos de idade na época, eram completamente capazes de entender. E eu assimilava aquilo apenas como o quão chato poderia ser o mundo das pessoas adultas.

4 – Insônia

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Neste ano minha insônia piorou. Minha hiperatividade mental tomou proporções quase desastrosas. Cinco dias seguidos sem dormir, uma injeção de diazepam no hospital me fez dormir. Minha mãe me acordou para jantar. Eu acordei meio desnorteada e sem saber onde realmente estava. Comi o jantar numa loucura misturada com sonhos vívidos. Voltei a dormir e só acordei no outro dia, ainda dopada, mas com o corpo descansado. E mais uma vez, chego eu num consultório confortável para tratar de minha ansiedade, insônia e hiperatividade. Mais um ano de Fluoxetina, para tirar a ansiedade e Rivotril para fazer dormir. Se eu bebesse uma garrafa de vinho todos os dias antes de dormir, eu dormiria igual um anjo, mas isso se dá um outro nome: alcoolismo. Prefiro ficar com o Rivotril…

5 – Banho na penumbra
Era de madrugada, depois de um tempo imersa numa boa leitura e estudando francês (estou tentando pelo menos, e estou gostando muito), resolvi tomar um outro banho para dormir em paz. Queria fazer alguma loucura, talvez tomar um banho com as luzes apagadas, acender um incenso e relaxar. No meu pequeno banheiro tem duas luzes, uma fluorescente bem forte e uma daquelas luzes amareladas, perto do espelho. Estava cansada, tomei minhas pílulas de dormir, resolvi tomar um banho na penumbra, com apenas uma luz amarelada de fundo. Acendi um incenso de sândalo e tomei um banho relaxante. Creme hidratante no corpo todo, um camisetão e fui dormir, em paz, com algumas gotas de meu perfume favorito atrás do pescoço. Era este cheiro que eu queria que você sentisse, mas eu dormi sozinha mais uma noite. Seria legal nossos corpos nus entrelaçados embaixo do chuveiro, água morna e meia luz…

6 – Prazer, meu nome é Desejo

Prazer, meu nome é Desejo, tu me conheces?
Porque eu sei que eu lhe conheço de algum lugar.
Eu já passei por aqui antes, você se lembra do meu rosto?
Já estive nesse velho teatro, nesta velha igreja, estive te observando,
Você já me procurou pelas noites, quando estavas sozinho,
Naquelas noites de luzes amareladas, ruas vazias,
E o seu coração tocava uma balada tão triste, seus olhos perdidos,
Tinham o brilho e a intensidade um milhão de estrelas.

Essa tua vida tão solitária, você têm amigos, mas se sente bem?
Existe algo que lhe completa, algo que você ama acima de tudo?
Você me conhece, prazer eu sou o Desejo, e eu sei que estou,
Escondido, você me ignora, eu conheço teu Orgulho, tão soberano,
Um dia ele me contou, um segredo teu, você quer saber o que é?
Meu nome é Desejo e só lhe conto se você estender as suas mãos,
E dançar comigo a noite inteira, em passos da canção que quiser,
Prazer, meu nome é Desejo, e neste teu corpo estarei presente,
Sua mente o tempo todo me nega, mas você sabe, estou te observando…

7 – Frase do dia: ainda vou escrever sobre isso…

“Inventamos amores procurando O amor. Amargamos tristezas pra achar a felicidade perpétua.

8 – Este ano liguei o botão foda-se

Eu fiz, na virada do ano, dentro dos conformes. Coloquei uma calcinha nova vermelha, comi três sementes de romã quando deu meia noite, comi outras três hoje, dia 06 de janeiro, dia de reis, enchi a cara e desci na beira de um rio e pedi para a lua e as estrelas que eu tenha um anoa mais tranquilo, uma vida mais calma, pois afinal, mais da metade dos meus problemas eu consegui resolver. E um muso inspirador que valha a pena.

Mova-me

As ondas, quebradas à beira mar…
Molhando meus cabelos, meu corpo…
Sinto então o salgado mar, que ironia!
Escorrendo nos lábios, já sentiu isso antes?
É desconcertante, a sensação,
De um milhão de fagulhas salgadas,
Meu suor, minha dor, meu paladar,
Tudo tão salgado…Áspero…
Feito o mar de todos os Deuses,
Feito a areia que escorre entre os dedos…
O sol, a iluminar, o meu sorriso, incrédulo?
Talvez…
Os olhos, os cabelos, o rosto…Quentes,
Com os raios de sol que um dia nos matará,
O fim chega pra todos nós… e o meu Amor?
Acabará um dia, ou o levarei comigo,
Para uma eternidade, um lugar que ninguém,
Nunca voltou pra dizer que existe…Sou cética?
Talvez…Mas meu Amor, olhe o céu lá fora…
Cores alaranjadas, raios de luz, estrelas brilhantes,
Por um instante, um único instante, porém tão Eterno…
Eu olho para os céus, inquieta…e me calo,
Me calo na calada da noite, nos raios de sol, estrelas…
Mantenho-me calada…O silêncio me move.

For a friend

Escale pra cima do topo
Procure o estado da alma
você tem que achar por si mesmo
se está mesmo tentando de verdade
Porque não tentar
Liberte-se, tome controle
E inevitavelmente vai
achar por si mesmo todas as forças
que tem dentro de você

Eu poderia contar-lhe várias histórias e estórias,
Eu poderia murmurar uma canção ao pé do ouvido,
Eu poderia simplesmente olhar você dormir,
Eu poderia pensar em um milhão de coisas sujas,
Ao ver teus lábios movendo enquanto fala comigo.

E essa tristeza toda que não me deixa em paz,
Eu poderia fazer-lhe algo para lhe deixar mais feliz?
Eu posso contar-lhe uma piada sem graça,
Ou um fato engraçado que ocorreu na minha infância,
Eu posso contar-lhe que quando eu era criança,
Eu subia escondido no telhado com saquinho de pipoca
“A vida vista de cima”, é tão emocionante meu bem…

Eu poderia contar-lhe, que eu falo sozinha,
Quando eu erro, eu me xingo e sinto-me ofendida,
Eu poderia dizer-lhe que acredito em extraterrestres,
E eu lhe diria que eles são seres bonitos e sensuais,
E então eu diria que você é um deles, e minhas bochechas,
Ahh…minhas bochechas ficariam vermelhas, e você então riria,
E esse teu riso me encheria de felicidade.

E eu poderia dizer-lhe, que minhas ultimas madrugadas,
Noites quentes repletas de insônia, meu contentamento
É ver-te feliz, chegando assim, de mansinho,
Dizem por aí que as melhores coisas desta vida,
Chegam de repente, do nada, sem aviso,
Você aterrissou de para-quedas, e desde então,
Minhas madrugadas insones estão mais alegres,
E no fim da noite vou dormir com um sorriso no rosto.

Fique bem consigo mesmo meu amigo, seja feliz!
A vida é difícil, eu sei, temos altos e baixos,
Minha mãe dizia que a vida é feito o desabrochar de uma flor,
A sua beleza está no auge de suas pétalas abertas e bem nítidas.
As flores murcham, caem, mas depois nascem novamente,
A tristeza é apenas uma fase, assim creio eu,
Portanto, sua alegria estará de volta, e eu anseio por isso,
Aqui, de longe, estou bem perto de ti, e o meu carinho,
Chega-lhe devagarinho como um cafuné na cabeça.