Hoje eu vi um homem empurrando uma bicicleta amarela toda enferrujada. Seria algo banal, se não fosse pelo fato dele me lembrar o Freddy Mercury. Ele amarrou a bicicleta velha no poste e entrou na padaria. Pediu um café e um pão. Não colocou açúcar. Seus gestos e expressões no rosto, lembra a feição triste de meu velho pai que sorri apenas pelo canto dos olhos. Baixei os meus. Tomei um gole do meu café expresso duplo, extra-forte e sem açúcar. Saudades do café de meu pai e os sermões que muitas vezes me fizeram chorar.
Um homem grisalho e barrigudo observa a mulher do balcão espremer laranjas. Ele tem olhos de homem apaixonado, pois todos os dias ele senta e a observa. Não tem olhar de doido psicopata, ele baixa os olhos timidamente quando a mulher do balcão devolve o olhar. Eu fico quieta, pensando na espuma do meu café. Alterno o olhar para a janela que dá para calçada: estranha… Estranha magnificência dos dias. As pessoas passam pela larga calçada, algumas esbanjam risadas, outras caminham soturnas, olhando para o chão, como se elas pegassem toda a tristeza delas e as colocasse à venda, num leilão luxuoso. Sempre há alguém disposto à pagar pelas nossas tristezas…
Algumas pessoas, andam com as mãos sempre dentro dos bolsos. Talvez elas tenham colocado todas as crenças delas dentro deles, por isso estão sempre aquecendo as mãos na tentativa sórdida de aquecê-las em um pouco de fé. Às vezes, a procura pelos bolsos cheios de crenças acaba desabando. As crenças em sua maioria são suicidas ou homicidas: ou as matamos ou elas se matam arremesssando-se do décimo quinto andar do nosso prédio de convicções. Mas temos esperança. Tal como moedas que caem ao chão, juntamos tudo novamente, pois nossas crenças talvez sejam tão singelas quanto uma tempestade e no meio desta, temos 93 milhões de milhas para percorrer. E nunca acaba, nunca termina. Sempre colhemos os fragmentos aqui e ali das nossas crenças despedaçadas. É um vitral forte e poderoso na janela de nossa capela chamada existência.
Do outro lado da rua, estranhos e estranhas queimam-se no calor das manhãs, transbordando em suor, preguiça e cansaço. Entre fumaças e cigarros dos velhos da entrada da padaria, deduzi que ali ocorreu uma piada muito engraçada. Uma maldita piada ao qual colocamos num prato, temperamos e comemos no café, almoço e janta. É a nossa dose de piada diária, aquilo ao qual você ama e acredita. Nesse tempo todo nunca paramos de rir. Percebeu? Está rindo agora? Qual é a sua maldita piada?
“Ao final da tarde, há prenúncio de chuva”.
Enquanto eu termino o meu café, a mulher sempre bonita e impecável do tempo fala na tv que é para eu tomar cuidado. Não importa. Eu não me importo. Estou correndo atrás dos pássaros. Eles costumam se abrigar da chuva em buracos de árvores frondosas ou buracos nefastos nos telhados das casas. Mas eu tenho medo desses lugares comuns. Eu me abrigo na minha gaiola. Ás vezes eu saio, assim, na surdina, tento voar para bem longe, e pousar nos seus ombros. Mas apenas tento. Não sei se existe palha o suficiente para construir meu ninho.
Fim dos disparates. O café chegou ao fim. Sobrou apenas algumas borras decantadas naquele universo branco ainda morno para quase frio da peculiar xícara de cerâmica. Lá fora, todos os dias são como xícaras de café. Quantas xícaras tu quebraste hoje meu amigo?