O bom menino.

Você mostrou-me teus olhos, até então cobertos por um véu. As ruas do subúrbio escondem a tristeza fria e sedutora dos homens. E quando os olhares se encontram, é como se estivéssemos gritando, com medo, com frio. Os muros estremecem, são as marretadas do nosso medo, batendo de frente com nossas emoções. Nobre coração, correndo, batendo voluptuoso e insano em cima das bicicletas do subúrbios. Jovens, homens e mulheres compartilhando a brisa batendo no rosto. Nunca tivemos tanta certeza, que nossos sentimentos traiçoeiros estão nos sorrindo, perdidos nos becos, e então nós rimos, porque afinal, nosso sarcasmo e ironia nos corrompe docemente nas memórias noturnas, quando adultos. E eu me lembro… Daquelas tardes ensolaradas no subúrbio. Nós nunca gritamos tão alto…

Éramos jovens, você se lembra? Corríamos pelas ruas do subúrbio buscando sonhos desacordados, com canções em tons desafinados, cores ajustadas, como a mistura de Renoir num quadro pintado em Paris. Posso estar escrevendo coisas das linhas pra fora. Entenda querido, já são além da uma da manhã, e eu ando tendo madrugadas insones. Há um silêncio lá fora que me convida para contemplar os gatos por cima do muro. Eles andam numa graça inocente por entre as grades, e quando me veem com os cabelos ao vento, no meio dessa madrugada de outono indeciso, eles me encaram com os olhos brilhantes. Há um gato, negro como a noite, eu só vejo os olhos amarelos, me encarando como se soubesse dos meus sonhos de ir e vir, das minhas noites tecendo a saudade em meu tricô imaginário de vinho Merlot. Hoje bebo no gargalo, desde que te conheci ignorei a etiqueta de tomar vinho como gente educada. Eu não sou mais educada, sou tresloucada.

Se eu fumasse, acenderia um cigarro, talvez um mentolado, ou aqueles doces, de cereja. Ficaria soltando anéis de fumaça no ar, quem sabe eu fizesse um grande o bastante? Tem uma coruja aqui perto do terreno baldio, ela mora num buraco. Em meus sonhos, ela poderia passar voando nos meus anéis de fumaça mentolados. Ela passaria por dentro deles e daria um rasante no chão. Talvez, pegasse minhas emoções que jazem no chão, e levaria para bem longe, talvez para um inferno Dantesco, ou para o paraíso dos sonhos de Beatriz. Lá existe um pouco de Amor. Eu escuto Chico Buarque e sinto Amor, e eu queria que quando eu passasse você me estendesse a mão, ou o chapéu, mas tu não usas chapéu. Um dia queria que me mostrasse o sol, aquele que lhe faz sorrir, assim, mais de duas vezes ao dia. Percebe? Eu te mostraria toda a beleza de um dia chuvoso, talvez encontrássemos alguma coruja tomando banho, enquanto as pessoas passam aturdidas com seus guarda-chuvas, com raiva, passos largos. Eu contaria os segundos, contigo, e depois me apoiaria em teu ombro quando o trovão bradasse a fúria dos Deuses lá naquele horizonte de campo aberto.

Quando eu era criança, eu gostava de andar de bicicleta embaixo da chuva. Eu passava na poça de lama, e conforme ia pedalando, a roda de trás respingava lama nas costas da minha camiseta velha de guerra. Meu pai sempre falou que eu poderia tomar um raio na cabeça, mas a única coisa que eu tomei, foram gotas de chuva que me escorriam nos lábios. Eu era uma criança levada. E você ficou com minhas fotografias… Tem uma delas que eu estou feliz e banguela num balanço. Tem outras que estou acampando em Brotas, e eu praticava trilha na serra com minha mãe e aquele que um dia eu chamei de pai. É uma longa história, queria te contar um dia, sobre minhas aventuras, dos dias que eu subia no telhado escondida. A vida era incrível vista de cima, e pela primeira vez na vida, percebi que as pessoas não dão valor para quase nada, não tinham um olhar apurado, nunca ninguém me viu lá em cima, ninguém, só pardais e pombas que balançavam nos fios do poste… Ahhh, e o cachorro da vizinha, que eu tinha que passar de fininho, porque ele ficava nervosinho e se colocava a latir ininterruptamente. Tinha medo de ele chamar a atenção da minha vizinha balofa que não dormia porque o marido roncava. Ela poderia acabar com a minha brincadeira infantil de ser uma stalker das alturas. Um dia, atirei uma pedra no cachorro dela. Você vai me dizer:

“Malvada”…

Mas um dia, você me contou que jogou o gato da janela. Tu eras uma criança, tão malévola quanto eu, ou não… Apenas queria ver se o gato cairia de pé… Lembra? Quando você me contou isso, eu lhe disse pra você amarrar um pão com manteiga nas costas do gato, assim ele cairia de costas… Mas você cresceu meu bom menino… E nas ruas desse subúrbio, enquanto você dorme, com seus sonhos que talvez nem se lembre quando acordar, eu lembro da sua travessura de menino, como cenas de um frame despedaçado. Eu posso ver duas crianças correndo pelo subúrbio… Mas isso é apenas um devaneio, perdido entre meus anéis imaginários de fumaça. Na primeira tragada eu vou achar que vou morrer. Tentei tragar uma vez, quase morri, mas você tentou me ensinar. Eu acho que ainda não aprendi, ou tenha me esquecido. Fico apenas na vontade de menta, cereja ou pinho…

Eu poderia te reconstruir, como um vitral, daquelas igrejas europeias, mas não seriam imagens santificadas, já lhe disse um dia, eu fujo de tudo que é convencional, e faço isso sem querer, sou tresloucada… Quando criança chutava os formigueiros e passava o tempo observando o caos. Eu me perguntava se as formigas gritavam, como as pessoas na televisão quando aconteciam aqueles terremotos lá no Japão. Hoje só escuto meu próprio grito. O resto eu ignoro. Além de louca, sou egoísta. Mas eu te amo, mesmo tendo atirado o gato da janela. Você chega até mim nessa noite, com seus sonhos e travessuras de bom menino.

Epifania: Clarabella.

Clarabella acordou numa manhã disposta a arrumar a casa. Na verdade, ela fazia isso quando se sentia magoada, o ato de se reorganizar era uma forma de colocar sua alma tão aturdida em uma paz teleguiada. Era como se ao limpar o chão, varreria do porão da memória toda a angústia que a atormenta. Começou pelo quarto, arrumando a cama, com os lençóis cheios de vincos, lembrança de uma noite que tentou sem sucesso ter algum pingo de amor do marido. Ele chegou tarde e cansado, ela preparou-lhe um jantar e o aguardava apenas de lingerie. Passou o fim de tarde toda preparando um assado, ele olhou, comeu um pouco apenas para não vê-la triste. Dizia-se cansado, o trabalho estava massacrando-o e ele se sentia estilhaçado. Tomou um banho, deitou na cama, dormiu. E ela então colocou seu velho pijama confortável para dormir, mas havia perdido o sono, e quando ela ficava magoada, sentia fome. Fez um prato de comida, e foi para o sofá, carregando todo o peso dos estilhaços, uma tristeza vítrea. Se ao menos, ela pudesse ter alguém para reconstruir-lhe sua alma já tão minimizada, talvez um artista conseguisse enxergar a beleza dela, e faria um vitral com o Amor que ela tão esperançosa acreditava. Ali, naquele sofá da sala, assistindo filme romântico de fim de noite, estava uma mulher adormeceu com o controle remoto em cima do peito, subindo e descendo conforme respirava, e nos sonhos , ela vivia em um mundo menos mesquinho e cheio de noites de Amor. Não culpava o marido, apenas não sentia aquele amor todo que sempre almejava. Tentava amar aquele que sempre lhe ofereceu a mão, que esteve ao lado dela nas dores da vida, mas faltava algo.

Na limpeza do quarto, encontrou um velho baú ao qual guardava suas memórias. Fazia um tempo que ela não o abria, pois quando ela fazia isso, uma saudade da época em que não tinhas tantas obrigações, invasões de tal forma que ela passava a relembrar o passado com olhos perdidos, e uma espécie de torpor causado pela saudade, fazia desligar-se do mundinho real, inserido naquele contexto ao qual ela não almejou.

Dentro do baú ela encontrou a doçura e a inocência de seus tempos de criança. Havia uma boneca que ela carregava para todos os cantos. Ela dizia que era sua filha. E ali, naquele momento, Clarabella, já adulta, experiente e de olhos ainda desacostumados com as provas que a vida escancarava na sua janela,  sabia que o mundo é egoísta e destruidor de sonhos, mas ela não desistia, era uma Dom Quixote de saias, sempre lutando com seus moinhos de ventos transmutados em dragões. Naquele momento, com a boneca nos braços, começou a balançá-la enquanto murmurava uma canção de ninar:

“Dorme, dorme menininha…Eu estou aqui…

Vá sonhar, ainda é tempo, menininha

Vá, vá dormir…Sonha sonhos cor de rosa

Passeia no céu e no mar

Apanha o mundo no teu sonho, menininha

E não deixa ninguém roubar…

Olha, não reparta com ninguém os teus sonhos de menina

Dorme, dorme…Dorme e sonha menininha

Sonha, é tempo ainda…”

 

Naqueles braços, a boneca lhe trouxe as memórias do sonho de ter uma filha. O nome da boneca era Sophia, e ali, agarrada, sentada ao chão em frente de seu baú de memórias, olhou para o relógio e viu que as horas estavam paradas, ignorou o fato de ser apenas um relógio com pilhas mortas, e em um esconderijo de fundo falso no guarda-roupa, as roupas de recém-nascido que compra todo mês, um sonho antigo, eterno. Era ali seu segredo, ela queria uma criança, mas o marido não. Ela queria um pedaço dela nos braços, mesmo que não tenha ali, o DNA de seu amor verdadeiro, um homem que conheceu há anos, e nas idas e vindas de um amor já antigo, a vida lhe deu soco no estômago que lhe impossibilita de viver aquele Amor.

Olhando para a boneca Sophia, apaixonada pelo gesto de ternura, pelo sonho de ser mãe, ficou preocupada, achando que seria daquelas mulheres presas dentro de um hospício, falando sozinha, no canto de uma cela, com uma boneca no colo e injeções diárias de antidepressivos. Passaria o dia dormindo, sonhando com uma criança correndo entre os irrigadores do jardim. Então, rapidamente guardou a boneca, e as roupas de bebê no fundo falso perfumado com sachê de rosas. Sentou na beira da cama, e com o rosto entre mãos, derrubou lágrimas tristes e convictas de que nunca conseguiria ser mãe.

Foi numa tarde de domingo, que numa caminhada para aliviar a tensão, encontrou uma linda cadelinha numa feira de adoção. Levou-a pra casa, colocou uma fita vermelha no pescoço, e presilhinhas nas orelhas. A cadelinha agradeceu o carinho lambendo-lhe o rosto e adormecendo nos braços de Clarabella. E ali teve uma epifania, e o mundo não parecia mais tão egoísta.

“Se alguém disser pra você não cantar
Deixar teu sonho ali pr’uma outra hora
Que a segurança exige medo
Que quem tem medo Deus adora

Se alguém disser pra você não dançar
Que nessa festa você tá de fora
Que você volte pro rebanho.
Não acredite, grite, sem demora…

Eu quero ser feliz Agora

Se alguém vier com papo perigoso de dizer que é preciso paciência pra viver.
Que andando ali quieto
Comportado, limitado
Só coitado, você não vai se perder
Que manso imitando uma boiada, você vai boca fechada pro curral sem merecer
Que Deus só manda ajuda a quem se ferra, e quando o guarda-chuva emperra certamente vai chover.
Se joga na primeira ousadia, que tá pra nascer o dia do futuro que te adora.
E bota o microfone na lapela, olha pra vida e diz pra ela…

Eu quero ser feliz agora

Se alguém disser pra você não cantar
Deixar teu sonho ali pr’uma outra hora
Que a segurança exige medo
E que quem tem medo deus adora

Se alguém disser pra você não dançar
E que nessa festa você tá de fora
Que volte pro rebanho.

Não acredite, grite, sem demora…

Eu quero ser feliz Agora”

PS: Os trechos em aspas são músicas do Oswaldo Montenegro. 😀

Sunshine.

Na madrugada, deixo a poesia de John Denver. Sim, eu gosto de música de “véio”. Essa música me traz boas lembranças…Girassóis adoram o sol…Ficam cabisbaixos com a chuva, se encolhem, olhando tristes para chão, mas quando o sol aparece, o dia dele nasce duas vezes…

Luz do sol em meus ombros – me faz feliz
Luz do sol em meus olhos – pode me fazer chorar
Luz do sol na água – veja como é bonito
Luz do sol a ponto de – me fazer sempre contente

Se eu tivesse um dia que pudesse dar a você
Eu lhe daria agora mesmo um dia igual hoje
Se eu tivesse uma canção que pudesse cantar pra você
Eu cantaria uma canção que ajude você seguir melhor seu caminho

Luz do sol em meus ombros – me faz feliz
Luz do sol em meus olhos – pode me fazer chorar
Luz do sol na água – veja como é bonito
Luz do sol a ponto de – me fazer sempre contente

Se eu tivesse um conto que pudesse contar a você
Eu contaria um conto que pudesse fazer você sorrir
Se eu tivesse um desejo que pudesse desejar a você
Eu desejaria que o sol brilhasse o tempo todo

Luz do sol em meus ombros – me faz feliz
Luz do sol em meus olhos – pode me fazer chorar
Luz do sol na água – veja como é bonito
Luz do sol a ponto de – me fazer sempre contente

Luz do sol durante o tempo todo me deixa contente
Luz do sol, sempre…

Girassóis...
Girassóis…

A imortalidade do Amor na escrita

Nunca...nunquinha!
Nunca…nunquinha!

Vi essa mensagem nas redes sociais, e achei algo muito pertinente. Todo artista, em qualquer uma das vertentes da minha tão amada Arte, tem suas fontes de inspirações, ou como diz minha amiga Malu, fontes de [INS]PIRAÇÕES. 

Não adianta nos dizer que toda fonte de inspiração é imoral, nós, escritores, conseguimos escrever perfeitamente nossas linhas tortas sem a inspiração dos olhos e silêncio de nossos amores. Eu posso escrever aqui, um texto com toda minha intensidade, posso escrever meus socos no teu estomago, sem ao menos nem me vir uma lembrança tua a minha mente. Posso escrever linhas lânguidas, posso escrever sobre sexo sem pensar em linhas de pescoço e tendões e veias do teu braço ao volante. Mas talvez, toda vez que eu ou alguém de meus leitores me lerem, talvez eles encontrem ali, nas minhas linhas tortas, uma falta de sopro e menos poesia, a doçura dos torrões de açúcar. Todo artista é imoral, mas nós não somos o eco da respiração, memórias, silêncio e palavras discorridas de nossos Amores. Seguimos com nossa arte, e vocês, nossos musos, imortalizados pelas nossas palavras, podem sentir o desconforto de serem tão esmiuçados e desenhados como uma pintura, por vezes, abstrata, em nossos sonhos. A arte é um sonho, o Amor é um sonho que caminha com os homens  desde que surgiu a humanidade. Os escritos nas cavernas, em tempos longínquos, não foi feito ao acaso. Algo ali os movia, e eu lhe digo que era a paixão em algo, e não lhe digo que foi a paixão de um homem por uma mulher ou vice-versa. A paixão pode ser advinda de um deslumbre de um céu estrelado, uma flor que nasce no meio das pedras. Toda forma de Amor é bem vinda, seja ela até mesmo sendo não-humana.

Enquanto eu estiver viva, com todo o meu sangue pulsante e espesso correndo em minhas veias, aquilo que me move, que me faz sair da toca, será sempre imortalizado, em minhas linhas tão intensas e inquietas. Se eu sonhar contigo de madrugada, vou imortalizar meu sonho em meus editores de texto, e a minha emoção, pode não ser um par de olhos azuis, pode ser uma flor que nasceu no asfalto. Toda beleza será imortalizada aqui, mas eu estarei sendo hipócrita aqui, se eu não confessasse com meus olhos grandes e tímidos, que desde o primeiro momento que levantei os olhos das páginas de meu livro e encarei com olhos entorpecidos a imortalidade que aqui reside, eu lhe digo que para estar aqui, você é muito especial. Eu não escrevo coisas que não me valem a pena. Sinta-se privilegiado perante as palavras aqui escritas, diante de um mundo frio e cruel, ser imortalizado nas linhas tortas de alguém é tido como uma honra, e não como um eco jogado ao vento. Sim, eu lhe deito em minhas linhas, te devoro, faço Amor, te provoco, lhe tiro da sua zona de conforto. Enquanto ficas aí, em silêncio, nos prazeres e desprazeres de sua vida diária, eu deito em teu peito, e fico quieta, apenas escutando sua respiração, teu peito indo e vindo. É assim que eu me sinto, deitando minhas linhas aqui. Um dia, vou escrever amando as estrelas que aparecem na minha janela, elas serão imortalizadas naquele dia, assim como você também. E não me venha pedir para que eu pare, eu só vou parar quando eu não tiver nenhum motivo para que não me catives mais. As linhas já escritas aqui, não tem mais volta. Já foram todas elas jogadas nas cinzas do Tempo, e elas são carregadas pelo sopro do vento. Talvez elas cheguem aos teus olhos, talvez lhe deem um soco no estômago ou um tapa na cara, mas minha intenção é apenas um beijo suave em teus olhos azuis de caleidoscópio.

Aerodinâmica num tanque de guerra.

We were born and raised in a summery haze
Bound by the surprise of our glory days
Domingo, 03 de março de 2013
Local: Empório Dona Bella, Shopping Dom Pedro


Detalhes sórdidos ou não:

  • Há orquídeas na parede, não sei se são reais um de plástico, mas não deixam de ser bonitas.
  • Nas prateleiras, existem lindas corujas esculpidas em madeira.
  • Cheguei lá 15h00 e saí 22h30. Sim…aprecio meus instantes de solidão.
  • Tocou Jack Johnson,  “Upside Down”, Adele, “Someone Like You” e Joss Stone, “Tell me what we are gonna do now”.
  • Meu celular estava com a bateria no berro. Pedi para o garçom para carregar. Ele tinha um carregador. Achei muita gentileza da parte dele. Viciados em tecnologia é assim, uma merda. Sinto saudades dos tempos das cartas. Era algo assim, mais sincero e espontâneo, e forçava as pessoas no velho e lindo hábito de pegar uma caneta e um papel, e escrever um pouco. Hoje o ato de escrever se remete a conversas abreviadas e cheias de gírias numa tela de comunicador instantâneo.
  • Vinho me traz saudades, uma saudade daquelas que eu nunca senti.
  • Corinthians e Santos estavam jogando, até o momento em que chego nesta linha, no papel de meu bloco de anotações, o jogo estava zerado. Chupaaaaaa Corinthians!
  • Estava, entre goles e garfadas de carpaccio, lendo “O Homem Despedaçado” pela terceira vez. Sim, eu leio e escrevo coisas em restaurantes, e não tenho vergonha dos olhares incrédulos e por vezes curiosos.
  • O resto daqui pra frente, será altamente emotivo, imoral talvez, porém extremamente sincero. Não escrevi isso devido a uma talvez embriaguez, escrevi isso pois é essa a minha forma de ser. No meio daquele turbilhão de pensamentos que por vezes instalava a tormenta, por outras oras, um sorriso tímido com tons de saudade. Imoral seria eu ter escrito tudo isso aqui ficado quieta. Apesar de eu ser uma mulher com entranhas para fora, não sou previsível, sou uma caixa de surpresas. Não é porque eu escrevo o que eu sinto e penso, que as pessoas podem julgar que me conhecem.
  • O intuito era escrever um conto de apenas 150 palavras para um concurso literário, mas o vinho me trouxe lembranças, e aí todo o meu planejamento se transformou em uma carta de amor em tons de Almodóvar. Eu não aprendo, devia ter ouvido minha mãe quando ela me disse para não ilusões nesta vida. Eu um dia, fiz um desenho em letras artísticas, pendurei na porta do meu quarto. Toda vez que eu acordava, eu olhava para a frase, e via a frase “Não tenha ilusões”. E eu repetia aquilo comigo mesma, como uma forma de oração. Meu coração foi duro e frio por longos períodos. Eu havia prometido a mim mesma que não me deixaria levar por um belo par de olhos. Mas, novamente a vida me prega uma peça, me mostra um poema de Petrarca, e eu mulher incorrigível, deixo-me levar pelos erros e tropeços de nunca saber ficar quieta. Antes, meus amores eram platônicos, eles não precisavam saber que eu existia. Apenas deveriam saber do meu falso desdém.  Mas hoje, eu, Ana, com 25 anos e velha demais para baboseiras de adolescente e ciente que a vida é curta demais para nos escondermos, enquanto escrevia em folhas, naquela mesa de um restaurante chique, eu tentava dissipar meus pensamentos para o meu livro de francês,e as páginas de um homem despedaçado.

 

Mas a única coisa que eu pensava, era no meu delírio de uma mulher despedaçada, uma mulher fitando uma mosca no vidro, e querendo por vezes ser apenas uma migalha de pão.
Mas a única coisa que eu pensava, era no meu delírio de uma mulher despedaçada, uma mulher fitando uma mosca no vidro, e querendo por vezes ser apenas uma migalha de pão.

Trecho esparso, onde tudo aconteceu, a primeira estocada da lembrança sublime de um domingo de madrugada. Estava eu na minha segunda taça de vinho Merlot, e mastigando minhas convicções como o pedaço de carne crua com rúcula que eu devorava.

  1. E por um instante, eu chorei. Derrubei uma lágrima triste de canto de olho, e eu nem ao menos havia percebido. Ela escorreu apelo meu rosto antes que eu me desse conta. A lágrima escorreu e molhou minha camisa de seda vermelha. Disfarcei. Não gosto de extravasar minhas emoções em público. Não gosto da minha linguagem de olhos emocionados. Eu sempre procurei passar a imagem de uma fortaleza inabalável. Poucos me viram chorar, e ali, naquele momento, quando vi que não conseguiria segurar, fui ao banheiro. Encarei minha face no espelho do banheiro, por alguns segundos, senti-me estilhaçada, e recolhendo meus cacos, um a um, enquanto pegava o papel para enxugar os olhos. Respirei fundo, voltei pra mesa, o jogo do Santos e Corinthians continuava a rolar no telão. Minhas emoções também nunca acabam, rolam ladeira abaixo e não há lei da Física que as impeçam. Continuo dando meu reino por um beijo em teus ombros. E nunca acaba, nunca acaba…

E depois dessa sensação, começou aqui o fluxo para livrar de meu caos, que há um tempo me atormenta. Eu me responsabilizo pelas consequências que virão depois do estiver daqui para baixo, mas arrependimento é uma palavra que não me pertence. Seu eu pudesse voltar no tempo, cometeria os mesmos erros novamente, permitiria sentir todo o meu Amor novamente, sim, eu sou uma errante. E aliás, não acho que seja um erro. E se for, talvez eu aprenda algo com ele

Então, vamos lá, vou começar aqui, minha prosa não fictícia:

 

 É preciso ter uma quantidade considerável de coragem para ser escritora, uma coragem quase física, do tipo que se precisa para atravessar um rio sobre troncos flutuando. (…)

Depois de um domingo perdida entre ideias e cochiladas aleatórias, resolvi sair, seja lá acompanhada ou não. Eu já acostumei-me com minha solidão, ela não me intimida mais. Eu faço um convite, simplesmente não ligo e não acho ruim que não me respondam, na minha brincadeira de aceitar minha própria solidão, aprender e conviver com ela, de forma que eu fosse uma pessoa melhor, fez de mim uma pessoa mais sensata neste quesito. Mas não nego que a companhia ao qual estendi meu convite, se estivesse ali ao meu lado, talvez me ensinasse a ser uma pessoa mais silenciosa, sim, mais silenciosa do que eu já sou, mas gostaria muitas vezes de não ter minha habilidade de me exprimir bem com as palavras. Gostaria de aprender usar apenas os olhos, e palavras verbalmente escritas, apenas no momento certo.


Fiz meu ritual de domingo, acendi umas velas no banheiro, escolhi uma fragrância na minha tímida coleção de incensos. Abri o chuveiro, coloquei na chave “morno”, naquele começo de tarde de domingo, enquanto algumas pessoas rezam indo à missa ou contam piadas na mesa de família, minha tarde pedia um banho e um  tempo calmo, embaixo das gotas mornas do chuveiro da minha tão simples morada. Eu não vou negar que naquele momento, que as gotas que  caiam em meu corpo, me trouxeram a doce lembrança de um pequeno rio de vinho correndo em minhas costas, e uma língua lambendo languidamente minhas costas. E nós dois, talvez, levados pela sensação de uma leve embriaguez, cravou em meu peito e no meu armário de memórias, um momento inesquecível e único. E naquele momento, enquanto as gotas mornas me tiravam a eloquência de raciocínio, eu queria que estivesse ali comigo, com seus beijos em minhas costas nuas. Cada momento, cada talvez maldito momento que sinto algo escorrer minhas costas, eu sinto teu cheiro aproximando-se  seu toque, ora doce, ora selvagem, uma sinestesia violenta, uma vontade de amar-lhe imoralmente na frente de uma multidão.

É um cheiro de sexo, é um cheiro teu, me chamando embaixo do chuveiro, são teus olhos azuis desconcertantes, imorais, absurdamente imorais, uma tentação que me provoca, e eu me entrego à ela. É a lembrança dos teus olhos, nos momentos que eu me permiti perder a vergonha e olhar para dentro deles, é a lembrança deles que deixaram meus olhos marejados.

Enquanto eu escrevia naquele restaurante, quando eu olhei para o telão, para disfarçar a minha vergonha, estava passando o jogo do Penapolense e São Paulo, que estava ganhando. Jogos do São Paulo fazem-me lembrar do meu avô, torcedor deste time desde os tempos da mocidade. Lembrei-me de quando meu irmãozinho nasceu, ele contava o tempo para chegar o primeiro ano do meu tão querido irmão, para presenteá-lo com um uniforme do São Paulo. Meu irmão, quando nasceu, tinha os mesmos olhos lindos tais como os teus, mas o tempo passou e ele herdou os olhos escuros da família. Eu amo os olhos do meu irmão, assim como os teus, e isso aconteceu no primeiro instante em que levantei meus olhos do livro e vi você chamar meu nome. Mas esta história, você já conhece. Deves pensar que eu estava bêbada enquanto escrevia isso, eu estava na minha quase quarta taça, mas eu preciso de muito mais para ficar totalmente fora do meu mundo real. Pode ser que o vinho me deixou desavergonhada o bastante para pegar uma caneta que carrego na bolsa velha e sem zíper, uma caneta que estaria ali aguardando o tempo certo para um momento sensato. Sim, estou completamente sensata, o vinho faz apenas eu suspirar mais, um suspiro leve, faz meu peito levantar-se mais rápido, e um calor subir gostosamente até a nuca, mas ele não traiu minhas convicções, nem meus sentimentos aqui expostos.


Não é fácil me levar para o lado romântico da Força, você, homem silencioso e digno do meu tempo quem sabe perdido, ali naquela mesa de restaurante chique. Eu escrevo aqui com minhas linhas tortas, porém sinceras. Permito-me escrever aqui o quão perturbada tu me deixaste, ao surgir em minha vida. Não, não estou culpando-lhe de nada. A palavra perturbação aqui tem seu lado poético, e não literal. Sua personalidade questionadora e segura de si, fez-me não sentir-me tão sozinha neste mundo. Até então eu acreditava que pessoas como você não passavam de um delírio de um personagem de um conto clássico. Eu não acredito em perfeição, eu sei exatamente que nesta vida, o segredo é saber lidar com as imperfeições e angústias de nossos próximos, e não surgir apenas quando as coisas estão relativamente boas. Por isso, se eu pudesse, eu lhe perguntaria todos os dias, “Olá, tudo bem contigo, como foi o teu dia?”, ou uma vez por semana, eu perguntaria isso no plural, “como foram os teus dias?”. Pode ser que nossos corpos não se toquem mais, eu digo pode ser, pois odeio tomar conclusões precipitadas. Eu tenho toda a calma e paciência deste mundo. Talvez a ocorrência entre nós tenha sido apenas um momento ou um conto pornô aristocrático.


Eu, naquele restaurante, com minha saia longa e camisa de seda vermelha, ansiava um momento em que seus olhos lânguidos me olhassem de tal forma como se quisessem desamarrar o laço de minha camisa. Eu queria teus olhos naquele momento, olhando para dentro de minha transparência, enquanto eu me concentrava e suspirava na taça de meu vinho, enquanto eu baixasse meus olhos tímidos, a ponto de não querer me entregar tão facilmente, entregar meus sentimentos que há tanto tempo eu bradei aos quatro cantos, que essa pieguice não me atingiria. O Amor é brega, mas ele é bonito… Dizem por aí que a bebida entra e a verdade sai. Eu estava fazendo algo exclusivo em minha vida. No momento em que as músicas boas pararam de tocar, dando espaço para a merda do sertanejo universitário, musicas de gosto bem duvidoso, eu permiti que o som não me incomodasse, e eu então continuei com minhas impressões no papel. Eu não tenho expectativas de um amor pra vida toda, eu não sei nem se estarei viva amanhã, criar expectativa é algo cruel que praticamos para prejudicar sem intenções de parecer algo insensato. As expectativas são inimigas da tão querida e importante Razão, tão logo eu digo que o meu melhor amigo é o senhor Tempo, me encarando nos olhos com o passar dos dias. Ele é a maior caixa de surpresas do universo, e eu me curvo perante um lindo relógio arquitetônico. O Tempo é meu fiel e melhor amigo, mas confesso que anseio que os ponteiros dele andem às vezes mais rápido que o habitual. eu conto as horas, minutos e segundos, eu anseio por teus beijos, pela tua linha lânguida de pescoço e os teus braços. Sim, eu amei seus braços, os detalhes das veias e tendões. Por mais que no momento em que eu escrevia isso, eu estava com taninos em altas concentrações, estou agora, sóbria o suficiente para escrever que amei cada detalhe do teu rosto, cada tom de sua voz, e a sua risada é algo tão sublime, que me faz esquecer que a vida seja mal humorada na maior parte das vezes.



Permita-me ser imoral o bastante, apesar de não me achar imoral em nenhum momento, pois eu não sou um eco, eu escrevo aqui porque desde os meus quinze anos, eu deitava minhas impressões no papel. Eu não sei muitos miligramas dos teus pensamentos sobre minha pessoa, e confesso que isso me deixa loucamente excitada, a mesma excitação que eu sinto quando pego o ônibus para ir ao trabalho  todas as manhãs, e encontro um jardim de Girassóis plantados em plena rua de subúrbio de uma cidade de pedra. Qualquer dia, se quiseres, eu lhe levarei até este jardim, que me faz lembrar alegremente de ti, todas as manhãs, manhãs que ao lembrar-me de teu rosto iluminado pelo sol, me traz um arrepio, e eu me contorço toda, e sinto várias borboletas em meu estômago. Eu queria ser a borboleta que pousa sensualmente e beija a face do girassol, a borboleta que deita em teu peito e se deixa ser devorada.

O Amor é algo que até hoje o homem tenta em vão desmistificar a sua nudez crua, Amor cujas raízes pedem um pouco mais de compreensão não esclarecedora, o Amor sempre tem que manter uma nuance de mistério , senão perde totalmente a graça. O Amor é um desafio, e nem os gênios mais influentes deste nosso universo, souberam lidar com ele. E nós, meros mortais com nossos dias carregados de trabalho e obrigações da vida. Meros mortais com vivência tão questionada, sempre nos bisbilhotando o tempo inteiro, muitas vezes, queremos apenas momentos de paz, talvez uma paz teleguiada. A honestidade não é guiada por taças de vinho, ela nasceu junto comigo e eu não tenho vergonha disso. Não preciso embriagar-me para minhas verdades saírem. Sentiria-me uma mulherzinha, sim, uma Mulher com “m” minúsculo, se eu tão tivesse minha honestidade perante estes teus olhos, tenho toda a minha eloquência aqui e agora, eu só a perco quando seus lábios me tocam, ou quando teus olhos pousam numa graça tão incontida, que eu perco totalmente a noção do tempo e o cinza das horas.


Eu não ligo para o que as pessoas pensavam, ao me ver escrevendo sozinha em um restaurante. Todas as mesas existem uma segunda ou terceira pessoa, mas eu estava ali, sozinha, por vezes com lágrimas aos olhos, de emoção, dificilmente eu não choro quando eu escrevo. São minhas emoções traçadas aqui, nuas e cruas.


Enquanto eu escrevo, há um casal na minha frente com a filha. Ela carrega uma rosa nos cabelos, e ela, com toda a sua teimosia de criança, brincava com os utensílios dispostos naquela mesa. E quando ela não tentava instalar o caos naquela mesa, ela dançava alegremente e inocentemente a música com gosto duvidoso que tocava. Você, homem silencioso e questionador, me cativou a ponto de ignorar toda a blasfêmia sonora que tocava naquele lugar. O que mais me importava naquele momento, era a sinceridade neste fluxo tão intenso de pensamentos, pensamentos que eu esperava ter coragem suficiente para transcrever para este humilde endereço. E eu perdi uma madrugada de segunda inteira, dormi apenas 2 horas, para enfim, desmistificar o meu medo de ao menos tentar ser feliz, não ter medos de arriscar. Eu perdi um certo tempo de minha vida não permitindo-me mostrar-me por inteiro, pelo medo de que os julgamentos de uma sociedade tão mesquinha e cheia de julgamentos injustos e desnecessários. Antes, eu me escondia por trás da pilastra que me dava a falsa sensação de proteção, de conforto. Hoje, o desconforto do meu caos não me amedronta mais. Eu sou como São Jorge, como Dom Quixote, mato os meus dragões de medo com minha espada, e ela não precisa estar afiada a todo momento, para isto basta-me apenas minha coragem.  A coragem de uma mulher é o elemento mais cortante deste mundo, é algo resistente, lapidado como um diamante, nós mulheres, somo como um rio…Eu li isso em um livro ao qual estou relendo pela terceira vez. Quando minhas mãos se sentiam cansadas do ofício de escrever, eu me perdia nas páginas de um livro sobre um homem despedaçado, sobre o delírio das moscas, sobre a filosofia dos homens-rios.


Minha querida mãe e sábio pai, sempre me diziam  que tenho mãos de pianista, devido aos meus dedos compridos e finos. Talvez eu os cruze para que me deem um pouco de sorte para que perca alguns minutos ou horas do teu dia me lendo. E talvez eu tenha um pouco de sorte o bastante, ou meu marlim azul chegue na beira de uma praia, devorado por tubarões. Mas, assim espero, que o tubarão que o matou, aquele que devorou meu tão fiel amigo, seja bonito aos olhos desacostumados de alguém. Sempre levamos algo de bom em qualquer uma de nossas lições. Talvez eu adormeça depois de minha derrota, mas depois eu sei que a imagem reconfortante de leões andando pelas areias brancas da África, me trarão um sono lindo, e eu então vou agradecer por toda minha coragem instanciada assim, tão aerodinâmica, eu posso estar num tanque de guerra, mas minhas palavras são armas que jamais tiveram a intensão de ferir. Talvez você sinta um desconforto no peito, mas isso passa…


Se gostares das palavras digitadas aqui, posso reescrever-lhe isso aqui à mão, ou lhe dar os originais. Permito-me dar um tom mais estético e harmonioso nesta versão digital, mas a intensidade e sinceridade de minhas palavras continuam as mesmas, só a minha letra que é feia, à propósito, muito feia. Se eu for reescrever-lhe isto a mão, para guardar como uma lembrança, eu vou fazer uma letra bonita, para que leias e não tenha nenhuma dúvida sobre o que está escrito ali. O que transcrevo aqui, o que eu escrevi naquela mesa de bar, no primeiro domingo de março, não é o teu eco, e sim a voz do meu desejo, e sim, talvez ele seja imoral, pois minha memória é palpitante, e meus sonhos são úmidos. Eu sou imoral, quando eu tento, em vão, renunciar meu desejo. Isso pra mim, é imoral. A vida é curta demais para negar e deixar de viver aquilo que nos faz felizes, por mero conforto do não desconforto. Viver sem medo é desconfortável, sendo assim eu prefiro minha cama de pregos, do que um colchão macio. Uma vida macia é confortável, mas é vazia.


Você me olha silencioso, e eu lhe envolvo com minhas palavras. Cada palavra aqui, é um abraço e um beijo apertado. Eu amo teu silêncio, assim como amo dias chuvosos. Por vezes, me faz entristecer, mas eu olho pela janela, e acho tudo absurdamente encantador, a ponto de meu desejo ser ensurdecedor. Se meu desejo pudesse cantar, ele seria um cantor lírico, onde na beleza da minha incerteza, compõe uma canção de notas melodiosas e talvez mal compreendidas por seres incautos, pois aqui tem um toque de malícia aristocrática. O incautos não enxergam a malícia, e quando a enxergam a tomam como algo ruim. Toda malícia é necessária, e ela não se torna vulgar se soubermos lapidá-la com cuidado.
Talvez, depois de tudo isso, eu possa causar um afastamento causado por um desconforto que eu não sou capaz de medir. E se isso acontecer, não me torne apenas uma imagem na tua memória. Não gostaria que você se tornasse apenas uma lembrança em forma de pixels. Não espero e não criarei expectativas que me respondas. É necessário um certo tempo para digerir tudo o que aqui está escrito. Eu conto agora, no meu editor, três mil e trinta e seis palavras, e eu nem ao menos terminei. Eu não vou lhe dizer que eu te amo, pois isso é uma atitude desesperadora de uma mulher que não aceita ser sozinha nesta vida. Para dizer Eu te amo, é necessário tempo, “Eu te amo” é uma palavra muito forte, mas eu não nego que estou chegando quase na estrada onde está esta placa escrita em letras garrafais. Mas eu parei no acostamento, e estou fumando um cigarro. Talvez os meus pneus estejam furados, e eu não entendo nada sobre isso. Talvez meus pneus estejam apenas murchos, esperando um sopro de ar. Assim eu continuarei na minha estrada, e quando eu encontrar essa tão complexa placa, eu espero ter toda a sabedoria do mundo para não deixar que ela me derrube. Ela é linda, mas o Amor dói, o Amor machuca. O Amor é como uma rosa, doce, suave, bonito, mas com espinhos. Eu sou madura o suficiente para aceitar este fato, eu aprendi nas duras lições dessa vida.


Quando veres minha imagem em fotografias de criança, penses que aquela criatura magra, banguela e feliz, te admira como um Homem, assim, com H maiúsculo. E se eu demorei muito para permitir ser beijada e beijar-lhe, o porque o desejo que se acumula aqui dentro, me fazem contar os segundos para ter a oportunidade de lhe fazer um homem feliz. Não lhe digo o mais feliz deste mundo, a felicidade pode não existir, mas ela é feita de momentos, e que nos maus momentos, o seu antônimo seja bom o bastante para relevar os dias e momentos cinzentos. Nada como um dia após o outro, e a nossa capacidade de ver e compreender as adversidades que tanto nos perseguem e nos tiram, por vezes, a fé.


E eu encerro aqui. Todas as minhas palavras até então, são por Amor…Um Amor pelas causas perdidas, um Amor pelo fim de sentimentos rasos. Uma ode, talvez, à loucura dos seres que acreditam que nem tudo está perdido. Que nossos dragões sejam apenas belos e imponentes moinhos de vento. Jaz aqui, neste fim de parágrafo, uma fidalga, uma mulher que está navegando no mar, olhando as gaivotas voarem contra a luz do sol, sentindo sede, e talvez, uma falta de sorte…


“(…)Gostaria de poder ver o brilho das luzes. Estou sempre desejando coisas. Mas essa é a que mais desejaria agora.”



E isto é o que eu quero ter a sorte em dizer-lhe:


Boa noite homem nobre. Feche teus olhos e não se assombre com os dragões, nem com tubarões. Dragões são apenas moinhos de vento, tubarões são apenas um mal necessário devorando nossa luta em alto mar. Deite-se na cama, e sonhe com leões que caminham na areia branca. Erga os olhos ao céu, e não baixe os olhos quando a tempestade chegar. Não baixe os olhos para o chão, como a flor do sol perante a chuva, siga em frente, seja um fidalgo, seja um sonhador, seja um apanhador no campo de um centeio, por amor às causas tão perdidas.

A imoralidade mora no céu…E no coração dos homens.

Este texto é a coisa mais imoral que eu já escrevi. Eu sou humana, fraca, eu tento resistir à tentação, mas ela é mais forte do eu. Eu não sou um eco de ninguém, apenas permito-me escrever um fluxo de pensamentos, um fluxo de coisas que fazem parte da minha tão simples vida. Sim , eu escrevo sobre a vida, eu adoro metáforas, eu acho a sutileza algo extremamente elegante. Eu demorei muito para escrever essa metáfora sobre o Sol e a Lua, entre outras coisas da Terra, eu terminei de escrevê-lo eram três horas da manhã. Fiquei por minutos, pensando se valia a pena publicá-lo ou não. Publiquei primeiramente no meu outro blog, que um grupo de escritores e ilustradores. E por que, você se pergunta, que eu fiquei por tempos pensando se publicava ou não? Porque este texto pode ser considerado muito, mas muito, absurdamente imoral. Mas este texto tem alma própria, é bonito, sensível, e se eu pensei em alguém pra escrever isso, não é porque não tenho idéias próprias, mas a partir do momento que algo entra em nossas vidas a ponto de refletirmos sobre nossas atitudes, razões, emoções, que nos traz um sorriso mais largo, enfim, não creio que seja imoral. Pode ser um tentação irresistível, claro, pode mesmo, e o que nos resta, como seres humanos, é quando não podemos vencer nossas convicções, nos entregamos ao pecado. E teria outro jeito? Renunciar, talvez, eu sou teimosa, odeio renúncias, sou uma eterna errante, eu não nego e não renúncio, eu luto até o fim. Não sou de renunciar sentimentos, já machuquei-me muito por ser assim, mas creio que tudo nesta vida vale a pena, tudo nós levamos como uma lição, e não devemos deixar de correr riscos. Sigo por aí, traindo minhas convicções, pecando, mas não deixo de ser única, ter virtudes reais, sentimentos intensos, ideias e pensamentos que voam como uma folha na fúria de um vento. Se deixo-me inspirar, é porque permito-me olhar o que há de Belo nesta vida, e eu não falo só de lindos olhos azuis e um sorriso. Existem muitas coisas além disso,  muitas coisas além do que os nossos olhos enxergam. Somente a Beleza não me basta, é preciso que toque meu coração e que me tire completamente da toca. São bem poucos, não passa nem de uma mão, se eu contar nos dedos, as pessoas que me fizeram crer que nem tudo está perdido. Sou uma eterna errante, tal como Dom Quixote, estou sempre em busca de causas perdidas.

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Este texto que vem logo abaixo é um conceito. Deve ser lido como uma fantasia, um sonho, uma metáfora. O Sol, a Lua, como dois apaixonados, trocando mensagens entre si.  Quem sabe, você, querido (a) leitor (a), leia este texto pensando na pessoa amada, mesmo que ele (a) não esteja anos luz de distância, mas sempre, ao amanhecer, no pôr do sol ou numa noite de lua cheia, quando olhar para o céu, é o sorriso desconcertante do ser amado que lhe surge  na memória. O amanhecer e os primeiros raios da manhã que nos aquece, o entardecer e os raios alaranjados do Soberano Sol, a Lua com suas fases…Todas esses fatores “astronômicos”, influenciam não só o movimento das marés do oceano, mas também os sentimentos e pensamentos dos homens e mulheres na Terra. Já dizia Lord Henry, em “O Retrato de Dorian Gray”, livro de Oscar Wilde:

– Não existe boa influência – respondeu Lord Henry. – Toda influência é imoral – imoral do ponto de vista científico -, porque influenciar uma pessoa é dar-lhe sua própria alma. Ela já não pensa com seus próprios pensamentos nem sente suas próprias paixões. Suas virtudes não são reais para ela. Seus pecados, se existem tais coisas, são emprestados. Torna-se um eco da música de outra pessoa. O objetivo da vida é o autodesenvolvimento. Cumprir a própria natureza perfeitamente – essa é a razão por que estamos aqui. As pessoas têm medo de si mesmas, hoje em dia. Esqueceram-se de seu principal dever. Claro que são caridosas: alimentam os famintos, vestem os mendigos. Mas suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. O terror da sociedade, que é a base da moral, e o terror de Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam. Mas eu acredito que se um homem vivesse sua vida completamente, desse forma a todo sentimento, expressão a todo pensamento, a realidade a cada sonho, acredito que o mundo ganharia um impulso novo de alegria. Mas o mais corajoso dos homens tem medo de si mesmo. Cada impulso que lutamos para estrangular aninha-se na mente e nos envenena. O corpo peca uma vez e não tem nada mais a ver com o pecado, pois a ação é um modo de purificação. Nada permanece, a não ser a lembrança de um prazer ou desgosto. A única maneira de se livrar de uma tentação é entregar-se a ela…

Quando o Sol ou a Lua não aparecem, é porque estão cansados de ser a inspiração e influência amorosa dos seres da Terra. Eles se entristecem de tal forma, que se escondem por trás de nuvens. Por vezes, a lua fica minguante, ela quer mostrar apenas uma parte da sua saudade, mas ela é amada mesmo assim. Nós, humanos, entregamos todas as nossas tentações e pecados embaixo do calor de uma estrela imponente, e fazemos declarações sob o Luar.

Espero que gostem, e que ao terminarem de ler este texto, pensem na pessoa amada, mandem uma mensagem dizendo “Eu te amo”, ou dizer que está com saudades, e agradeça, de alguma forma, por essa pessoa ter surgido em sua vida e iluminado seu sorriso e razão de viver. E se você, querido (a) leitor (a), que ama alguém, e a pessoa não saiba disso, meu amigo (a), eu digo-lhe que a vida é muito curta para não tentar. Não se vive sem correr riscos, lembrem-se disso. Obrigada e boa leitura!

Prólogo.

– No começo existia apenas a escuridão. Então surgiu o sol, seu nome é Guaraci. Um dia ele ficou muito cansado e precisou dormir. Quando Guaraci fechou os olhos, tudo escureceu. Então, para iluminar a escuridão deixada por ele, enquanto ele fechava os olhos por longo período de tempo, ele criou a lua, e lhe deu Jaci, de alcunha. Ele Guaraci, criou uma Lua tão bonita que imediatamente apaixonou-se por ela. Encantou-se de uma forma tão intensa, que o seu brilho a ofuscava, como se ela estivesse assustada perante tal intensidade de seus raios de sol. Ela, Jaci, era uma menina desajeitada perante o brilho inebriante do Sol, e este, um menino desajeitado perante a intensidade da Lua. A Lua desaparecia tímida, quando o Sol aparecia. Guaraci criou, então, o Amor, deu-lhe o nome de Rudá, e este era seu porta-voz. O Amor até então, a única coisa que ele conhecia, era a Luz ou as Trevas. Não importando as estações do ano, a passagem do tempo, o momento, não importava nada… Rudá sempre podia dizer a Jaci o quanto Guaraci, o rei soberano, era apaixonado por ela. Vendo que a Lua estava sempre sozinha, Guaraci criou também companheiras para ela. Deu-lhe o nome de Estrelas, elas tornaram-se então, suas irmãs. O rei soberano, enquanto dormia, não queria que sua amada ficasse sozinha. Os dois se amavam, apesar de toda distância. Guaraci ama tanto a Jaci, que lhe deu seu brilho e calor enquanto dormia.
De tempos em tempos, os amantes se tocam… E quando eles transformam-se em seres únicos, mesmo na efemeridade deste encontro, visto à unidade de tempo do nosso universo, o Amor, a maneira de como um toca o outro, se torna única. E foi assim, segundo os indígenas, que tudo o que existe quando olhamos o céu, é fruto do Amor de Guaraci e Jaci.

Cartas ao meu Rei Soberano

Esta noite eu me lembrei de você. Não sei por que exatamente escrevo-lhe “Esta noite”, pois você sabe que todas as noites, aqui no nosso céu, você sabe que eu penso em você e que eu posso sentir seus raios me aquecendo mesmo em noites de inverno, mesmo quando as nuvens me encobrem, quando eu me sinto cansada da contemplação dos seres humanos, quando o uivo dos lobos, e o miado dos gatos que namoram nos telhados ou em árvores, enfim, estes sons me enlouquecem e por momentos, meu Amor, eu quero ficar surda. Quero apenas que me toque, e que me aqueça ainda mais. Quero que olhem nosso Amor, e fiquem todos cegos. Alguns humanos, eu percebi, ficam acanhados perante um casal que se ama, os que estão solitários, olham pra mim e me pedem uma paixão, um Amor, alguns, sofrem, platonicamente, e me pedem que lhe trague o ser amado ao qual amam à distância. Eu posso ver o amor platônico deles rolando numa cama iluminada pela minha luz, mas nesta Terra, os humanos acreditam em algo que eles chamam de Esperança. Eu também, todas as noites, eu tenho algo bem semelhante a este sentimento dos terráqueos, seria também, Esperança? Amor, meu rei soberano, queria que o Universo adiantasse nosso encontro. Eu sinto muitas saudades, mesmo você deixando em mim todo o teu calor, eu sinto uma saudade extrema do momento efêmero de deitar-me em teu peito.

Esta noite, quando olhei lá embaixo, num bairro de subúrbio qualquer, eu encontrei uma flor chamada Girassol, dizem por aí que ele é UM flor, e não UMA flor. Ele é lindo, imponente, de uma beleza que o nosso amigo Tempo me contou que é como um verbo que não se conjuga. Alguns humanos se calam perante a Beleza do Girassol, outros dizem, o quanto é belo, tão belo quanto tu. Outros humanos, dizem que seus amados possuem a mesma beleza e sentimentos do Girassol. Um lobo me contou, que o Girassol, em dias chuvosos, murcha e coloca-se a olhar para os pés, tímido, como se estivesse acuado, ou se a chuva trouxesse a ele todos os tons de cinza que ela carrega. Ele, Girassol, agradece pelas gotas de chuva que caem aos pés, se sente pleno com a água escorrendo nas pétalas, mas ele sente falta do teu brilho, sente falta do teu calor aquecendo-lhe as pétalas. Quando você o aquece e ilumina, ele fica altivo e contente.

O lobo contou-me também, que o Girassol também gosta do silêncio. Ele pede para aqueles que pousam em seu ombro, que respeitem seu Silêncio. O Girassol é de poucas palavras, o Silêncio que ele carrega, é como um belo poema. O Girassol se fosse um ser humano, como os homens que caminham na Terra, ele amaria com olhos.

Alguns pássaros pousam nele e comem as sementes que saltam de seu miolo. E ele não esbraveja, sente-se feliz, e um dia, ele finalmente morre. Mas alguns pássaros, distraídos, deixam algumas sementes caírem ao chão.  Depois de alguns dias de chuva, outros dias iluminados com tua Força, Beleza e Calor, outro Girassol surge, mas, todos os Girassóis, me disse o Lobo, ficam extasiantes diante de ti. Eu confesso meu Amor, eu senti uma ponta de ciúme desta flor, pois ela está lá, sempre lhe contemplando, isso me perturba um pouco, pois sou eu, a sua Dama, aquela que lhe espera, sempre nova, para poder me aconchegar-me no teu peito, encher-lhe de beijos, e sussurrar meu êxtase nos teus ouvidos. Mas eu percebo, que da mesma maneira que aparentemente o Girassol lhe contempla, ele também me observa nas noites de minha estação nova ou cheia. Ele me olha, nos olhos, parece que quer me dizer algo, mas não consegue. É como se o Silêncio que ele carrega timidamente, fosse uma forma de aplauso. A Beleza do Girassol me deixa extasiada, por lembrar tanto você, as pétalas do Girassol, lembram-me teus raios, que me envolvem naquele momento que eu tão espero.

Eu te amo meu Amor, eu sei que já lhe escrevi isso, durante toda a nossa existência. As nuvens me dizem que você também sente saudades, que quando fecha os seus olhos e eu abro os meus, é comigo com quem sonha. Peço-lhe meu querido, toda a calma do universo. Eu, sempre mais expressiva, talvez porque os humanos, uma espécie de humano que eles chamam de “Poetas”, dizem que eu tenho alma feminina, que sou como as mulheres na Terra, porque elas, assim como eu, são cheias de fases, mas todas elas querem um abraço, o calor de um homem, que neste caso, dizem por aí, estes mesmos “Poetas”, que você, meu Sol soberano, é como o Homem, pois é de poucas palavras. Você gosta do Silêncio, eu sou verborrágica. Rudá entrega-lhe minhas mensagens em muitas linhas, você é tão calado que sinceramente eu lhe digo que teu silêncio por vezes me corrói. Eu me preocupo contigo, eu sei que estás aí, brilhando alto e imponente, que às vezes, como o Girassol, se esconde encolhendo-se em dias de chuva. Mas você não é sempre assim. Uma coruja buraqueira contou-me, que um dia, estava chovendo, e ela estava tomando um banho no toco de uma cerca na beira da estrada. E você apareceu, no meio da chuva, e fez uma coisa que os humanos chamam de arco-íris. Mas, ela disse-me que você chora toda vez que faz isso, ao entardecer. E você, em seu silêncio, nunca me contou.

Enfim, saiba meu Amado, que enquanto você estiver vivo, radiando seu calor, em Silêncio, eu sei que está por perto, pois eu sinto teu calor toda vez que eu acordo, e ele me lembra do dia em que eu me deitei em teu peito. Fique bem, pois aonde quer que esteja o meu pensamento eu levo junto a ti. 

Cartas do Rei Soberano para sua Rainha.

Olá, tudo bem? Andei muito ocupado. Alguns humanos estão construindo centros que captam minha energia. Chamam isso de Energia Solar, inserido num contexto que eles chamam de sustentabilidade. Eles me sufocam, e eu também os sufoco com o meu calor. Mas eles estão me sufocando tanto, que qualquer hora vai ter daquelas minhas tempestades solares. Ando muito cansado. Desculpa se eu não falo muito contigo. Sabes tu que eu gosto do silêncio, eu não tenho toda a sua intensidade, entenda, este é o meu jeito de ser.

Eu tenho uma surpresa pra você, estive conversando com tal de Deus, e ele me disse que há muito tempo atrás, ele criou uma espécie de flor que se assemelha a mim. O nome dela é Girassol, ele tem minhas cores, é calado. Tu já deves ter olhado para ele, e se sentido estranha alguma vez. Deus me confessou que fez à minha imagem e semelhança, algo que os humanos chamam de metáfora. Conhece essa palavra?Achei-a bem bonita, ME-TÁ-FO-RA, lindo não é? Deus disse que esta flor, fica imponente com meus raios, e quando eu vou dormir, este tal de Girassol fica na terra, e quando você aparece, ele contempla-lhe, e de uma maneira simbólica, “metaforicamente” falando, aquela flor ali, sou eu olhando pra ti. Deus é tão sacana, depois de bilhares de anos, ele foi-me contar isso só agora. Aquele Girassol é um mimo pra você, se você o olhar, e amá-lo, é a mim que está contemplando. Quando eu acordo, o Girassol sempre me fala que você estava linda, com suas manchinhas. Desculpe-me falar disso só agora, eu ando meio esquecido. Eu sempre esqueço as coisas, esses dias eu esqueci um dos meus neutrinos no espaço, achei até que havia esquecido, porém, desta vez eu encontrei.

Esses dias foram chuvosos, eu não apareci no céu, mas tentei pela bilionésima vez deixar um presente pra ti. Eu sou teimoso, eu sei que talvez não vá dar certo nunca, mas eu não desisto. Um dia você vai acordar, e a noite irá nascer duas vezes pra ti. Quando chove, eu saio timidamente da minha toca, e tento criar junto com minha amiga Chuva, um arco de sete cores. Você me disse que gosta de cores, e eu vejo sua alma assim, cheia de cores, nuances. Mas eu fico triste, pois esse arco é efêmero, quando chega o entardecer, ele some. Se você pudesse ver a Beleza dele, se encantaria. Eu sei, eu já lhe disse que a influência é imoral, mas se você pudesse ver o arco-íris, seria tão lindo. Estarei eu traindo a minha convicção?Eu acredito que não poderia ser melhor, mas eu confesso, eu sou como o Homem lá na Terra. Dizem os humanos, que o homem perante do que é belo e caótico, sente-se como um menino desajeitado. Eu não lhe prometo a mesma intensidade verborrágica, não tenho a mesma coragem que tu. Meus instantes, talvez sejam mal traduzidos, mas é minha forma de ser. Peço que releve isso. Boa noite querida.

A loucura das quatro estações – Parte 2

Quero apenas cinco coisas.. Primeiro é o amor sem fim A segunda é ver o outono A terceira é o grave inverno Em quarto lugar o verão A quinta coisa são teus olhos Não quero dormir sem teus olhos. Não quero ser... sem que me olhes. Abro mão da primavera para que continues me olhando.                Pablo Neruda
Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser… sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.
Pablo Neruda

Despiram-se, como árvores que perdem as folhas. Insanamente, começaram a se amar, ali, no chão. Eram todas as cores juntas, misturadas, o sexo tem cores, e elas se misturam, e era nisso que eles acreditavam. Um sexo cinza é broxante, tudo deve fluir, as cores das peles juntas e suadas, os fios de cabelos, o toque, os gemidos. Sexo é sinestesia. Tudo em cores de outono, olhando de cima, um casal se amando entre as folhas. As cores do lençol que se misturavam quando ele a levantou e a carregou para o aconchego daquela cama simples. Era uma cama velha, mas bem arrumada e com lençóis bonitos. A lingerie vermelha largada ao chão era como uma rosa, uma rosa que floresceu em pleno outono. Para as rosas, não existem estações, não existe o Tempo. A rosa é uma flor a frente do seu tempo. Ela floresce quando bem entender, debaixo dos raios de sol escaldantes de um verão tempestuoso, com suas chuvas de finais de tarde, florescem no outono resmungão, rabugento com seus ventos, exalam sua beleza e perfume no inverno que nos arrepia a pele e nos convida para perto do fogo, e na primavera…bem, na primavera a Rosa floresce sem a mínima vergonha. Ela se abre, se deixa envolver, suas pétalas são suaves, e sua beleza é eterna, mesmo estando secas guardadas dentro de uma garrafa de vinho sobre a mesa. Pessoas deviam ser como rosas, sem tempo ruim, devemos nos permitir crescer e desabrochar como as rosas. As rosas tem espinhos…Sim caro leitor, toda rosa tem seu espinho, ao espetar seus dedos, você pode gritar de dor, ou levar o dedo a boca e sugá-lo levemente, como uma criança suga os peitos da mãe, como um amante beijando os mamilos de sua amada. Nós podemos levar nossas loucuras, erros e tropeços com agressividade ou suavidade. Podemos sair esbravejando feito vento matutino de uma manhã de outono, mas basta nos proteger embaixo de nossos agasalhos de razão e bem senso. É fácil falar, é fácil escrever?Não não é…Escrever é como o outono. Você fica embaixo de uma árvore e espera que tua folha de inspiração caia em teus pés, mas a vida não funciona desta forma. Muitas vezes temos que ter força suficiente para pegar uma escada e buscar nossa inspiração antes que ela caia aos nossos pés, e vale lembrar, algumas folhas nunca caem, e quando caem, é de uma tal brevidade que o gari já a levou embora e agora ela é queimada numa fogueira. Não vamos perder tempo, vamos contemplar o outono e apanhar nossas folhas antes que elas voem longe com o Tempo, e isto não é loucura, isto se chama saber viver. Quanto as folhas de outono caírem e emaranharem-se em meus cabelos, tire-a com a suavidade de uma rosa, mas vamos fazer amor com a intensidade de um vento de outono, com a beleza de uma tempestade, que seja um sexo quente como o verão, que nosso carinho um ao outro seja suave como a primavera, mas que ao mesmo tempo nos permita a selvageria de uma nevasca em terras europeias  e que esteja ao final,  nossos corpos arrepiados o bastante para nos abraçarmos.

Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza.
Nietzsche

Madrugada de Rimbaud

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então…

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Arthur Rimbaud

Eu me encontrei agora num sorriso de verão. Agora o outono pode chegar e me abraçar envolta de um mar de folhas coloridas jogadas ao chão. Nunca amei tanto a minha falsa sensação que e os momentos são eternos. Digo falsa sensação, porque eu sei, minha alma ignorante sabe que a nossa vida não é eterna, mas nossos instantes, sim, nossos breves espetáculos do palco da vida, nossos beijos, abraços, saliva e suor, podem ter o cheiro breve de um toda eternidade. Um cão pode lamber minhas lágrimas enquanto me coloco a chorar sobre a verdade nua e crua da vida. Enquanto o cão lambe minhas lágrimas, eu penso em dia não muito distante, um dia onde minhas conjecturas serão lidas e compreendidas por uma alma que antes eu achava tão inexistente. E eu então vou me perguntar, todas as manhãs, ao abrir meus olhos, se o meu mar terá cores tão bonitas, quando o teu raio de sol bater em minhas águas. O meu mar está calmo, e o teu raio de sol aquece minhas águas, e no horizonte, um arco-íris bonito se perde na beleza infinita do universo. Quando o outono chegar, quero me deitar contigo em cima das folhas, quero que tires pequenas folhas tímidas que vão se emaranhar nos meus cabelos. E o vento do outono teimará em levar minhas anotações embora, mas eu como uma criança teimosa, sairei correndo atrás de meus ímpetos e desejos, e numa manhã qualquer, juntarei todos os meus papéis, e então posso escrever algo que posso vir a considerar como a coisa mais bela que eu já escrevi. Meus pensamentos transcritos de forma linear, permito-me dar as minhas emoções um tom de granada, como uma tarde ensanguentada de touros, esse vermelho sangue que vês agora, é minha alma tão intensa pintada em quadros de Bosch. Se pareço confusa, permita-me descrever-me por linhas tortas e insones. Se olhar em meus olhos, encontrará apenas o mistério expresso em duas bolas pretas. Mas meus lábios, estarão sempre úmidos. O meu corpo me trai, minha mente tenta me enganar, mas meu corpo trai, há caminhos de arrepio em minhas pernas, há pelos eriçados em meus braços, e talvez algum rubor em meu rosto. E eu darei um sorriso tímido, porque eu sou assim, não sei me expressar com olhos, eles tentam dizer e exprimir meus mais íntimos sentimentos, mas são as palavras que consomem e ardem meu desejo, é o meu corpo que faz meus sentidos gritarem, é ele que trai a eloquência do meu raciocínio.

Speak to me only with your eyes

Memórias de uma mulher cansada voltando do trabalho lendo Hemingway.

Eu não quero mais mentir, usar espinhos que só causam dor, pois eu não enxergo mais o inferno que me atraiu…Dos cegos do castelo eu me despeço e vou…A pé…Até encontrar…Um caminho…Um lugar, para aquilo que eu sou…Eu cuidarei do seu jantar…Do céu e do mar…E de você e de mim…

Depois de doze horas de trabalho, chegou uma hora que meus olhos não distinguiam mais as linhas de tabelas, parâmetros e tudo mais. Status report concluído e uma sensação de fracasso que me tomou conta, pois eu acreditava que mataria o gargalo do projeto naquela noite. Foi extremamente desmotivante sair da empresa com uma sensação de peso nas costas. Posso parecer uma pessoa totalmente despreocupada, mas sou perfeccionista em meu trabalho, quero que as coisas saiam dentro dos conformes, e não foi o caso de hoje. Segui meu rumo, andando cansada no meio de todas aquelas pessoas que assim como eu, partiam para suas casas. Minha cara, meus olhos, são de cansaço agora. Escrevo aqui apenas para espantar alguns demônios pessoais, para tirar um pouco da tormenta que me acompanha. Cheguei na passarela que corta a rodovia, respirei fundo, aquela passarela, à noite, no meio das luzes amarelas, em tempos de hora extra são como luzes confortantes. Gosto da beleza das luzes amarelas dos postes e os carros passando, na paz, ora no caos, com seus faróis. Coloco uma música e passo a pensar no dia de amanhã, e que talvez eu consiga resolver grande parte dos meus problemas pendentes. E então eu escuto uma música que me traz lembranças, e um certa sensação de saudade me invade, e então um turbilhão de pensamentos e memórias e por vezes, cheiros, invadem esse coração e memória, e eu suspiro, enquanto ouço os carros passando embaixo da passarela. No ponto de ônibus, pessoas com suas cabeças baixas e mesma expressão de cansaço na face, e então não me senti mais tão sozinha naquele universo. E hoje à noite está uma noite fresca, com ventos que me bagunçam o cabelo e teimam em virar a página do livro que terminei de ler esta noite. O ônibus chega, minguado, com pessoas dormindo e uma inclusive, babando de boca aberta. E a música de Tim Buckley, chamada “Love from Room 109 – Strange Feelin” começou a tocar, e nela diz:

O cheiro de sua pele doce faz complicar o meu sonho
Oh posso ficar aqui por algum tempo vivendo o seu sorriso

Ah, como você poderia saber o que você fez
Você aqueceu meu coração quando eu estava tão sozinho
Mas tudo o que tenho para dar
São os meus sonhos de ir e vir para sempre
Dentro dos rios do tempo você vai me encontrar esperando
Para que você possa encontrar paz em sua mente
Assim, podemos amar de novo

E então um sorriso invadiu meu rosto, mas por dentro, aqui neste frágil coração apenas uma lembrança que pode ficar apenas nos baús da minha memória, e por hora, eu até me culpo de ser tão intensa, muitas vezes devo guardar minha sinceridade apenas para mim, não devo abusar da sorte, muitas vezes eu sou assim, como o Velho Santiago do romance de Hemingway, “O velho e o mar”:

"Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado"
“Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”

(…)Gostaria de comprar um pouco de sorte se houvesse um lugar onde a vendessem. Mas com que eu poderia comprá-la? Poderia comprá-la com um arpão perdido, com a faca partida ou com estas duas mãos em carne viva?Talvez…Você tentou comprá-la com oitenta e quatro dias no mar. Quase que lhe venderam.
Não posso continuar a pensar nestes disparates. A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é que pode reconhecê-la? Por mim aceitaria um bocado de sorte fosse qual fosse a forma como viesse e pagaria o que me pedissem por ela. Gostaria de poder ver o brilho das luzes. Estou sempre desejando coisas. Mas essa é a que mais desejaria agora.”

E eu estava lá, no ponto de ônibus do terminal de Barão Geraldo, esperando o segundo ônibus que levaria esse corpo cansado para os braços de minha cama. Fiquei lá, no meio do vento, sentada no banco, solitária com meu vestido vermelho e face cansada. O vento teimava em querer virar as últimas páginas do meu livro do Hemingway. Mas eu estava ali, lutando contra o vento e colocando a minha missão de terminar de ler aquele livro tão encantador. É muito incrível o poder e a forma de como uma boa leitura pode nos golpear a face com luvas de pelica. Estava eu ali, amaldiçoando a minha falta de sorte por ser assim, intensa demais, essa minha falta de noção de mostrar minhas ideias, meus sentimentos, aquela coisa de dar as duas faces para bater. Se me batem, eu ofereço outra face. Simples assim, o tempo cicatriza qualquer ferida, é o que minha sábia mãe dizia, que por sua vez, minha avó já dizia a ela. E por mais que minha mãe sempre me diz que nesta nossa vida, se alimentar de ilusões é um erro, eu sou uma errante, e naquele ponto de ônibus eu tomei uma bofetada ao perceber que nenhum ser humano, nem mesmo o magnífico Hemingway pode reconhecer a sorte e até mesmo a falta dela se aproximando. Eu diria o mesmo, sobre ilusões e expectativas, nós fingimos viver embaixo de nossos guarda-chuvas de ceticismo, mas por dentro carregamos aquela esperança boba e pura que a nossa sorte está chegando sorrindo em noite de lua cheia com vento, com os olhos mais bonitos e desconcertantes que já vimos, mas envoltos numa neblina de mistério.
Naquele ônibus das dez horas da noite, tinham duas mulheres que falavam sobre novelas e BBB, e eu que sempre presto atenção nos detalhes ao meu redor, deixei as pérolas de lado. Quem sou eu para julgar aqueles que gostam de coisas ao qual eu não gosto?As coisas são simples, para conversas alheias e desinteressantes, existe o bom e velho fone de ouvido, ou um livro, neste caso, a história do velho Santiago e sua fé perturbadora nas conquistas e força de vontade. E eu, lendo este livro, vejo que nossa fé nas coisas que acreditamos deve ficar ali, forte e decidida. Só devemos soltar nossa linha quando a Morte chega, enquanto isso não acontece, devemos acreditar na nossa força de pescarmos nossos marlins, e por mais que eles sejam devorados pela falta de sorte, sempre sobra algo de nossos sonhos, alguma carcaça, e mais tarde, alguma pessoa pode enxergar a beleza que nossa falta de sorte trouxe, a cauda de nossa fé inabalável naquilo que acreditamos, pode estar chegando, boiando na beira-costa. Talvez alguém veja e diga:

Não sabia que os tubarões tinham caudas tão belas e tão bem formadas”

A nossa fé inabalável, regada por sorte ou a falta dela, aos olhos dos outros pode ser reconhecida como uma beleza, pois nossos atos falhos nos trazem reconhecimentos, pois com nossos erros vangloriamos mais tarde com nossas vitórias, na alegria ou tristeza, sempre levamos uma boa lição ao deitarmos nas nossas camas à noite. O Velho Santiago dormia em sua cama, sua almofada era sua única calça embrulhada, seu colchão consistia apenas de alguns jornais velhos amontoados, mas aquele velho ali, que tanto amava seu amigo Manolin,e enxergava a beleza nas pequenas coisas, quando fechava os olhos, sonhava com leões, praias de areia branca da África. Humbert Humbert, de Nabokov, sonhava com bisões extintos, anjos e pensava no refúgio da arte. Eu deito meu corpo cansado em minha cama agora, que não é feita de jornais, talvez de alguns livros espalhados que durmo junto quando o sono aparece repentino e sem aviso acordo no outro dia…Acontece, muitas vezes, de eu dormir com um livro aberto no peito, e as luzes acesas. Eu estou cansada agora, quero a minha tão preciosa cama. Enquanto Manolin observa seu velho dormindo, ele sonha com Leões…E eu, incorrigivel, com minha fé inabalável, talvez com sorte ou falta de sorte, ando sonhando com um girassol. E ele está lá, em seu jardim, solitário, talvez pensando anjos e bisões antigos, ou em leões…

[Inventamos amores procurando O Amor. Amargamos tristezas pra achar a felicidade perpétua.]

Deita no meu peito e me devora
Na vida só resta seguir…
Um risco, um passo, um gesto rio afora…

E vivemos por aí pensando em nossos demônios pessoais. O meu demônio pessoal sussurra nos meus ouvidos, durante a madrugada insone, uma legião de pensamentos sussurrando ora baixinho, ora numa loucura ensurdecedora. Ando tecendo as malhas do meu destino, com um sorriso insano no rosto, e um pouco de loucura nos olhos. Permito-me amar sem medo, mas eu não invento os meus amores. Ou será que invento? Eu acho a tristeza bonita? Sim, às vezes, eu sou uma pessoa que procura ver a beleza nas coisas, mesmo nas tristes. Eu vi esses dias, a foto de um bombeiro com lágrimas nos olhos, era uma foto triste, mas ela estava ali e não deixava de ser bela, mesmo com toda aquela tristeza representada em pixels na tela do meu monitor. E agora, minhas noites são tão longas, igual a felicidade utópica que eu persigo no meu dia a dia. Se eu erro, se eu choro, ao final eu dou risada, e é uma gargalhada gostosa, talvez uma risada inventada, uma tristeza de humor negro meio amarga, como um Diamante Negro que tinge meus dedos e eu como uma criança a lamber os dedos de chocolate. E então eu sujo meus lábios, e eu não me importo, pois chocolate é uma felicidade, quase perpétua, porque quando chega ao final da embalagem eu ainda estou procurando o meu Amor perdido ali, e geralmente, ele tem um gosto amargo, um gosto de noventa por cento de puro cacau, mas é isso que me faz perder o rumo, um Amor assim, tão puro, lapidado como diamantes negros, raros, complicados e quase perfeitinhos. Não tive muitos Amores nessa vida, mas os que eu tive eu respeito, e guardo dentro do baú de minha memória. Talvez uma história para ser contada mais tarde, uma história de vida. Todo poeta vive um grande amor, todo poeta se ilude, todo artista amarga suas tristezas em linhas insones. Eu invento o meu Amor me inspirando na arte de viver, e nesta arte eu encontrei o meu Amor, e ele está sorrindo agora. Eu posso amargar minha tristeza mais tarde, mas minha felicidade será perpétua guardada no baú de minhas boas memórias.

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Obrigada querida Malu, por ter escrito essa frase tão inspiradora que usei de título. Penso nela todos os dias!