Confessionário

O prazer é um pecado, e às vezes o pecado é um prazer. 
(Lord Byron)

As luzes lá fora já se apagaram. Os quatro comprimidos sublinguais de Rivotril duas miligramas estão se desmanchando na boca. O conhaque Presidente está pela metade, sorrindo pra ela, o gato oportunista passeando entre as pernas, entrelaçando-se, olhando pra cima e emitindo o som estranho que vem dos gatos: ronronar… Ronronar. Ela sempre gostou desta palavra, soa estranhamente erótico. Doente… Pensou ela… O gato, de alcunha Byron, queria carinho? Não, ele quer comida, está sempre faminto, com olhares piedosos, tal como o gato do desenho do ogro verde e o burro falante. O prato de Byron, o Gato está vazio. Talvez tenha um pouco de leite não coalhado na geladeira e um resto de comida de gato enlatada. Byron a encara, na penumbra da madrugada aqueles olhos amarelos lhe dão arrepios e ele a segue sentindo-se satisfeito quando ela coloca a tigela de comida ao chão.

Gatos desgraçados, tão classudos, comendo sentados, parando para respirar, olhando ao redor. Aqueles olhos amarelos de reprovação, enquanto ela toma goles longos de conhaque e acende a porcaria dos cigarros mentolados que ela esconde na gaveta. Os comprimidos de Rivotril, numa pasta nojenta, misturando com o conhaque made in Paraguai na boca. Aquela sensação relaxante, quente, densa e consoladora, com um peso de um homem entre as pernas, seu velho homem.

Os olhos do gato dizem: tal como o peso daquele seu velho homem ao qual você nunca teve.

Dá uma alta risada de escárnio, e vai se derretendo no sofá, com o olhar perdido no teto mofado com pintura descascada. Talvez toda a concepção que ela tenha a respeito de sexo, seja como aquelas paredes, aquela pintura… Incompleta, inacabada, cheia de manchas. Talvez ela se junte ao trovador bêbado que passa todas as noites declamando versos desconexos embaixo de sua janela, mas hoje, justamente hoje que ela precisava se deleitar do escárnio dos desgraçados, eles não cantam suas emoções. Fica somente o eco das vozes na escuridão, repetindo como trechos de canções em disco riscado…

And no one makes me close my eyes

And no one makes me close my eyes

And no one makes me close my eyes

And no one makes me close my eyes

And no one makes me close my eyes

É o que diz no disco riscado do Pink Floyd. Enquanto “Echoes” toca e ela delira no sofá, os olhos do gato, reprovadores, encarando-a como os olhos do padre durante a confissão. Lembrou-se que só se confessou uma vez na vida, na primeira comunhão. Entrou em uma sala no pátio da Igreja Nossa Senhora Aparecida, da cidadezinha pacata onde todos puxam o “r”. O padre estava sentado numa grande cadeira de madeira maciça e couro. Conte-me seus pecados minha filha, do que você se arrepende? Mas eram pecados de criança, tal como roubar doces, gastar dinheiro do lanche com fliperama,  subir no telhado escondido, simular sexo com a Barbie e o Ken, e fazer desenhos sem educação sobre a professora chata. Vou-me confessar Byron… Só você me entende, eu sei e você agora está com aquele olhar de que quer me ouvir…

Byron, o gato, se aproximou, lambeu-lhe a mão, não gostou muito, tinha gosto de conhaque, nicotina e sangue. Ela cortou a mão na lata de comida pra gato e não percebeu. O chão da cozinha estava manchado, contando histórias no chão. Mas o gato ficou lá, sentado, olhando pra ela, seminua e bêbada no sofá.

Byron eu pequei… Eu peco todos os dias, todas as noites…

O gato arrepia os pelos, lambe as patinhas e volta em sua posição de olhos atentos.

Eu queria beijar-lhe a boca inteira, afundar minhas mãos nos negros cabelos,

 Daquele seu velho homem que você nunca teve, disse o gato, com os olhos…

 Eu poderia lamber-lhe a cara, eu poderia beijar todos os pelos do rosto. Aquela barba negra por fazer. Eu poderia Byron… Eu poderia pensar em um milhão de coisas sujas e vulgares, eu poderia dançar nua pela sala, eu poderia fazer uma rima pobre e podre, mas eu não sou poeta. Eu poderia percorrer-lhe o corpo inteiro, como um inseto ou morder-lhe como um animal sádico, brincando com a presa. Aquele velho homem… Velho… Antigo, empoeirado, um quadro inacabado perdido em um souvenir.

Tomou mais um gole de conhaque; desejar sem poder é pecado? Até onde minhas entranhas expostas são um grito desconexo de utopia? O que é utopia? O que eu tenho medo? Qual o índice da minha maldade? Da nossa maldade, sem exceções? É matar alguém com 200 facadas, é torturar uma criança até a morte por inanição? É ver um cadáver na rua esperando o rabecão e tomar uma cerveja na calçada da esquina? Eu posso sufocar meu tesão com um travesseiro e pedir desculpas depois? Eu posso lhe arranhar as costas, posso traçar mapas de desejo no meio do suor, pelos, veias e tendões? Qual o prazer em sentir dor? De ver meu corpo rasgado e com marcas profundas de dedos, pequenas irritações causadas nas pele por causa do passeio de um rosto barbado? A preguiça masculina de 3, 4 dias de pelos na cara. E o meu corpo no espelho, dilacerado, desalmado e talvez amado? Qual foi o meu pecado? Pecado Byron… PE-CA-DO…

 Byron subiu no sofá, sentou no ventre nu e suado daquela que balbuciava eloquências e metáforas, e com olhos piedosos passou a língua áspera no ventre dela, como se quisesse caçar as mariposas no útero. E os pelos do gato como uma carícia, as patinhas pressionando como dedos. Ele se deitou, encarou-a com os olhos de incógnita e o piscar de felino. Trouxe-lhe a exata sensação de que o pecado era para ser vivido, mesmo na utopia. Dormiu, sonhou com o seu velho homem, que tem olhos e jeitos de felino. Dorme e sonha com dias poéticos, desgastados, descascados, com um pouco do mofo das tristezas, cores sinestésicas e os ventos de alegrias cheias de tragédia. Versos, neologismos, dor, beijos e gemidos.

 O gato olhou para a janela, poderia dar um passeio lá fora, no mundo paralelo dos gatos, perturbando o sono alheio com as transas felinas que atiçam o sono dos incautos, mas ficou com sua dona, e pensou nos albatrozes, “imóveis no ar”, do disco riscado do Pink Floyd. A noite foi como eco, cheio de vozes e desejos ensandecidos. A noite apenas começou, com seus encantos, prazeres, pecados e desejos, deitando em metáforas, aforismos, metonímias e falácias. O bêbado trovador passou embaixo da janela.  Todos os olhos felinos piscaram e sorriram, enquanto lambiam-se uns aos outros, as patas, a cara, o corpo, o sexo…

Escrito ouvindo isso aqui várias vezes:

Entranhas com alho frito.

Algumas pessoas se autocanibalizam, por falta daqueles que não tem colhões suficientes pra encarar suas verdades estampadas e escarradas pra fora, temos tendência de gostar daquilo que só passa a mão na nossa cabeça, aqueles que cospem sinceridades, são os chatos da vez, tão demodê… Se este termo não existe, autocanibalização eu acabei de inventá-lo agora. Não estou nem aí para o que vão pensar. Enfim, vamos falar de autocanibalização e canibalismo:

Algumas pessoas comem suas próprias entranhas fritas com alho e sal em frigideiras antiaderentes, sim…ANTIADERENTE, temos amor próprio, não queremos nossas tripas grudadas, queimadas. Nós engolimos nossos próprio sentimento. Já engoliu o orgulho?Então, ele tem gosto de fígado acebolado. Paixão tem gosto, olha só que clichê maravilhoso: coração!Ahhhh os clichês, tem horas que não conseguimos escapar deles. Entranhas tem de serem engolidas sem muita frescura sabe? E então, já se perguntou o porquê? Eu lhe digo que é para puramente não se perder a essência. Quando temperamos muito, temos sentimentos mascarados, e as coisas não devem ser assim. Temperamos apenas para não dar um gosto tão horrível, mas se temperarmos demais, nós não conseguiremos sentir textura, sentir nada. Tudo tem de estar em equilíbrio, até porque senão ficaremos loucos, mais do que já somos, enjaulados na clausura de nossa autocomiseração. Sejamos misericordiosos com nós mesmos. Comeremos nossas tripas e lamberemos os beiços, por unicamente, Amor-próprio, coloque um pouco de sal e engula tudo a seco. Se quiser cuspir, cuspa, mas não faça cara de nojo, poupe-me, o mundo já está nojento demais em meio da natureza vazia dos outros. Tem entranhas que são podres, nem precisa chegar perto para sentir o mal cheiro. Mas sempre tem gente que encara, e acha gostoso!Hummm delícia!Depois vem chorar nos ombros. “Comi uma guria, mas ela me usou”… Ohhh pobre coitadinho!As vadias chupam-lhe o pau e depois quando você diz eu te amo, elas te abandonam, como uma cachorrinho na rua. Ou você, guria bonita, inteligente (não vamos falar de vadias burras, eu já escrevi um pouco delas na linha de cima, me poupe), respeita o cara, não faz dele um brinquedinho, uma marionete de seu teatro infame. Você morreria pelo imbecil, mas ele não está nem aí pra você. É sempre assim, o ser humano é foda, gosta daquele que pisa, ou aquele que não lhe dá nem um pouquinho de atenção. E nós, como diz Renato Russo, esperamos um pouco de atenção, e nossa arrogância tem gosto de fel…Aquela bile que fica na boca quando não se tem nada mais pra vomitar.

Sabe, eu queria escrever esse texto nas costas, sair por aí, correndo pelada. Eu poderia colher cada flor do asfalto amaldiçoada pela falta de atenção, porque você estava pensando em comprar um carro zero, e esfregar na cara daqueles que não dão valor pra nada, aquele que não fala bom dia, aquele que não tem consideração nenhuma por quem está sempre do teu lado. Ahhh, mas se nós cuidarmos das flores, vêm a porra de um carneiro e a engole. Então meu querido ser quase dotado de massa cerebral, valeu a pena pra você?Você cuidou bem da sua flor, ela lhe fez sorrir?Sim?Ótimo!É isso que importa, você deu o máximo de si, pra que ficarmos nos lamentando? É eu sei, adoramos lamentar…Adoramos encontrar agulhas em palheiro. Adoramos criar fatos que não existem. Se cuidou da sua flor, chegou um carneiro e comeu, da próxima vez, cuide melhor da sua rosa, do seu girassol, faça menos cagadas, talvez se você tivesse plantado sua flor com um pouco de amor próprio, talvez ela não morreria…

Ando por aí, segurando minhas tripas, que escorrem do meu ventre, aberto, meu peito aberto, rasgado… Olha só…quer comer meu coração com molho pardo e azeitonas? Tem vinho aqui em casa, vinho vai bem com carne, mas segure a taça do vinho pela base. Sou uma puta exigente meu querido. Para devorar minhas entranhas você não pode ser um estúpido mesquinho. Para eu lhe dizer, entre de novo, você tem que me olhar por dentro, eu não sou apenas uma mulher bonita em cima de um salto alto, toda arrumada, eu acordo cedo com a cara amassada, tenho muitas vezes preguiça de tirar a maquiagem pra dormir, e às vezes eu bebo demais e acordo no outro dia de ressaca, com uma dor de cabeça dos infernos. Posso te amaldiçoar, posso chutar-lhe da minha cama, mas depois eu vou lhe estender a mão, e vamos nos amar em meus lençóis velhos, tão cheios de perguntas, muitas sem respostas. Beberemos, vamos brindar…Vamos devorar um ao outro, que tal? Fazer uma salada de entranhas, se você já guardou suas tripas pra dentro, pois já estavas cansado de ser julgado por ser assim, vem aqui, eu vou fazer-lhe um rasgo e colocar uma linda fita de cetim, suas tripas lindamente amarradas, meu presente.  As minhas são amarradas com um pedaço de cetim vermelho escandaloso. Elas estão servidas aqui pra você. Coma-as ou apenas olhe, simples assim, porque as coisas nesta vida tem de ser complicadas? Vem aqui, seu corvo tímido, venha crocitar seus medos e soltar seus demônios em cima de meus ombros. Estou à disposição, corpo, alma…E entranhas, servidas no alho frito.

Ahammmmm...
Ahammmmm…

Apartamento em chamas

Lúcia gosta de tomar banho com  banheiro cheio de velas. Ela usa isso como uma forma de ritual, sem compromisso, sem pressa alguma. Chega cansada do trabalho e coloca um John Coltrane ou B.B King para relaxar, pensar na vida, ter um sorriso de canto de boca, emoções surgidas nas trilhas de um solo de jazz ou blues tarado.

Deixa as roupas pelo caminho, fazendo uma trilha em direção ao banheiro, vai andando nua pelo apartamento de subúrbio, enquanto devora o resto de doce de banana feita pela avó no final de semana. Liga o computador, acompanha os último status das redes sociais e notícias de portais web, dá risada da última coluna do Zé Simão e seu colírio alucinógeno. Um ritual de bruxaria, um ritual totalmente pagão, seus demônio dançando em volta das chamas tremulantes da vela. Anjos soprando nos ouvidos, demônios em forma de pensamentos, todos num coro, na penumbra de jogo claro e escuro, luz e escuridão. Seu banheiro era um pintura barroca.

Faz amor consigo mesma, os homens que a tiram de sua toca, faz-lhe querer respirar por um mundo menos mesquinho com suas cores cinzas esparsas, no meio de seu mundinho tão colorido, solitário, a viva alma de um homem que veja suas nuances é tão raro quanto uma espuma de banho que seja duradoura. Lava a alma, lava o corpo, pensa em sexo e também em Amor.  Assopra a espuma nas mãos, como uma criança em corpo de mulher adulta. Não tem medo da solidão, pois ela é aquela que lhe completa  e faz sua consciência ão andar tanto nas sombras e nem tanto em caminhos iluminados, há o equilíbrio entre sombras e luz. Alimenta sua sede de viver pecando e fazendo as coisas certas, em passos de dança desalinhados, um tango teimoso.

Enxuga-se com uma felpuda , perfuma-se com algumas gotas de perfume atrás da orelha, 5 gotas tal como Marilyn Monroe em seus tempos áureos, amante de John Kennedy, baleado na surdina por um tiro na cabeça . Deita-se nua, na cama, com o corpo coberto apenas por um película perfumada de hidratante.  Agarra o travesseiro, aperta-o entre as pernas. Ela ama a solidão, mas gostaria de ali, naquele momento, naquele apartamento, queria o elemento Fogo, não queria a brisa suave do ar-condicionado.

Os carros passam lá embaixo, janelinhas de prédios ao redor, cheias de vida e histórias, sombras passando na janela, há um rio de emoções e segredos, diante de seus olhos naquela janela. Na penumbra de seu apartamento ela reflete sobre suas ambições e desejos. Numa aflição silenciosa, ela aperta um pouco mais o travesseiro entre as pernas. Queria um homem ali, no meio das pernas. Queria esquecer as velas acesas, perto de papéis, madeira nobre. Queria que as velas que fazem a trilha do banheiro ao quarto, trouxessem aquela chama que ela tanto necessita.

É verão naquela selva de pedra, naquela metrópole carregada de desejos,  ansiedades, ambições, todos os sete pecados capitais. Queria um apartamento em chamas, um homem entre as pernas e não um travesseiro. Um pouco de Amor…

Caminhamos ao encontro do amor e do desejo. Não buscamos lições, nem a amarga filosofia que se exige da grandeza. Além do sol, dos beijos e dos perfumes selvagens, tudo o mais nos parece fútil. Quando a mim, não procuro estar sozinho nesse lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles que amava, e discernia em seus traços o claro sorriso que neles tomava a face do amor. Deixo a outros a ordem e a medida. Domina-me por completo a grande libertinagem da natureza e do mar.Albert Camus
Caminhamos ao encontro do amor e do desejo. Não buscamos lições, nem a amarga filosofia que se exige da grandeza. Além do sol, dos beijos e dos perfumes selvagens, tudo o mais nos parece fútil. Quando a mim, não procuro estar sozinho nesse lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles que amava, e discernia em seus traços o claro sorriso que neles tomava a face do amor. Deixo a outros a ordem e a medida. Domina-me por completo a grande libertinagem da natureza e do mar.
Albert Camus

“Por quem os lençóis dobram” – Da série, “Eu não sei fazer poesia, mas eu tento!”

Depois de andar por um caminho cheio de folhas coloridas,
Já não é mais outono, é apenas um inverno ambíguo, cheio de sol e calor,
E os olhos azuis, grandes e tão perdidos, a fala mansa e o andar calmo,
Um homem incomum tão próximo, a alguns poucos centímetros,
E o sorriso na indelicadeza desconcertante de uma boca carnuda…desnuda,
Tão doce, bruta, elegante, curiosidade, os olhos, os olhos nus,
Fitando a boca voraz, era o desejo e a malícia no pensamento,
E a pele desnuda, a boca e a língua divina, e o cheiro natural,
A linha do pescoço que sobe até o rosto a emociona,
Ela estava então na cova do leão…

A vida, as pessoas, o caos, caminhando todos juntos de mãos dadas,
Os ventos de fim da noite os carregam, assim como as folhas,
Caindo calmamente, quase uma heresia,
Uma heresia calma e ao mesmo tempo bruta,

A folha toca o chão numa leveza simples, as mãos lhe tocam a pele,
Numa beleza ímpar, um gemido alto de prazer enlouquecedor,
São jovens demais para deixar a natureza emudecer noite afora,
Às vezes um homem deixa seus medos e ansiedade para trás,
Não há nada a temer, olhos nos olhos há sempre uma razão, ainda que febril,
E os olhos nus, encantados, e os corpos nus, se contorcendo,
Numa dança erótica, a indecência e o desejo tem cheiro de jasmim.

Há um sorriso tímido nos lábios, um enrubescer no rosto, um jogo de poder e sedução,
E ela sente os pelos do rosto dele junto ao pescoço, corpo estremecido e sem rumo,
E enquanto ele tira as suas roupas, ela se despe da vergonha,
E a noite segue tímida nos gemidos, enquanto as mãos firmes escorregam,
Como num torpor, num deslize, o suor sagrado se mistura mãos fortes e brutas,
No corpo tão frágil e delicado de mulher, as garras do leão lhe marcam a pele,
E as marcas na pele dela, um sorriso sádico no espelho pela manhã,
Ela fecha os olhos e se entrega, e então ela acredita, que ali naquele erotismo,
Naquela cama, com aquele homem, ela encontrou sua paz de espírito.

E o gosto sincero do medo, tão natural, ansioso, e latejante,
Num grito noturno sufocado pelo silêncio, uma mulher aflita,
Ao lembrar-se da cova do leão, o tremor, o desejo e o paladar visual,
Na madrugada afora o corpo clama por um pouco mais de amor,
Seja ele sensato ou insensato infiel ou fiel, perigoso e delicado,
A luta entre amor e razão é fado pesado e dói o peito,
O peso de uma incerteza silenciosa carregando um coração tão maltratado,
O rosto queima com a lembrança do beijo molhado, quente e profundo.

E a lembrança de um gosto amargo lhe traz uma saudade,
E o peso de um corpo sobre o seu nunca foi tão intenso e excitante,
Tão profundo, úmido, na meia luz, um gemido abafado e solitário,
É na cova do leão, a saudade, a lascívia, e o cheiro do jasmim,
Ela o amou, fez do seu desejo sua morada, bebeu do seu cálice até a última gota,
E ele fez do corpo dela seu altar, com uma fúria docemente obscena,
Um altar do desejo na cova do leão, quente, úmido e delicado.

Ficou uma bosta, mas foda-se essa merda!!hahahahahahahahahaha
Ficou uma bosta, mas foda-se essa merda!!hahahahahahahahahaha

Incubus

Isabella acordou tarde, queria aproveitar a folga que ganhou do trabalho. Tomou um banho morno para espantar a sonolência depois de uma noite regada a dois comprimidos de Rivotril de meio miligrama, e duas xícaras de chá de erva cidreira. Aprendeu com seu pai a arte de apreciar uma boa xícara de chá. Aprendeu com ele e um amigo que chá e silêncio são grandes aliados. Lembra ela, em tempos de adolescência,, quando passava as tardes de seus dias deitada na rede da varanda da casa dos pais, com seus livros emprestados da biblioteca do colégio, pois naquela época ela não se dava ao luxo de poder comprar os livros que quisesse. Seu amado pai sempre dizia que se ela estudasse, teria tudo aquilo que quisesse, pois o suor de sua labuta sempre valeria à pena, por mais que à princípio tivesse que abrir mão de muitas coisas. Ela, em devaneios de adolescente, imaginava-se tendo em sua casa uma enorme biblioteca, e não hesitaria em pagar caro em um livro, pois livros eram a sua fuga. A realidade sempre foi muito cruel para ser respirada com exclusividade. Ela precisava de uma válvula de escape.

Dez anos se passaram desde seus saudosos quinze anos, e hoje ela toma conta de sua própria vida, mas tinha muitos sonhos a serem realizados pela frente. Era muito jovem para querer ter tudo o que almejava. Ela tem algumas listas mentais de desejos a se realizarem até o dia que não pertencer mais a este mundo.

Naquela manhã de segunda, o dia nasceu indeciso. Era uma manhã cinzenta, intercalada por tímidos raios de sol. O ônibus chegou, ela disse bom dia ao motorista e sentou-se na poltrona da frente. Tirou um livro da bolsa, um livro sobre a temática da abordagem da feiúra em obras de arte. Ela permitia-se em apreciar o feio, o cruel, o anormal…A feiúra também tem sua dádiva, e em uma obra de arte, ela se enche de significados. Chegou em um capítulo que falava sobre demônios, nas mais possíveis esferas do que se pode ser considerado como arte. Havia ali um quadro. Havia uma mulher seminua sendo seduzida por um demônio. Ela encantou-se pela pintura ali refletida, aquele demônio cheio de luxúria apoiado no corpo branco de uma mulher perdida em devaneios oníricos, uma das mãos do demônio, apertava o seio. Olhou aquilo e lembrou-se, que Jung chamava isso de Incubus. São demônios causadores de sonhos eróticos em mulheres. O correspondente ao sonho eróticos dos homens, chama-se Sucubus.

incubus2

Isabella também tinha sonhos eróticos, e confessa que são aqueles que ela mais gosta, pois acorda mais disposta. Ela não tem aquele senso religioso de que está com o capeta no corpo. Sexo é uma necessidade, não é pecado, é prazeroso, bonito, puro. Naquela madrugada ela teve um sonho, permeado por um lindo demônio de olhos azuis, um anjo caído. Jazia ele como uma maldição entre as pernas, e na madrugada de outono ele lhe aquecia, encantava-lhe com o seu sorriso angelical e sua fúria sexual, o calor que precisava naquela noite e nas que viriam também.

Acordou descoberta, nua, cobertores ao chão. Um ventinho frio entrava pela fresta da janela, mas havia um calor úmido entre as pernas, sabia que seu demônio cor de olhos celestes havia lhe feito uma visita. Era como se ele tivesse as cópias das chaves de sua casa, e tivesse entrado de mansinho, dentro de sua casa, no seu caos organizado. Ele a olharia serenamente dormindo esparramada em sua solitária cama de solteiro, e a invadiria, apoiando-se sobre o peito dela, mãos descendo ventre abaixo.

Com aquela lembrança de seu sonho sem vergonha da madrugada, ela tentou mudar de rumo de pensamento. Olhou pela janela e contemplou várias flores que nascem em pleno asfalto. Viu uma senhora regando as plantas com um pequeno regador de plástico, e que via aquela senhora todas as manhãs, exceto em dias chuvosos. Aquela senhora, em dias de chuva, devia apoiar-se janela e contemplar a chuva dando um descanso pra ela. Um presente da natureza, uma dádiva do céu, e enquanto isso, ela tomava goles de café descafeinado  Isabella adorava isso, imaginar situações, reações, mas sem ter aquela neura de ter que comprovar que todas as suas convicções eram verdadeiras.

Voltou para o livro, lá estava a imagem do Incubus invasor, e ele voltou a atormentá-la, olhando nos olhos. Doce tormenta, pensou ela. Contorceu-se, cruzou as pernas no ônibus, eis aí uma tática para estimular o prazer sem ser percebida. Se apertava toda, e sua face pegava fogo. Queria ela que o dia acabasse logo, e que a noite chegasse majestosa, que o Sono a chamasse, um convite para se deitar nua debaixo das cobertas. Quando ela fechasse os olhos e no primeiro suspiro de sono majestoso, seu adorável Incubus a invadiria, deixaria seu corpo úmido como a grama de uma manhã de orvalho, uma tempestade a inundaria, escorrendo do meio de suas pernas. Vergonha…vergonha era algo que Isabella definitivamente não sentia.

girassol..
Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
(Sonho de uma Noite de Verão)
William Shakespeare

Minha falta de paciência

Pensei em coisas altamente pornográficas naquela mesa de bar. Permita-me, senhor elegante, ser devorada por ti em sonhos insones. Aqui neste lugar, onde o vinho escorre na minha garganta já tão sufocada pelo pretérito da saudade, penso em beber-lhe, assim, como goles de saudade, como goles de Amor que está tanto em falta neste mundo. Até mesmo eu, errante apaixonada, dom quixote de saias, deixo-me levar várias vezes que o Amor é apenas uma invenção tolas dos homens, descritas em versos de Petrarca. Uma loucura arquetípica dos homens, um devaneio não desmentido ainda pela ciência.

Aqui nessas linhas, não há espaço para pudor algum, não há nem um centímetro para descrever vergonha. Aqui é lugar de pouca vergonha, dou-lhe meu rosto para bater, sendo que uma face é pra bater, outra é beijar, como quiseres. Tiro minhas roupas em frente aos teus olhos tão desacostumados às coisas vazias deste mundo, talvez isso lhe traga algum momento de coerência, lembrando que Ícaro, da mitologia grega, também achou coerente colocar um par de asas e voar bem próximo ao sol. Em sua verdade imposta pelo sonho dele, ele caiu ferido e queimado no ar. Suas asas, estavam pesadas. A água do mar trouxe-lhe o peso da realidade.

Queria agora, devorar-lhe com os olhos, queria agora, neste instante, que rasgasse meu babydoll caro de seda e renda. Queria agora 12 horas de putaria num quarto de motel. Queria agora meu corpo insanamente encharcado com sua saliva. Isso te envergonha?Desculpe-me senhor, não sou mulher de meias palavras. Sou mulher para ser amada sem pudor num quarto de motel ou qualquer lugar ao qual pudermos transar. Quero sentir-lhe entre minhas pernas, como um errante perdido no meio da estrada, queria gemer em seus ouvidos, transbordar em você todas as minhas gotas de razão. Queria eu, ao fitar teus lindos olhos azuis, perder-me em um milhão de parábolas talvez inexplicadas. Queria ser eu, aquela que lhe tira o sono, mesmo sendo um homem cansado e cujo cansaço seja talvez em excesso, meu motivo de ser sua insônia repente em minutos de cansaço, abra-lhe um sorriso tímido nos lábios. A saudade de seus beijos me fazem perder a paciência…

Tal como vinho italiano.

Descobri uma forma de desejo que escorre pela garganta. Não queridos leitores, não estou falando de sexo oral. Estou falando sobre o calor causado por goles de vinho italiano, especificamente Cavicchioli Lambrusco, safra de 1928. Vinho expande meus horizontes, faz-me sentir plena, com todas as emoções à flor da pele, é como se as cores e sabores ficassem mais nítidos, meu universo tão incompleto, é como se os vapores etílicos desta bebida me desse todas as coisas que eu sonho, seja de olhos abertos, ou fechados, nas minhas poucas horas de sono de todos os dias. Numa dessas sensações, a vontade louca de fazer amor impera como frames por segundo numa tela de cinema. Não importa a quantidade de álcool que escorre como um rio garganta dentro, basta o cheiro de vinho, vinho é extremamente sensual. Um dia, sonhei que tomamos uma garrafa de vinho e transamos escondidos embaixo da mesa. Quando eu era garotinha, às vezes pegava escondido um copo e tomava embaixo da mesa. Na época, me dava sono, então logo em seguida eu ia dormir. Minha mãe achava que simplesmente era uma soneca infantil. Creio que o meu sonho cruzou essa lembrança de minha infância e traçou um desejo de minha alma já adulta mas com traços de criança feliz. Ainda adoro algodão-doce, a ponto de lamber meus dedos como sorvo o vinho de teus lábios manchados, pecado rubro, pele manchada de desejo. Nós dois rolando ao chão como garrafas ao chão. Você me quebra, em pedaços de emoção, faz-me tua lembrança doce surgir em mesas solitárias de bar. Cada gole solitário dessa bebida enebriante é um pedaço de tua pele que me toca os lábios, cada cheiro emanado da taça que eu levo à boca, é um cheiro teu envolvendo-me, uma lembrança de teu pescoço nu, consigo sentir seus tendões e veias aparentes, teu sangue nobre, tal como o vinho.

Nas minhas memórias encharcadas de lençol de motel, só tem lugar para aquele ao qual eu imortalizo nessas linhas tão tortas, aquele que me levou ao sétimo céu, aquele que eu não tenho vergonha alguma de admitir que o quero entre as pernas. Sou uma mulher e não mais uma garotinha de 15 anos, cheia de incertezas. A vida é muito curta para nos privar de desejos. Queria agora, neste momento em que escrevo solitária numa mesa de bar, que ele estivesse ao meu lado agora, mas a falta de sorte anda me perseguindo com seus passos de glória descontente. Ando perdida em um oceano, esperando este homem de olhos incógnitos, olhos que eu daria minha emoção mais incontida numa bandeja servida com carne e molho pardo. Uma faca, um garfo, deguste-me sem moderação. Queria beijá-lo, seus lábios silenciosos, beijaria teus olhos azuis todos os dias, se eu pudesse, mas eu transformo esse desejo em metáfora, eu olho para o céu e vejo a imensidão infinita de teus olhos. Eu não consigo tocar e nem beijar o céu, mas apenas o fato de olhar para o alto e lembrar-me de ti, já me és suficiente para traçar uma lembrança saudosa de teus olhos que falam.

Queria deitar-me em seu peito, e escutar suas histórias, espalhar-me em sua cama, como uma garrafa de vinho, rolando no chão. Teu rosto, linhas de perfeição com todos os seus vincos e barba por fazer, um traço de sua pele branca me convidando a devorar-lhe como um fruto proibido, fruto doce, cheio de sumo, incontido em meus sonhos encharcados durante a madrugada, nas poucas horas que eu durmo. Venha e derrame toda a sua fúria, sabor, calor. Meu corpo é uma taça, e você é delicioso como um vinho italiano.

“O cheiro de sua pele doce faz complicar o meu sonho
Oh posso ficar aqui por algum tempo vivendo o seu sorriso
Ah, como você poderia saber o que você fez
Você aqueceu meu coração quando eu estava tão sozinha
Mas tudo o que tenho para dar
São os meus sonhos de ir e vir para sempre
Dentro dos rios do tempo você vai me encontrar esperando
Para que você possa encontrar paz em sua mente
Assim, podemos amar de novo”

Dois filhos, um banheiro e abacate com especiarias.

Ela chegou na pressa do retorno à morada. Depois de um dia no trabalho, pegou os filhos no colégio. Ela queria descansar, mas as crianças gritavam no carro que queriam biscoitos. Talvez ela desencavasse alguma receita da sua avó, daqueles biscoitos amanteigados. Sua vida sem tempo não permitia ela, mãe solteira, ter a dignidade e o gosto de cozinhar todos os dias para os filhos. Ela era uma mulher moderna, independente, 33 anos e 2 filhos. Amou um homem em um flerte rápido. Ela se apaixonou, ele não, na verdade, ela não sabe, até hoje. O pai das crianças vêm pegá-las todo final de semana. Ela acredita no Amor dele pelos filhos. Pode não amá-la, apesar de todo o respeito e por nunca ter deixado ela na mão, mesmo ela recusando a pensão, ele fez questão de contribuir com os filhos, gerados num momento de descontrole. A vida, é feita de erros e acertos. Ela não acha que errou, ela amou aquele homem desde o primeiro instante que os olhos dela encontraram os dele. Quando soube que estava grávida, de gêmeos, bateu um desespero. Omitiu por três meses, mas chega um tempo que o corpo da mulher muda, e não há mais nada a esconder. Um dia o chamou, depois de várias tentativas fracassadas de dizer o quanto ela gostava dele, naquele momento da fatídica conversa via SMS “Precisamos conversar, sério…”, enviada depois de cerca de dezenas mensagens carinhosas sem resposta alguma, ela finalmente se tocou que era uma trouxa apaixonada. Tola, tola, tola…Pensava ela. Ela foi apenas um alarme de incêndio. Um homem tão bonito, poderia ter quantas mulheres quisesse, num estralar de dedos. Ela se lembra, o quanto as mulheres entortavam o pescoço quando ele passava, seu magnetismo era e ainda é, surreal. Dentro de uma farmácia, ele comprava colírio e era o colírio. As mulheres do balcão o devoravam com os olhos, e ela dava risada assistindo a cena de dentro do carro. Nunca contou isso a ele. Deixou que ele percebesse isso sozinho, ele era desligado, olhos perdidos e distantes em pensamentos que a tanto fascinavam. Ela achava que faria diferença, num mundo de mulheres com a cabeça alienada e afundada em sapatos, esmaltes, roupas, novelas e fofocas de salão, ela observava as coisas que ninguém reparava. Nunca foi uma mulher leviana, em sua vida, poucos homens se atreveram a entrar em seu mundinho, tão fechado, tão pra poucos. Um amigo de colegial, lhe disse uma vez, que ela pensava demais, e isso seria prejudicial pra ela. Às vezes, dizia esse amigo, nós temos que nos entregar falsamente para as convicções clichês desse mundo, pelo menos tentar não soar tão diferente. “Nos faz sofrer menos”, pensa ela. Muitas vezes ela pensa que deveria ser uma vadia, quantas vezes já ouviu que homem gosta mesmo daquelas que pisam em cima, cospem no prato que comem e dão pra meio mundo, sem valor algum. Tratar os homens como objetos, como bibelôs mal feitos de lojas de R$1,99. Usaria eles a seu bel prazer, e assim ouviria um ridículo “Eu te amo” ou outra coisa qualquer, ou um “bom dia vamos transar agora”, sem precisar ser quase misericordiosa. Pobre mulher tola, acredita sempre na boa índole dos homens, e que um dia, quem sabe, alguém a olhe com os olhos nus, e não como uma mulher que dá medo e uma certa ponta de fascínio medroso, cansou de ouvir frases de “se todas as mulheres do mundo fossem como você, teríamos um mundo melhor”, e depois de todo um envolvimento, ouvir que mulher inteligente dá trabalho, pois não é possível moldá-las, elas tem argumento pra tudo, são imbatíveis. Homens tolos, mal sabem eles que a mulher inteligente sabe se calar quando está errada, basta ter argumentos tão bons quanto o delas, o suficiente para os olhos brilharem e se calarem diante da convicção que está na frente de um Homem e não de um ser com um pênis, apenas um pênis. Ela sempre pensou que homens são como o abacate. Quando muito crus, são extremamente sem graça. Um amontoado de pelos, e uma coisa comprida que fica dura de repente no meio das pernas. Nada muito atraente. Mas quando misturado com bastante limão, açúcar, ou batido com leite, com outros ingredientes, se torna algo extraordinariamente divino. Abacates puros não fazem sentir tesão nenhum, apenas repulsa. Aqueles abacates que ficam se olhando no espelho enquanto levantam peso e não sabem pensar em outra coisa a não ser carro, futebol, peitudas anencéfalas siliconadas e o quanto seus tríceps e bíceps aumentaram. Aqueles abacates que nunca leram nada na vida, sem ser legendas de revista Penthouse. Aqueles que dizem que mulher inteligente dá trabalho. Os homens ao qual essa mulher amou, são seres divinos, com ingredientes que a fizeram salivar e desejar mais. Não eram um amontoado de pelos deslizando em cima de seu corpo, não era um objeto estranho invadindo seu ventre, era algo doce, único e que a fazia subir pelas paredes. Pena que a felicidade dura pouco, e homens abacate com especiarias sejam tão raros. No mundo de hoje, temos os abacates, mas falta em muito as especiarias.

Um dia, ela saiu de sua kitnet em bairro universitário, isso numa época antes de ter os dois filhos, uma menina e um menino. Deus não foi tão cruel com ela, deu-lhe ao menos um casal, gêmeos, mas ao qual poderia diferenciar. Ela saiu de sua casa decidida e se divertir e sair com o primeiro homem interessante aos olhos (apenas aos olhos) que a fizesse sorrir. “Vou ser vadia”, pensou ela. Dizem por aí, que a mulher que não é vadia por uma noite não é feliz, porque reza a lenda que toda mulher um dia vai comer na mão de um homem, assim como todo homem um dia se engana, comerá feito um cão nas mãos de uma mulher. Alguns inclusive, segundo histórias ao qual ela já ouviu, levam tapas no rosto da mão que comem feito cachorrinhos famintos de rua. Ela colocou uma roupa atraente, bonita, mas não vulgar. Queria ser uma vadia, mas uma vadia com classe. Transaria na primeira noite com aquele que lhe dissesse que ela é linda e que fosse atraente aos olhos dela. Apenas isso: SEXO, SEXO, SEXO, BELEZA, BELEZA, nada de papos intelectuais de livros e afins. Cansou de fazer as coisas por sentimento. “Gente boazinha e que dá valor ao sentimento alheio só se fode nessa vida”, pensava ela no entorno da primeira taça de vinho chileno que pediu no balcão. Naquela noite teria Pink Floyd cover, uma das suas bandas favoritas. Esperava encontrar alguém ali para transar ao som de “The great gig in the sky”, tocada em repeat contínuo, ou durante o álbum inteiro do “The Dark Side of the moon”. Talvez discutissem algo sobre a velha história de que o álbum é sincronizado com o filme “O Mágico de Oz”, e talvez surgisse uma desculpa esfarrapada de assistirem o filme, num apê bagunçado de cidade universitária. Ela tentaria ser igual ao homem de lata, sem coração, mas no fundo, o sonho dele era ter um coração batendo ali dentro. Ela queria ser uma mulher de lata…Sem coração. Coração só atrapalha, mesmo quando só se quer Sexo. Chegaram ali, naquela embriagada noite, vários homens, mas a bebida a fazia ficar mais sã. Não saiu, não “pegou” ninguém. Ficou lá até o fim do show, divagando sobre um milhão de pensamentos que a bombardeavam durante a flauta lírica em combinação com guitarras e sintetizadores psicodélicos. Voltou pra sua casa, semi-embriagada, sozinha, num táxi que pegou próximo ao Terminal. Chegou, atirou os sapatos para cada canto do quarto, deitou na cama. As hélices do ventilador giravam sem parar, ela estava com calor, o vinho lhe aquecia. Um calor entre as pernas, mas não teve nenhum homem que a satisfizesse. Para entrar em seu ventre, era necessário açúcar e bastante limão. Definitivamente, ser mulher lata não era pra ela. Sentiu nojo de ter tentado ser uma vadia. Na verdade ela não tentou, ela entrou naquele lugar, pediu uma garrafa de vinho, 3 cervejas Irish Red e ficou pensando na morte da bezerra, especificamente na vaca do “Atom Heart Mother”.

Ficou pensando na morte da bezerra, cuja mãe era a capa do disco "Atom Heart Mother"
Ficou pensando na morte da bezerra, cuja mãe era a capa do disco “Atom Heart Mother”

Ficou assim, pensando na sua tolice, e decidiu que nunca mais tentaria vestir a máscara da mulher “Like a Valeska Popozuda”. A vontade de dar seria controlada consigo mesma e num próximo homem que a fizesse sorrir por dentro e por fora. E que ela fosse, aquelas mulheres com uma casa e um cão, ela não tinha o dom de ser leviana. Ela poderia fazer sexo sem qualquer resposta de sentimento do outro lado, mas alguma forma de Amor ela têm de sentir por aquele que deita em seu peito e a devora. E foi assim com o pai de seus dois filhos. A reação dele ao “Estou grávida”, foi um misto de surpresa. Ela, 30 anos nas costas, sabia que ele não assumiria, se ele gostasse dela, teria dado algum sinal de vida. Conversaram, eles se vêem, trocam confidências, mas não por tempo suficiente para terem flertes. As crianças choravam e queriam o peito, ou queriam insistentemente subir em cima da mesa, ou brigarem pelo controle da casa. Ela recebia propostas, declarações, de tudo, sexo casual, amor eterno, mas o pai daquelas crianças enchia o mundo dela de cores. E cada vez que ela transava com um homem, era nele que ela pensava ao gozar. Hipocrisia, pensava ela, mas ela tinha que fazer o outro lado feliz, e ela se deixava enganar pela sensação induzida de prazer causada pela mente. HumildeMENTE, ela sentia orgasmos…

Num sábado ensolarado, seu Amor bateu à porta para buscar as crianças. Elas deram muito trabalho na noite de sexta, foram dormir tarde e incrivelmente estavam dormindo. Estavam dormindo todos em sua cama, e ela passou o dia insone, no sofá da sala lendo um livro. Adormeceu algumas horas com o livro no peito. Permitiu-se chorar com a estória ali, ela sempre chorava com Hemingway, pois foi ele que apresentou a metáfora da sorte lançada ao oceano, o céu de gaivotas, e a derrota em forma de tubarões. Naquele sofá, ela sonhou, como o velho Santiago em sua cama de jornais. Ela queria seu Manolim, ela cuidaria dele, e ele dela. Acordou num susto, seu celular tocava, seu velho Amor estava na porta, gritou “Já vou”, foi até o banheiro, escovou os dentes, deu uma ajeitada nos cabelos. Não podia fazer mais nada, pra ficar bonita demandaria um certo tempo e ele apenas buscaria as crianças. Ele não a amava mais, pode nunca ter amado, então, o que importava a Beleza?Abriu a porta, descalça, cabelo em desalinho, camisetão branco, calcinha de algodão por baixo, óculos de leitura, meio tortos na cara. Apenas um cheiro natural, sem perfume, mas o rosto todo iluminado, boca natural, sem traços escuros nos olhos, ela estava ali, de roupa, mas nua e crua. E lá estavam os velhos olhos azuis, e a saudade invasora. Deu-lhe um beijo no rosto, e disse que as crianças dormiam. Ele esperaria elas acordarem e foram pra cozinha, ela lhe fez uma xícara de café, fez a brincadeira de Dona Florinda e Professor Girafales, “Gostaria de entrar e tomar uma xícara de café?”, ele respondeu que não seria muito incomodo. Ela lhe ofereceria um copo de ovomaltine com leite bem gelado, mas as crianças tomavam aquilo como água. Puxaram tal qual o pai e a mãe, disse ela, e eles riram, baixinho na cozinha. Ela estendeu a xícara de café fumegante pra ele, e foram pra sala. Ele viu o livro “O velho e o Mar” num canto do sofá. Deu um sorriso de canto de boca, pegou o livro e viu onde estava o marcador de página, estava na parte sobre a sorte e a vontade do velho Santiago de querer poder comprá-la.

(…)Gostaria de comprar um pouco de sorte se houvesse um lugar onde a vendessem. Mas com que eu poderia comprá-la? Poderia comprá-la com um arpão perdido, com a faca partida ou com estas duas mãos em carne viva?Talvez…Você tentou comprá-la com oitenta e quatro dias no mar. Quase que lhe venderam.
Não posso continuar a pensar nestes disparates. A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é que pode reconhecê-la? Por mim aceitaria um bocado de sorte fosse qual fosse a forma como viesse e pagaria o que me pedissem por ela. Gostaria de poder ver o brilho das luzes. Estou sempre desejando coisas. Mas essa é a que mais desejaria agora.

Ele perguntou a ela se ela dormiu com o livro sobre o peito, enquanto ele esperava que ela respondesse o SMS que ele enviou sete e meia da manhã, ela disse que sim, e que já perdeu as contas de quantas vezes já leu aquele livro. Ele perguntou, quanto tempo ela estava jogada ao mar, sem pegar nenhum peixe. Ela disse: Três anos…três anos esperando a sorte, e essa era a única coisa que eu queria agora. Se pegaram, no sofá, as crianças poderiam acordar, ele queria deitar aquela mulher de cabelos bagunçados na cama do quarto, mas as crianças dormiam lá. Ela era uma mulher, com dois filhos e um banheiro…Transaram embaixo do chuveiro.

A metáfora da mariposa

Há várias mariposas circundando ao redor, dançando bêbadas ao redor do fogo, debatendo-se caindo no chão e rodopiando com as asas pra baixo. São como os anjos caídos por acreditar nas próprias convicções contrárias à lei divina, quando amanhecem no dia seguinte mortas, queimadas pela luz que elas tanto amavam. E as mariposas não se importam, aquela luz eram delas, e elas rodopiam em volta, até suas forças serem consumidas. Caem, mortas, secas e depois varridas por uma velha rabugenta. As mariposas não voam mais, jazem mortas na terra, levadas por formigas.

E as demais mariposas, todos os dias ficam numa dança obscena, hipnotizadas, com suas asas batendo violentamente, em volta das lâmpadas, do fogo dos lampiões, tão sensuais quanto um casal amando-se entre quatro paredes. Quando as luzes se apagam, as mariposas choram como mulheres que perderam um amor que se acabou. Elas esperam pelas noites, num jardim, rodopiando pelas flores de cores sensatas e insensatas, camuflando-se em troncos marrons cheios de juras de amor dos anos 80. E quando as luzes do quarto se acendem, ou quando vêem a chama dos lampiões, elas se aproximam novamente. Elas beijam sua luzes, como um vício, beijam suas luzes, como uma mulher que beija os olhos de seu amado. Tal como as mariposas, as mulheres curvam perante seus desejos, e as nossas mariposas batem as asas, freneticamente em nosso ventre.

luz

Tal como o vinho, parte II.

Eu simplesmente não consigo mais ignorar a zona incauta de prazer que me invade a alma a cada gole de vinho tinto seco. Seria muita insensibilidade de minha parte se eu ignorasse todo o poder quase insano, enlouquecedor, de teus lábios manchados, sua saliva, nossa saliva etílica, aquele cheiro teu tão próximo, eu devorei teu cheiro em um longo percurso, e ainda não levemente embriagada, eu já sabia muito antes que eu estava já fora da minha toca, apenas tentei em vão ignorar tão sagaz e ensurdecedor insight de razão emocionada. Eu não pretendia beijar-lhe e nem ser beijada, mas eis aí que a vida nos engana. Quando nós achamos que temos todo o controle da situação, eis que os ventos de tempestade chegam e balançam nossas roupas de orgulho penduradas no varal. E a camisa branca impecável, seca no varal, ficou úmida de prazer, marcada por vincos de um abraço de saudade. Meu vestido ficou um tempo separado num balaio de roupas, longe das outras, porque ali estava algo especial, uma gota de vinho derramado e seu cheiro esparramado. Joguei o vestido na máquina de lavar, mas só fiz isso quando gravei tuas marcas olfativas em minha memória, e ela está longe de ser jogada no sóton de minhas memórias cognitivas. Está num acesso dinâmico, rápido, bizarro e sem frescura, sem tempos ruins para negar memórias entorpecidas. Pode estar uma tempestade de pedra lá fora, a chuva será linda, pesada, e eu vou contemplar da minha janela. Lamberei uma pedra de gelo, um pedaço do céu em minha boca, eis que me lembrarei de ti novamente, não estou dizendo que és um homem frio, mas sim porque como o gelo, você derrete em minha boca e num acesso de lembranças boas, as borboletas dançam todas descontroladas no jardim de meu estômago.

E eu saí daquele bar numa sexta-feira ameaçadora de chuva. Com meu casaco amarelo eu suava, e o vento de prenúncio de chuva bagunçou meus cabelos, acalmou minha face avermelhada. Subi para o ônibus sobre o efeito do fogo. Algo em mim queimava, se eu pudesse lhe chamaria para um sexo improvisado, como uma dança, num salão, onde ritmos variados nos convidam a passos desajeitados. Neste palco eu meu arrisco, a vida toda é um palco, penso eu, pois temos de dançar conforme o ritmo dela, portanto, se nos sentirmos envergonhados e desajeitados durante os passos de tango argentino, vamos cair, e rir de nosso tombo. Daremos as mãos e dançaremos novamente, até a que a Morte chegue. Se o céu, o paraíso e outras metáforas semelhantes existirem, vamos continuar dançando no paraíso. Se o inferno existe, vamos dançar nus, sem pudor algum, queimando em chamas, um ritmo caliente de música caribenha. Usarei meu espanhol desajeitado, sem vergonha. Aliás, vergonha é algo que não me pertence. Deixei-a abandonada e guardada numa caixa, na mesma caixa onde guardava meus textos proibidos de 15 anos, antes de serem atirados ao fogo.

Tal como o vinho, bebo-te em goles de saudade, e ele desce, quente, aquecendo minh’alma e coração, numa sexta-feira de emoções violentas em forma de pensamentos. Queria eu ser agora como uma garrafa, um vinho, um licor de uvas, envelhecido de emoções. Deite-me em sua taça e me beba, sem pressa. DEGUSTE, sem moderação.