Isabella acordou tarde, queria aproveitar a folga que ganhou do trabalho. Tomou um banho morno para espantar a sonolência depois de uma noite regada a dois comprimidos de Rivotril de meio miligrama, e duas xícaras de chá de erva cidreira. Aprendeu com seu pai a arte de apreciar uma boa xícara de chá. Aprendeu com ele e um amigo que chá e silêncio são grandes aliados. Lembra ela, em tempos de adolescência,, quando passava as tardes de seus dias deitada na rede da varanda da casa dos pais, com seus livros emprestados da biblioteca do colégio, pois naquela época ela não se dava ao luxo de poder comprar os livros que quisesse. Seu amado pai sempre dizia que se ela estudasse, teria tudo aquilo que quisesse, pois o suor de sua labuta sempre valeria à pena, por mais que à princípio tivesse que abrir mão de muitas coisas. Ela, em devaneios de adolescente, imaginava-se tendo em sua casa uma enorme biblioteca, e não hesitaria em pagar caro em um livro, pois livros eram a sua fuga. A realidade sempre foi muito cruel para ser respirada com exclusividade. Ela precisava de uma válvula de escape.
Dez anos se passaram desde seus saudosos quinze anos, e hoje ela toma conta de sua própria vida, mas tinha muitos sonhos a serem realizados pela frente. Era muito jovem para querer ter tudo o que almejava. Ela tem algumas listas mentais de desejos a se realizarem até o dia que não pertencer mais a este mundo.
Naquela manhã de segunda, o dia nasceu indeciso. Era uma manhã cinzenta, intercalada por tímidos raios de sol. O ônibus chegou, ela disse bom dia ao motorista e sentou-se na poltrona da frente. Tirou um livro da bolsa, um livro sobre a temática da abordagem da feiúra em obras de arte. Ela permitia-se em apreciar o feio, o cruel, o anormal…A feiúra também tem sua dádiva, e em uma obra de arte, ela se enche de significados. Chegou em um capítulo que falava sobre demônios, nas mais possíveis esferas do que se pode ser considerado como arte. Havia ali um quadro. Havia uma mulher seminua sendo seduzida por um demônio. Ela encantou-se pela pintura ali refletida, aquele demônio cheio de luxúria apoiado no corpo branco de uma mulher perdida em devaneios oníricos, uma das mãos do demônio, apertava o seio. Olhou aquilo e lembrou-se, que Jung chamava isso de Incubus. São demônios causadores de sonhos eróticos em mulheres. O correspondente ao sonho eróticos dos homens, chama-se Sucubus.
Isabella também tinha sonhos eróticos, e confessa que são aqueles que ela mais gosta, pois acorda mais disposta. Ela não tem aquele senso religioso de que está com o capeta no corpo. Sexo é uma necessidade, não é pecado, é prazeroso, bonito, puro. Naquela madrugada ela teve um sonho, permeado por um lindo demônio de olhos azuis, um anjo caído. Jazia ele como uma maldição entre as pernas, e na madrugada de outono ele lhe aquecia, encantava-lhe com o seu sorriso angelical e sua fúria sexual, o calor que precisava naquela noite e nas que viriam também.
Acordou descoberta, nua, cobertores ao chão. Um ventinho frio entrava pela fresta da janela, mas havia um calor úmido entre as pernas, sabia que seu demônio cor de olhos celestes havia lhe feito uma visita. Era como se ele tivesse as cópias das chaves de sua casa, e tivesse entrado de mansinho, dentro de sua casa, no seu caos organizado. Ele a olharia serenamente dormindo esparramada em sua solitária cama de solteiro, e a invadiria, apoiando-se sobre o peito dela, mãos descendo ventre abaixo.
Com aquela lembrança de seu sonho sem vergonha da madrugada, ela tentou mudar de rumo de pensamento. Olhou pela janela e contemplou várias flores que nascem em pleno asfalto. Viu uma senhora regando as plantas com um pequeno regador de plástico, e que via aquela senhora todas as manhãs, exceto em dias chuvosos. Aquela senhora, em dias de chuva, devia apoiar-se janela e contemplar a chuva dando um descanso pra ela. Um presente da natureza, uma dádiva do céu, e enquanto isso, ela tomava goles de café descafeinado Isabella adorava isso, imaginar situações, reações, mas sem ter aquela neura de ter que comprovar que todas as suas convicções eram verdadeiras.
Voltou para o livro, lá estava a imagem do Incubus invasor, e ele voltou a atormentá-la, olhando nos olhos. Doce tormenta, pensou ela. Contorceu-se, cruzou as pernas no ônibus, eis aí uma tática para estimular o prazer sem ser percebida. Se apertava toda, e sua face pegava fogo. Queria ela que o dia acabasse logo, e que a noite chegasse majestosa, que o Sono a chamasse, um convite para se deitar nua debaixo das cobertas. Quando ela fechasse os olhos e no primeiro suspiro de sono majestoso, seu adorável Incubus a invadiria, deixaria seu corpo úmido como a grama de uma manhã de orvalho, uma tempestade a inundaria, escorrendo do meio de suas pernas. Vergonha…vergonha era algo que Isabella definitivamente não sentia.

Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
(Sonho de uma Noite de Verão)
William Shakespeare