“Caminhamos ao encontro do amor e do desejo. Não buscamos lições, nem a amarga filosofia que se exige da grandeza. Além do sol, dos beijos e dos perfumes selvagens, tudo o mais nos parece fútil. Quando a mim, não procuro estar sozinho nesse lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles que amava, e discernia em seus traços o claro sorriso que neles tomava a face do amor. Deixo a outros a ordem e a medida. Domina-me por completo a grande libertinagem da natureza e do mar.” Albert Camus
Chamas. Naquele acampamento do auge de meus quinze anos, eu via as chamas dançando enquanto a batata com fondor (aquele pó amarelo que segundo a lenda, “amacia” carne), assava na fogueira, envolta de papel alumínio. E eu aprendi, que se você esquentar a água com uma pedra dentro, a temperatura se mantém como uma garrafa térmica. E me perguntam, “não seria mais fácil ter levado uma garrafa térmica?”. Sim, seria, mas eu penso que o ato falho do esquecimento da bendita garrafa, nos faz voltar a um estado primitivo. Tem gente que odeia acampar… “Onde vou conectar minhas máquinas?Ou ainda, existe camping com energia elétrica, já vi gente levando o grill, aquela coisa que só faz sujeira e deixa a comida borrachuda ou máquinas de fazer pão. Muitas vezes queria fugir para um lugar onde não existissem tantas máquinas de fazer coisas. Penso que daqui a pouco teremos máquinas que vão sorrir por nós. Algo como uma tela com um visor, e várias opções:
- Bom dia!
- Boa Tarde!
- Boa Noite!
- Tudo ótimo!
- Sim, muito! ( aquele sorriso de concordância, sabe?)!
- Tudo bem!E você?
- Tive um lindo final de semana
- Eu te amo!
- Sou feliz!
- Que dia lindo hoje!
- Tenho dinheiro na conta! (mentira, você está no cheque especial!)
Acordaremos de manhã, faremos nossas tarefas por vezes odiosas, tal como sair da cama, arrastar-se até o banheiro e começar a amaldiçoar o dia desde as seis horas da manhã, e isso se torna insuportável desde a segunda-feira. Normal, estamos sempre reclamando, jogando o celular na parede quando ele não para de despertar. Imagino nossas cabeças explodindo junto ao nosso ódio das passagens do tempo, junto com nossas convicções de que estamos ficando velhos. Sendo assim, viveremos com nossa máquina de sorrisos, talvez um aplicativo no celular que manda sinais para algum chip implantado nas nossas cabecinhas perturbadas, algumas bem ocas, só com o eco do vento entrando pelas têmporas e saindo por outro lado. Vamos emular sorrisos eletrônicos!Bons eram os tempos de criança. Criança não tinha a maldade de simulação…
Parece que pintamos uma fotografia daqueles tempos de criança sem compromisso, sem malícia e aquela perspectiva de que a vida seria uma eterna brincadeira, ou como os filmes da TV. Eu me lembro de que sempre quis viver uma aventura, brincar de pirata, e nunca mais envelhecer. Um sonho na Terra do Nunca. Crianças e seus sonhos… Um dia, eu queria ser caixa de supermercado. Na minha cabeça de criança, eu imaginava que todo aquele dinheiro que entrava no caixa, seria todo meu. Eu achava que as caixas de supermercado eram donas de tudo e moravam em suas confortáveis casas com uma piscina no quintal. Eu tive um amigo que dizia que seu sonho era ser coletor de lixo. Ele pegava os sacos de lixo escondido da mãe e espalhava no quintal, alguns com brinquedos dentro, e outros ele pegava da lixeira. Tinha um triciclo azul, e andava pelo quintal, apanhando os sacos, colocando nas costas e levando até a lixeira. Quando o caminhão de lixo passava, saía no portão e olhava emocionado para aqueles homens que corriam atrás do caminhão. E sempre ele mandava “tchau” para os coletores que passavam no portão. No final do ano, ele pegava parte de suas economias, e entregava para os coletores, que passavam nas ruas, fazendo festa. Ele me contou que um dia, ao entregar o dinheiro para um deles, ele disse com um sorriso que quando crescesse, ele queria ser “catador de lixo”. O coletor sorriu, e quase chorou, porque aquele menino de cabelos bagunçados e boca suja de chocolate, dizia que se sentia orgulhoso, e não ligava para o cheiro ruim do caminhão de lixo. No meio de tantas pessoas passando e tampando o nariz, estava ali um ser que nunca deixou de cumprimentar ou dizer “Boa Tarde”.
“Não queira ser lixeiro bom garoto!Promete?”
E então o coletor saiu, correndo atrás do caminhão e olhando pra trás, deu um sorriso para o garotinho com ares de incógnita, parado no portão, com o cachorro louco correndo e latindo no pequeno jardim que havia na casa de infância. Para ele, não importava se a mãe dizia que aquilo era serviço de quem não estudou para ser alguém na vida. Aquele garotinho que mais tarde se tornou meu amigo e contamos nossos sonhos de criança numa mesa de almoço corporativo, não conseguia imaginar a sobrevivência em um mundo cheio de lixo… E nesse nosso mundinho de chorume, eu penso que acordaremos, e vamos escolher num visor a opção de sorriso. Sorrir dá trabalho, existem máquinas de fazer arroz, máquinas de fazer sanduíche, máquinas de fazer café… Enfim, máquinas. Hoje eu apertaria o botão: “Sorriso sarcástico com ponta de ironia”, mas a máquina de sorrisos apenas simula sorrisos de felicidade. No mundinho de lixo, acordamos emulando “sem querer querendo” sorrisos de felicidade, apenas para agradar, e evitar perguntas desnecessárias. Hoje, simulamos que somos correspondidos, por mais que nosso Amor nem nos olhe na cara ou que se preocupe com você da mesma ou na mínima maneira como você se importa, ou quando dizemos “Bom dia”, “Boa tarde” ou “Boa noite” às pessoas e as desgraçadas não respondem, quando nos sentamos no banco de terminal de ônibus, cansados e introspectivos, com fone de ouvido ou um livro… Ou os dois… Chega sempre alguém querendo conversar, e você quer apenas fugir dali, mas sente-se obrigado a ouvir ou expressar um “É…”, “Hummm”, “Legal”, “É mesmo” na conversa. E quando chegamos finalmente em nosso lar, podemos pensar o quão nós somos mesquinhos. Já dizia Renato Russo, estamos mergulhados em nossa arrogância, esperando um pouco de atenção, sabe? Aquela que não damos aos outros. E eu vou lá, emular o meu sorriso de “Estado de Felicidade incondicional”, mas na verdade, estou com olhos de saudade, e um sorriso de lábios secos. Sabe? Arrogante, esperando um pouco de atenção e todo Amor do mundo para incendiar…