Jardim de Infância.

Era de manhã, saiu pra fora no jardim, com os pés descalços, amassando a terra, tatu-bolas de jardim. A doçura da brisa das manhãs bagunçando os cabelos, e a certeza de um amor distante que a observava. Cantou com lábios quase fechados, uma canção que a emocionava, e uma lágrima escorreu, molhou a terra, onde sementes de flores amarelas que ela plantava todos os dias dormiam esperando a hora certa para germinarem. Todos os dias ela pega um regador e molha a beleza com olhos de devoção. Coração quebrado, cabelos cortados, uma Força despretensiosa, sincera, no peito um coração de vitral, colorido intenso. Queria ela dizer que o ama todos os dias, mas sua timidez desajeitada a faz emudecer, por isso ela canta baixinho, e crê ela, que o seu sussurro chegue aos ouvidos dele, o seu Amor, como anjos zombeteiros numa capela abandonada no deserto. E corre, pelo jardim, com seu vestido branco manchado de amarelo, lábios de café, para combater a insônia que tanto a enlouqueceu. E numa multidão de palavras ditas e não ditas, a falta de coragem não a impele de acreditar em dias que ainda nascerão sendo eles chuvosos ou iluminados por infernais raios de sol. E ela continuou agachada no jardim, sujando as mãos de terra, vendo pássaros brincar nas poças que se formavam ao chão. Sujou os pés de barro, e isso era bom, era puro, era ela voltando às origens, desprotegida de sapatos que a protegem de viver. Sujar-se é viver, sentir, no mais íntimo das verdades, quem vive sempre no que é limpo, não conheceu toda a intensidade de viver. Quando ela tiver filhos, permitirá que eles construam castelos, brinquem descalços no jardim, deitem na grama, pulem nas poças. As crianças andam limpas demais, aquela falsa convicção que é saudável viver longe da sujeira, aquelas crianças com roupas e sapatos impecáveis, olhos tristes ao verem as crianças sujas com as mãos de terra, crianças de apartamento, criadas a brinquedos eletrônicos e bonecos de roupas lavadas toda a semana. Sorrisos eletrônicos, falsos, por dentro uma certeza, uma vazio. Sim, crianças sentem tanto o vazio quanto nós os adultos, e naquele jardim, enquanto plantava uma flor, ela agradeceu por ter sido uma criança imunda, e não ter tido apenas um sorriso eletrônico estampado no rosto.

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