Tomavam café no bistrô do pequeno distrito de uma cidade grande. Ela pediu um café duplo com chantilly e pegou três sachês de açúcar. Ela era assim, exagerada, tal como a música do Cazuza. Ele, mais contido, em questões de cafeína, ficou no expresso pequeno e numa garrafa de água com gás…Ela…na garrafa de água sem gás. Ele terminou o café primeiro, ela, aturdida, impressionada, escutando o que ele tinha a dizer, tomava seu café duplo em goles calmos de prazer. No meio da discussão sobre a “Ilha do Medo”, viu que ele “esqueceu” a bolacha servida como aperitivo. Estava a bolacha lá, descansando calmamente no pires do café. “Posso pegar sua bolacha?”, disse ela, educada. Ela poderia chegar invadindo, sem pedir permissão, na surdina, como um vento de tempestade imprevista ao final da tarde, aquele vento desgraçado que chega bagunçando os papéis em cima da mesa, mas não…No palco da vida muitas cortinas se fecham, por vezes na nossa cara, uma bofetada, um espetáculo mal sucedido, sem espectadores, sem palmas, sem assobios, enfim, sem nada!
Ela era uma janela sem persiana, não importava as condições do Tempo, ali dentro daquele pedaço de gente encantada com a boca suja de chantilly e mastigando uma bolacha educadamente roubada, passa vento, garoa fina, sol escaldante das duas horas da tarde, entram folhas não convidadas, folhazinhas invasoras do outono assim, cheio de emoções…”Posso pegar sua bolacha?”, “Pode, claro!”, disse ele, quase que apenas com os olhos. Ela comeu a bolacha, e depois lambeu o chantilly que estava no canto da boca. Ela era uma criança, em corpo de mulher.

Que é pr’eu me cuidar
Essas coisas que diz
Toda mulher
Diz que está me esperando
Pr’o jantar
E me beija com a boca
De café…”