Memórias de bar.

Dormi ontem quase o dia todo. Estou de férias e tirei o sábado para relaxar, entre uma cochilada e outra, sonhos que eu tanto gostaria que fosse realidade, sonhos de Almodóvar. Acordei três horas da tarde com uma fome e sede dos infernos. Resolvi vivenciar minhas emoções incontidas em taças de vinho, nada como perder o meu tão pouco juízo em pensamentos derivados de uva fermentada. Seria eu uma alcoólatra?
Acordei, coloquei um vestido florido, meio curto mas não vulgar, aqueles que ficam soltos no corpo. Passei meu melhor perfume, vesti um salto quinze. Permito-me sentir-me como um mulherão. Quem me visse imaginaria um encontro à dois, eu bem que tentei, mas navego sozinha em um oceano de marés indecisas.Estava pronta para o pecado, mas meu pecado não me deu as mãos. Doía-me o meu tão gentil coração, chorei?Não…Eu convivo bem com a minha solidão, e acredito que as coisas não são como devem ser, assim, à nosso bel prazer, principalmente frente a um Amor tão desligado, uma incógnita talvez sem solução. Adoro mistérios, eles me encorajam, desafiam-me a ir contra aquilo que todos acham. Tenho todo o tempo e paciência do mundo, mas não sei dizer ao certo qual a regra de validade de minhas convicções. Um dia tudo se acaba, pode demorar anos, ou uma eternidade, e nessa eternidade nós podemos apenas fingir, isso mesmo, FINGIR, que nada mais sentimos, mesmo aquela lembrança doce nos afligindo como fantasmas, e eles podem ser cruéis, porque deixam uma saudade ao qual não podemos matar.

Adoro o rosto de incógnita e os cochichos dos transeuntes e convivas sentados às mesas ao lado. Adoro a cara de questionamento sobre o que faz uma mulher bonita e sozinha numa noite de sábado, sentada numa mesa tomando um vinho solitário e uma carne com mostarda e alcaparras. Se algum dos espectadores do meu curioso caso tivessem lido “O guia do Mochileiro das Galáxias”, saberia que eu estava ali a pensar “na vida, no universo e tudo o mais”, em meio à páginas de Hemingway, compradas antes em uma livraria. Não fico sozinha à toa, gosto sempre de levar algo para ocupar-me a mente. Por vezes, permito-me observar ao redor, mas sinto aquela ponta de medo de parecer invasora ao universo alheio. Enquanto as pessoas brindavam entre si, eu confraternizava com minha alma calorosa em meio de linhas tortas, no meu sempre companheiro caderno de anotações. Vivo em um mundo em que as pessoas, a maioria delas, não sabem conviver bem com a solidão e tirar proveito dela.

A solidão mostra o original, a beleza ousada e surpreendente, a poesia. Mas a solidão também mostra o avesso, o desproporcionado, o absurdo e o ilícito.

Thomas Mann

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